Professores Stelio Marras (à esquerda) e Antônio Figueira, diretor do Fundo Patrimonial da USP, em evento hoje na Cidade Universitária (Mariana Pekin/Divulgação)

Por [Natalia Viri]

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação ao doutorado.

USP – Foto: Reprodução

“Devo logo dizer que de nada valeria esta minha iniciativa sem a confiança irrestrita em mim depositada por minha mãe, Ruth São Juliano Marras, e meus irmãos Leandro Tullio Marras e Fulvio Edmundo Marras. Grande parte do que leguei em testamento para o Fundo Patrimonial da USP vem e virá deles, a partir da herança inicial de meu pai, Edoardo Luciano Marras, falecido em 1981. Sei que tenho aqui 5 minutos para falar, e por isso não há como render a eles a devida e merecida homenagem. Mas o farei oportunamente em outro lugar, em outro momento.

Não era minha ideia aceitar o convite para esta homenagem hoje aqui, já que isso poderia eventualmente soar como autopromoção a me emprestar, não sem grande desconforto e certo risco, a aura de benfeitor ou benemérito. Por isso relutei. Mas acabei convencido de que esta obra, minha e da parte referida da minha família, poderia talvez frutificar ainda mais se eu a deixasse tornar-se pública. É portanto em nome ainda dos meus familiares citados, assim os honrando, como também pensando nos futuros beneficiários, que estou aqui.

Digo ainda que, como docente e pesquisador em ciências humanas desta universidade, onde fiz toda a minha formação acadêmica, eu sei bem dos mecanismos de concentração de renda e de patrimônio que seguem históricos e estruturais em nosso país. O que não sei é ensinar e produzir conhecimento no Brasil e sobre o Brasil sem sempre tentar considerar à altura essa nossa chaga social. Além disso, entendi que a partir do momento em que eu tivesse a chance de legar aos vulneráveis, que compõem a grande maioria dos brasileiros, e minoritários sociais, que ainda o são na nossa universidade, a herança do que recebi e também do que construí ao longo da vida, isso desde então já não seria uma opção para mim. Eu o faria sob a rubrica do ensino e da pesquisa, esses poderosos vetores de transformação radical, e junto à uma instituição séria e confiável, como a USP. Assim veio a acontecer.

Tornar pública a finalidade dessa minha herança exclusivamente destinada a financiar, no âmbito do Fundo Patrimonial da USP, bolsas de permanência estudantil de alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, esta é também uma aposta que faço em parte das elites brasileiras, que pode então passar a conhecer e, quem sabe, agir por orientação dessas iniciativas. É aposta de que tais elites não são completamente tomadas pelo pior no país marcado pelas terríveis consequências da escravidão, estas que infelizmente permanecerão por muito tempo entre nós, conforme previu, há mais de século, a lucidez do abolicionista Joaquim Nabuco.

Por fim, digo que, mesmo que eu tivesse filhos, eu jamais transmitiria a eles o total do que fiz e recebi, senão apenas o reservado por lei. E esse gesto seria, aí sim, a melhor herança que eu poderia transmitir a eles. De que vale a solidariedade consanguínea sem a solidariedade social? A resposta a isso corresponde à pergunta sobre qual mundo se quer promover para as próximas gerações – incluindo o mundo legado aos nossos descendentes diretos.”

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Última Atualização: 02/07/2024