Nos últimos anos, o bolsonarismo impulsionou um fenômeno curioso: a ascensão de sacerdotes digitais que, entre um sermão e outro, repetem o repertório da extrema-direita com um verniz de santidade. É o caso de Frei Gilson, uma celebridade digital do conservadorismo religioso que arrebanha milhões de seguidores com sermões sobre moral, família e o que considera ser a “ordem natural” das coisas — uma ordem em que mulheres, por exemplo, devem saber seu lugar.
Aos 37 anos, Gilson da Silva Pupo Azevedo comanda a modesta Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de Santo Amaro, em São Paulo. Suas pregações, contudo, são transmitidas em lives que chegam a reunir mais de um milhão de fiéis (inclusive na madrugada), e se notabilizam pela retórica inflamada contra a modernidade.
No último sábado 8, Dia Internacional da Mulher, declarações de Gilson chamaram atenção nas redes sociais. No vídeo, ele defendia que as mulheres nasceram para ser “auxiliares” dos homens. O verdadeiro problema feminino, diz ele, é desejar “mais” do que lhes foi concedido.
“Essa é uma fraqueza da mulher: ela sempre quer ter mais. ‘Eu não me contento só em ser… em ter qualidades normais de uma mulher. Eu quero mais’. Isso é ideologia dos mundos atuais. Uma mulher que quer mais… vou até usar a palavra que vocês já escutaram muito: empoderamento!”, disse, subindo o tom. “O homem, foi dado a ele a liderança, mas a mulher tem o desejo de poder. Não é desejo de serviço, é desejo de poder. Repito a palavra: empoderamento. Portanto, eu já começo a falar: a guerra dos sexos é ideologia pura, é diabólica. Para curar a solidão do homem, Deus fez você [mulher]. Ela nasceu para auxiliar o homem.”
A pregação causou um rebuliço nas redes sociais. Não exatamente entre suas seguidoras, mas entre os muitos usuários que associaram seu discurso ao bolsonarismo raiz –ressaltando, por exemplo, o contraste com o Papa Francisco, que critica o machismo dentro da Igreja e, por isso, virou alvo constante dos ultraconservadores.
Diante da polêmica, Jair Bolsonaro logo correu em socorro do frei, publicando no X (antigo Twitter) uma defesa breve, mas eficiente em reforçar sua cruzada contra o que chama de “perseguição à fé cristã”. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), também saiu em defesa do religioso, alegando que as críticas partem de quem “odeia qualquer coisa que aproxima as pessoas de Deus”.
Mas a cruzada de Frei Gilson contra os perigos da modernidade não começou agora. Em junho de 2021, ele já usava suas plataformas para alertar os fiéis contra o “flagelo comunista”. Em uma live transmitida diretamente de Brasília, ao lado de um colega não identificado, o frei pediu que Deus protegesse o Brasil da “ditadura” e que os “erros da Rússia” não assolassem a nação. O evento fazia parte dos “3 dias de clamor pelo Brasil”, promovidos com peças gráficas que mesclavam a imagem do frei, a sede dos Três Poderes e a onipresente bandeira nacional.
Além das lives em seu canal no YouTube — já listado entre os 10 mais influentes do Brasil na temática religiosa —, Frei Gilson conta com o respaldo da Brasil Paralelo, a mais popular produtora de conteúdo de ultradireita no Brasil. O religioso é presença recorrente em especiais e vídeos da plataforma, que o apresenta como um expoente da fé conservadora. No mais recente, publicado em janeiro sob o título “O fenômeno Frei Gilson”**, os apresentadores exaltam o sucesso do “rosário da madrugada”, a live que, na última quinta-feira 6, reuniu mais de um milhão de fiéis.
A defesa ao religioso ganhou novo fôlego nesta segunda-feira 10, com uma nota oficial da Frente Parlamentar Cristã na Câmara dos Deputados. Para o presidente da bancada, Luiz Gastão (PSD-CE), as críticas a Frei Gilson representam um ataque à igreja católica e à liberdade religiosa.
Diz o texto: “O Brasil é um país democrático, onde a liberdade de crença e culto é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal. Isso inclui a possibilidade de sacerdotes e ministros religiosos ensinarem os princípios da fé que professam, sem medo de represálias.”
Frei Gilson, por sua vez, segue firme em sua missão de evangelizar as massas e combater os inimigos de sempre: o feminismo, o comunismo e qualquer ideia que desafie o monopólio dos mesmos sobre o mundo. Nada como um bom vilão para justificar uma guerra santa.
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