Trump x Universidades norte-americanas, o novo front de batalha

por Fábio de Oliveira Ribeiro

“Um procurador dos EUA nomeado por Donald Trump disse a uma das principais faculdades de direito do país para encerrar imediatamente os esforços de diversidade, equidade e inclusão (DEI), alertando que seu escritório do departamento de justiça não contratará alunos ou outros afiliados associados a uma universidade que utilize DEI.

Em uma carta extraordinária enviada ao reitor da faculdade de direito de Georgetown, o procurador interino dos EUA recentemente nomeado para o Distrito de Columbia, Ed Martin, disse que estava investigando a instituição acadêmica depois que chegou ao seu “conhecimento confiável” de que eles estavam ensinando e promovendo DEI.”

Assim começa a matéria do The Guardian sobre essa disputa. A resposta do reitor da Universidade foi exemplar. Através de uma carta ele disse ao procurador que:

“The First Amendment however guarantees that the government cannot direct what Georgetown and its faculty teach and how to teach it.”

Tradução: “A Primeira Emenda, no entanto, garante que o governo não pode direcionar o que Georgetown e seu corpo docente ensinam e como ensinar.”

Em anexo a carta na íntegra.

Dentre outras coisas, a Primeira Emenda à Constituição dos EUA referida na carta é o texto que garante a liberdade de expressão entre os norte-americanos.

A intromissão estatal na autonomia pedagógica universitária também é inadmissível no Brasil. Isso fere os princípios instituídos pelo art. 206, da CF/88, os quais devem ser sempre interpretados e aplicados em consonância com os incisos II, III e V, do art. 1º, da CF/88. Entre nós, ao contrário do que ocorre nos EUA, a questão da autonomia pedagógica não é articulada exclusivamente em torno da “liberdade de expressão” e sim como um instrumento de aperfeiçoamento da cidadania e da garantia da dignidade humana e do pluralismo político.

Isso para não mencionar que no Brasil qualquer ação do MP com o intuito de proibir uma Universidade de definir algum tema como prioridade pedagógica pode ser interpretado como abuso de autoridade, sujeitando a autoridade à aplicação do disposto na Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Mas é evidente que a apreciação do abuso somente poderá ocorrem respeitando-se o devido processo legal.

O assunto está sendo intensamente debatido nos EUA. Os blogues de direita e extrema-direita apoiam a decisão do procurador, mas a grande imprensa aplaudiu a resposta do reitor (vide 1, vide 2, vide 3). Essa curiosa disputa, que reedita nos EUA a interferência de Orbán nas Universidades da Hungria e as tentativas de Bolsonaro de intervir nas Universidades brasileiras, provavelmente não chegou ao fim. Se o procurador cumprir sua promessa de não contratar pessoas oriundas da Georgetown Law School porque ela tem um programa DEI, me parece evidente que os prejudicados recorrerão ao Poder Judiciário alegando uma discriminação ilegal que atenta contra a Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Em se tratando de uma questão de grande repercussão, a matéria pode eventualmente ser decidida pela Suprema Corte. Nesse caso, a derrota de Trump seria quase inevitável. Todavia, em se tratando de uma questão delicada que pode ser resolvida de maneira criativa as hordas de juristas trumpistas podem obter uma meia vitória que equivaleria a uma vitória completa. Explico.

A Suprema Corte dos EUA pode, por exemplo, interpretar o texto da Primeira Emenda de maneira à excepcionar a prerrogativa das autoridades federais de contratar ou deixar de contratar pessoas oriundas destas ou daquelas Universidades segundo suas próprias prioridades, desde que o governo federal não tente interferir diretamente na Universidade (como ocorreu de maneira grotesca no caso comentado). Se um precedente como esse for criado, o estrago será imenso e duradouro. Com o tempo, as Universidades dos EUA provavelmente se ajustariam voluntariamente ao novo paradigma e aquelas que não fizessem isso amargariam uma lenta decadência.

É preciso acompanhar o desenrolar dessa disputa. Ela é mais importante do que aparenta ser nesse momento.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Last Update: 10/03/2025