Determinação da Taxa Básica de Juros Via Algoritmo e a Previsibilidade da Economia I
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Falando sobre algoritmos.
No mundo da aeronáutica, fala-se em “envelope de voo”. Trata-se de um conjunto de algoritmos capazes de minimizar os riscos de acidentes. Os envelopes sempre existiram. Eram representados por regras de procedimento perante percalços a serem exaustivamente estudados e treinados pelos pilotos. Hoje, o automatismo está tomando conta do envelope de voo. O resultado é altamente positivo dado a passarem-se anos sem acidentes fatais, apesar de chegarmos próximo de cem milhões de decolagens por ano. Será possível empregarmos o mesmo pensamento à administração pública em geral e à política monetária em particular?
Ultimamente, o termo algoritmo ganhou uma conotação negativa graças ao uso que se faz do termo, referindo-se às redes sociais. Algoritmo é, por definição, o conjunto de atitudes aritméticas que levam a um resultado específico. O uso dos algarismos arábicos para fazer contas generalizou-se porque propicia um meio de se chegar ao resultado desejado sem o uso de instrumentos intermediários. Os algarismos romanos não permitiam fazerem-se contas sem o uso do ábaco. Imaginemos somar CXXIII + CCCXLVI. É um belo desafio. Se usarmos algarismos arábicos, podemos calcular como aprendemos na escola. Usando o ábaco, ou calculando graficamente, o resultado é o mesmo, 469. Isso significa que ambos algoritmos são válidos, o do ábaco e o da conta escrita. O fato é que ambos são fruto da inteligência humana, porém, o transcendem na medida em que, usando-se uma máquina ou a mão humana, chega-se ao mesmo destino.
Uma característica inerente aos algoritmos é justamente a impessoalidade. Dizer que, por trás dos algoritmos há pessoas, é uma falácia. O correto é dizer que os dados inseridos no algoritmo podem ser manipulados pelo ser humano, porém, desde que o algoritmo seja ratificado por outro equivalente, ele se torna impessoal. Mutatis-mutandis, se dois algoritmos com a mesma finalidade e os mesmos dados não fornecem o mesmo resultado, pelo menos um deles é falso. Seria necessário criar um terceiro algoritmo que ratifique ao menos um dos precedentes, descartando o outro, para garantir a veracidade dos resultados, mantendo-se constantes os dados inseridos.
Quando se diz que, sendo a Economia uma ciência humana, não há como dois mais dois serem quatro, é o derrotismo científico, que só pode ser praticado pelos negacionistas. A crença de que somente a variação da taxa de juros controla o nível da atividade econômica, por exemplo, é uma falácia em essência, visto que não há outro algoritmo que leve ao mesmo resultado. Se, ao contrário, por exemplo, os economistas chegarem à conclusão de que o controle dos riscos tem o mesmo efeito, estabelecendo uma relação biunívoca entre os dois métodos de controle, pode-se dizer que se atingiu a impessoalidade necessária ao emprego de um, de outro ou de ambos algoritmos. O problema é que essa prova nunca aconteceu e é pouco provável que aconteça. Ao mesmo tempo existem conflitos, que afetam a vida material de milhões de pessoas, a serem administrados e a sociedade não pode esperar a solução de questões filosóficas, ainda que cruciais, preceda a política.
O uso do Boletim Focus pelo Banco Central é a assunção de que não se tem um ou mais algoritmos capazes de dar o mínimo de previsibilidade à economia brasileira. Ele lança mão das expectativas de mercado, talvez, na suposição de que os agentes adotem métodos de estimação científicos e isentos. Descobrir que os agentes puxam a brasa para sua sardinha não deveria espantar o mais ingênuo dos estagiários em Economia. Torna-se imperativo estabelecerem-se algoritmos para controlar a taxa de juros sem, contudo, eliminar a possibilidade de emprego de medidas emergenciais pelos dirigentes do Banco Central.
A exemplo dos envelopes de voo, em que o automatismo considera as mais diversificadas condições meteorológicas, as características técnicas de cada modelo de aeronave e a carga a ser transportada e, mesmo assim, funcionários de terra e tripulação não são eliminados, o Banco Central precisa contar com algo mais sério do que a expectativa de mercado para garantir o cumprimento de seu papel. Na próxima matéria serão analisados alguns pontos em que um bom envelope de voo possa impedir que o comandante, na figura do presidente do Banco Central, jogue intencionalmente o avião contra o solo numa atitude economicamente suicida.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição. É pré candidato a vereador em São Paulo pelo PT.
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