O indígena Vitor Braz foi morto a tiros na noite da segunda-feira 10, durante um ataque armado contra a comunidade Pataxó da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, em Porto Seguro, no extremo Sul da Bahia.
O Conselho de Caciques Pataxó afirma que Braz foi cruelmente assassinado por pistoleiros “em um ataque orquestrado por fazendeiros” da região. “Essa nova tragédia se soma a um histórico de violações, ameaças e ataques sistemáticos contra o povo Pataxó”, afirma a nota do grupo de lideranças da TI.
Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, outro indígena também foi gravemente ferido por disparos de arma de fogo e precisou passar por uma cirurgia na manhã desta terça-feira 11. O Conselho de Caciques, por sua vez, diz que outros dois adolescentes pataxós estão desaparecidos após o ataque.
CartaCapital tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia para confirmar o estado de saúde dessa segunda vítima baleada, mas não obteve retorno. O governo da Bahia também foi questionado sobre a abertura de uma investigação no caso e ainda não respondeu.
O governo federal, por sua vez, se manifestou em nota assinada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A pasta, no comunicado, manifesta solidariedade aos Pataxós e afirma que buscará informações sobre o caso e cobrará para que a devida investigação do crime seja realizada. O Ministério, por fim, também informa que acionará a rede de proteção de crianças e adolescentes para que sejam intensificados os esforços na localização dos dois adolescentes que estariam desaparecidos.
Demarcação emperrada
O ataque armado coincide com a realização de uma audiência pública, em Brasília, sobre a homologação da demarcação da TI Barra Velha. A discussão é promovida nesta terça-feira pelo Ministério Público Federal. Segundo o Cimi, cerca de 300 indígenas dos povos Tupinambá e Pataxó estão na capital federal para participar da audiência, que também tratará da homologação da demarcação de outras duas terras indígenas na Bahia.
Demarcada em 1980 com 8.627 hectares, a área destinadas aos indígenas Pataxós contempla aproximadamente 1/6 do território originário. Em 2009, a Funai publicou um documento elaborado no ano anterior que corrigia a identificação do território para 52,7 mil hectares delimitados, abrangendo as áreas dos municípios de Itabela, Itamaraju, Padro e Porto Seguro. Desde então, no entanto, não houve avanço real na homologação do território em questão.
Com a lentidão do processo de demarcação, os Pataxós passaram a reivindicar o território ainda em disputa durante a última década, o que acirrou o conflito com grandes fazendeiros que também ocupam a região.
Em 2013, o movimento ruralista tentou reverter pela primeira vez a demarcação no Supremo Tribunal de Justiça, o que barrou o processo de delimitação das novas terras reivindicadas até 2019, quando a Corte declarou a legitimidade do território.

Pataxós na sede do STJ, em 2019, durante o processo de revisão da demarcação da Terra Indígena de Barra Velha.
Foto: Gustavo Lima / STJ
Os indígenas viventes nas TI Barra Velha e Comxatibá também são alvos de pressão da especulação imobiliária, principalmente na região de Porto Seguro, onde gigantes da hotelaria tentam abocanhar uma parte do território ainda pendente de homologação.
Histórico de violência
Em agosto de 2022, Pataxós em Barra Velha sofreram um cerco de pistoleiros fortemente armados, sob a ameaça clara de “meter bala” em quem tentasse entrar ou sair do território ocupado. Durante cerca de um mês, famílias foram impedidas de transitar pelas regiões entre fazendas – o único acesso para às cidades e vias – para realizar compras, ter acesso à saúde e medicamentos.
À época, lideranças indígenas denunciaram um conluio entre os fazendeiros e as forças policiais para fazer vista grossa ao cerco armado.
Em 2023, durante o primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT), a expectativa era de que o território da Barra Velha entrasse no pacote de homologações prometidos pelo governo, uma promessa de campanha reforçada durante a transição. Embora seis territórios tenham sido homologados ainda em março, a área do extremo sul da Bahia foi deixada de lado.
Em abril do mesmo ano, diante da não-demarcação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma medida cautelar ordenando que o Brasil adotasse previdências para aumentar a proteção dos povos Pataxó.
Em fevereiro de 2024, porém, quatro grandes famílias fazendeiras iniciaram um processo que usa o Marco Temporal para reivindicar o território e tentar interromper a delimitação da TI dos Pataxós.
A região em disputa abriga mais de 14 aldeias que ocupam o área enquanto vivem no limbo da insegurança jurídica aguardando pelo processo de demarcação