Pela segunda vez em menos de dois anos, um governo cai em Portugal sob acusação de corrupção. Na tarde dessa terça-feira (11), a Assembleia da República rejeitou uma moção de confiança do primeiro-ministro Luís Montenegro, que assim foi obrigado a abandonar o cargo. Seu mandato durou menos de um ano — ele havia tomado posse em abril de 2024. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa convocará agora novas eleições, previstas para meados de maio.

Era uma derrota anunciada. Montenegro, do Partido Social Democrata (PSD), apresentou a moção sabendo que ela seria rejeitada. Como uma medida de mitigar a crise, ele preferiu a queda rápida a sangrar aos poucos numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Acusado de conflito de interesses envolvendo uma empresa familiar, Montenegro teria a mulher e os filhos expostos e depondo numa CPI. O próprio Montenegro deverá ser o candidato do PSD no pleito de maio, na qual ambiciona dar a volta por cima com o apoio das urnas.

O debate que precedeu a votação foi puro teatro político. O PSD disse que aceitava uma CPI nos moldes definidos pelo Partido Socialista, a principal legenda da oposição, desde que a comissão tivesse um prazo definido de 15 dias, para não paralisar o país.

Pedro Nuno Santos, líder do PS e principal nome opositor na próxima eleição, rejeitou a proposta, dizendo que “o escrutinado não pode determinar o prazo do escrutínio”.

Em pesquisa divulgada na segunda-feira (10), Montenegro perdeu dois pontos desde o início da crise política que o tirou do poder. Está com 33,5%, ainda numericamente à frente, mas em empate técnico com Pedro Nuno — que aparece com 28,8%, em tendência de alta. A margem de erro é de quatro pontos percentuais. O mesmo levantamento mostrou que 70% dos portugueses não queriam novas eleições.

O Caso Spinumviva

A família de Montenegro é proprietária da empresa Spinumviva, que presta serviços de consultoria, produz vinhos na região do Douro e faz negócios imobiliários. Uma das clientes da Spinumviva até pouco tempo atrás, a Solverde, é uma empresa proprietária de cassinos. O conflito de interesses se materializou porque o jogo, em Portugal, é concessão estatal.

Montenegro fundou a Spinumviva em 2021, num momento em que estava fora da atividade política. Ao retornar ao PSD, passou 92% das cotas para a mulher e 8% para os dois filhos. Acossado pelas denúncias, Montenegro retirou a mulher da sociedade e rompeu o contrato com a Solverde. Nada disso mudou o cenário político que agora o retirou do poder.

O Comitê sobre Normas na Vida Pública, do Reino Unido, foi o responsável pelos pareceres contra os integrantes do governo de Boris Johnson que participaram de festas em 2022, durante a pandemia de coronavírus, no escândalo apelidado de “partygate”. Boris chegou a mudar o código de ética do Reino Unido para não cair, o que levou à renúncia do presidente do comitê. O escândalo marcou o início do desgaste que culminaria com a queda do premiê britânico no ano seguinte.

Em Portugal, o governo anterior, do Partido Socialista, já havia caído em meio a denúncias de corrupção. Uma operação policial em novembro de 2023 encontrou €75,8 mil em dinheiro vivo (cerca de R$470 mil) no escritório de Vítor Escária, chefe de gabinete do então premiê António Costa. Abriu-se um inquérito para investigar irregularidades em concessões para exploração de lítio e hidrogênio verde, e Costa renunciou.

Portugal não está sozinho na crise

A queda de Montenegro reforça um padrão de instabilidade política que já levou à queda de chefes de Estado na Alemanha e na França no último ano. Em dezembro de 2024, o chanceler alemão Olaf Scholz foi derrubado após perder um voto de confiança no Bundestag. O colapso da sua coalizão de três partidos foi resultado de disputas internas e de um impasse em torno do orçamento do país.

Alguns dias antes, no mesmo mês, foi a vez do primeiro-ministro francês Michel Barnier ser derrubado pelo Parlamento após apenas 91 dias no cargo. Seu governo desmoronou devido à rejeição de seu plano orçamentário, o que levou a uma aliança improvável entre a extrema direita de Marine Le Pen e a esquerda liderada por Jean-Luc Mélenchon para aprovar uma moção de censura contra ele.

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Last Update: 13/03/2025