Jurji Habib Hanania foi um dos pioneiros da imprensa na Palestina e fundador do jornal al-Quds. Nascido em 1864, em Jerusalém, Hanania veio de uma família cristã ortodoxa profundamente enraizada na cidade. Seu pai, Issa, era um notável jurista e o único juiz cristão da Corte de Apelações de Jerusalém, enquanto sua mãe, Katingo, descendia de uma importante família da administração otomana em Istambul.
Desde jovem, Hanania demonstrou grande interesse pelo conhecimento e pela cultura, recebendo sua formação na escola anglicana Bishop Gobat’s School e ampliando sua educação de forma autodidata. Ele também era fluente em diversas línguas—incluindo grego, turco, russo, inglês, francês, alemão e hebraico.
A carreira de Hanania começou no setor gráfico. Em 1894, ele fundou sua própria gráfica em Jerusalém, rompendo com o monopólio das instituições religiosas sobre a impressão de materiais na cidade. Seu objetivo era utilizar a imprensa como ferramenta de progresso, promovendo o conhecimento e fortalecendo a identidade nacional palestina. No entanto, a censura otomana impediu, por anos, que ele expandisse seus esforços para o jornalismo. Apenas em 1908, com a restauração da Constituição otomana e a suspensão da censura, Hanania conseguiu permissão para lançar o jornal al-Quds, o primeiro veículo privado de Jerusalém após a reforma constitucional.
O jornal, publicado duas vezes por semana, trazia no cabeçalho a máxima “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” e pretendia ser um veículo de esclarecimento e crítica política. Em seu primeiro editorial, Hanania declarou seu compromisso com a verdade e a justiça, afirmando que a imprensa deveria servir à nação e não a interesses particulares. al-Quds não se limitava a Jerusalém, sendo distribuído por todo o Império Otomano, Egito e até mesmo na América do Norte e do Sul. O periódico reunia um time de intelectuais como Isaaf al-Nashashibi e Khalil al-Mufti e se tornaria um espaço fundamental para o debate político e cultural palestino.
As ideias defendidas por Hanania estavam alinhadas com o movimento reformista otomano, do qual ele foi um dos principais apoiadores em Jerusalém. Ele via o jornalismo como um pilar do progresso e defendia a modernização da sociedade através da criação de escolas nacionais, da ampliação do acesso à informação e da organização de associações civis. Combatia o sectarismo e defendia um modelo de governo baseado em um parlamento constitucional, no qual os governantes deveriam ser “servos da nação”. Além disso, acreditava na importância da educação das mulheres, argumentando que o desenvolvimento de um país passava, necessariamente, pelo avanço da instrução feminina.
No entanto, nem todas as suas posições estavam alinhadas com os setores mais radicais da intelectualidade árabe da época. Enquanto figuras como Khalil al-Sakakini lutavam pela arabização da Igreja Ortodoxa em Jerusalém, Hanania se manteve cauteloso e evitou confrontos diretos com o domínio grego sobre o patriarcado. Sua visão moderada também se refletia em sua atuação política: ele defendia a unidade do Império Otomano e era um dos membros proeminentes do Comitê de União e Progresso, partido que governava o império nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Apesar de sua dedicação, Hanania enfrentou grandes dificuldades para manter al-Quds financeiramente. Em 1913, lamentou a falta de apoio dos leitores, denunciando que a cultura de consumo de jornais na Palestina ainda era frágil. Muitos assinantes deixavam de pagar suas mensalidades, e um único exemplar chegava a ser lido por dezenas de pessoas. Para tentar expandir seu trabalho, Hanania investiu em uma nova gráfica, adquirindo equipamentos modernos e ampliando sua estrutura. Entretanto, o cenário político e econômico se deteriorava com a iminente guerra mundial, e, incapaz de pagar suas dívidas ao Banco Alemão da Palestina, Hanania teve que declarar falência. Em 1914, al-Quds deixou de circular, e seu maquinário foi confiscado e leiloado.
Diante desse revés, Hanania deixou Jerusalém e se exilou em Alexandria, no Egito. Lá, recebeu apoio da comunidade ortodoxa e seguiu envolvido em atividades intelectuais, publicando almanaques e estudando a história da Igreja Ortodoxa. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, ele celebrou a nova era para a Palestina, mas não retornou a Jerusalém.
Jurji Habib Hanania faleceu em Alexandria, em 1920, aos 56 anos.