Com batidas frenéticas e cultura vibrante, o funk brasileiro se prepara para seguir os passos do reggaeton e conquistar os mercados globais


O Brasil está no centro das atenções globais após conquistar seu primeiro Oscar com o filme “Eu ainda estou aqui”, ambientado no Rio de Janeiro durante os anos sombrios da ditadura nos anos 1970. A trilha sonora suave do longa reforça uma visão romântica do país, onde supostamente bandas de samba e bossa nova entoam canções jazzísticas em calçadões à beira-mar. Contudo, essa percepção já não reflete a realidade contemporânea. Hoje, os brasileiros estão mais inclinados ao sertanejo, um estilo musical country animado, e ao funk, um ritmo nascido nas favelas cariocas. Especialmente o funk tem potencial para se internacionalizar e, com isso, transformar a imagem do Brasil no exterior.

O sertanejo ocupa o topo das paradas de rádio e plataformas de streaming no Brasil há cerca de dez anos. Sua popularidade reflete mudanças na economia nacional, que migrou de uma base manufatureira para um modelo centrado na agricultura. “A maior parte dos produtores musicais do Brasil costumava estar concentrada no Rio”, explica Leo Morel, da Midia Research, uma empresa especializada em pesquisa de mercado.

No entanto, com o fortalecimento do agronegócio, “os estados rurais começaram a ganhar mais espaço”. As letras sertanejas exaltam temas como gado, cerveja e picapes importadas. Em 2003, o gênero representava 15 das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras; em 2022, esse número saltou para 76.

Apesar de dominante, o sertanejo tem pouca chance de se expandir além das fronteiras nacionais. Poucos artistas investem em estratégias para alcançar o público global, aponta Morel. Isso abre espaço para o funk (pronunciado pelos brasileiros como “funky”) assumir o papel de embaixador cultural do Brasil. “Fazemos música pensando em alcançar o maior número possível de pessoas”, afirma Kevin o Chris, um dos principais nomes do funk.

O funk brasileiro surgiu no final dos anos 1980, inspirado pelo Miami bass e pelo electro-funk, subgêneros do hip-hop americano caracterizados por batidas eletrônicas marcantes. Os brasileiros deram sua própria identidade ao estilo ao acelerar os ritmos. Enquanto o hip-hop e o reggaeton, este último popularizado em Porto Rico, têm cerca de 90 batidas por minuto, o funk chega a 130 ou mais.

O gênero também desenvolveu uma subcultura vibrante, com bailes semanais nas favelas, destacando passos icônicos como o passinho, um movimento acrobático executado principalmente por homens, e a rebolada, uma versão brasileira do twerking.

As letras e os temas do funk muitas vezes refletem a dura realidade das comunidades onde nasceu. Em um baile recente realizado em uma favela no bairro da Glória, no Rio, adolescentes circulavam com rifles pendurados nos ombros e cintos de munição na cintura. Um homem na casa dos 20 anos exibia orgulhosamente um rifle semiautomático cravejado de ouro. Atrás do palco, homens armados vigiavam uma mesa repleta de saquinhos de cocaína à venda.

Mesmo assim, as batidas envolventes do funk estão ajudando o gênero a conquistar o mainstream. Taísa Machado, professora de dança e curadora de uma exposição sobre o funk no Rio, relata que seus alunos, antes frequentadores assíduos dos bailes funk, agora são profissionais como dentistas e terapeutas que moram em bairros nobres. A maioria é branca. Essa crescente aceitação irritou legisladores conservadores. Em janeiro, uma vereadora de São Paulo propôs um projeto de lei que proíbe o governo local de contratar artistas que promovam o crime para shows públicos. O Congresso Nacional está debatendo a medida, vista como um ataque direto ao funk.

Segundo a Revista The Economist, os novos embaixadores musicais do Brasil parecem estar distantes de figuras tradicionais como Gilberto Gil. Hoje, o nome mais celebrado é Anitta, uma artista versátil que vem de um subúrbio pobre do Rio e é conhecida tanto por suas habilidades de rebolado quanto por suas inúmeras cirurgias plásticas (ela já brincou sobre ser um “Frankenstein”).

Anitta trabalhou incansavelmente para entrar no mercado internacional, aprendendo espanhol e inglês, comprando uma casa em Miami e assinando contrato com a Republic Records, uma gravadora prestigiada da gigante holandesa-americana Universal Music Group. Em 2022, ela se tornou a primeira brasileira a liderar as paradas globais do Spotify com a música “Envolver”, um hit de reggaeton em espanhol. Seu álbum mais recente é trilíngue e retoma suas raízes no funk.

O fato de Anitta ter precisado aprender dois idiomas e mesclar gêneros para se consolidar internacionalmente demonstra os desafios enfrentados pelos músicos brasileiros no exterior. “É muito mais fácil exportar jogadores de futebol brasileiros do que músicos e cultura”, observa Michele Miranda, jornalista especializada em música. A diáspora latino-americana de língua espanhola nos Estados Unidos ajudou a impulsionar gêneros como o reggaeton. Já a comunidade brasileira no exterior é menor e menos conectada.

No entanto, os produtores de funk estão confiantes de que o gênero está prestes a decolar globalmente. No ano passado, astros americanos como Beyoncé e Kanye West usaram samples de funk em seus álbuns. Papatinho, um produtor brasileiro que viaja regularmente aos Estados Unidos, conta que os músicos locais mal conheciam o funk até pouco tempo atrás.

No entanto, no ano passado, ele recebeu ligações de Timbaland, Snoop Dogg e do próprio Kanye West, todos pedindo samples. “Antes eu adicionava funk em pequenas doses, como um tempero, mas agora as pessoas querem o prato inteiro”, diz ele.

Artistas como Beyoncé e Kanye West podem estar respondendo tanto a oportunidades comerciais quanto à busca por novos sons. A América Latina e a África Subsaariana são os mercados de música que mais crescem no mundo. Embora a América Latina represente apenas 8% da população global, responde por quase um quarto dos usuários ativos mensais do Spotify, segundo Roberta Pate, do Spotify Brasil.

Ela destaca que um dos segredos do sucesso de outros gêneros internacionais, como o reggaeton, foi a “consistência com que os artistas dedicam recursos para conquistar audiências globais”. Se Anitta for um indicativo, o crescimento global do funk pode estar mais próximo do que se imagina.

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Last Update: 16/03/2025