O ano de 2024 foi um dos mais intensivos e extensivos em grandes tragédias ambientais. Nenhum continente foi poupado e muitos países foram atingidos. Como sempre, as populações mais pobres foram as mais afetadas. Mas, agora, outros segmentos começam a sentir a violenta fúria da natureza, provocada pelos desatinos destrutivos dos seres humanos. As variações entre frio e calor, entre secas e chuvas descomunais, entre incêndios e furacões, destroem riquezas e propriedades, provocam inflação de alimentos, reduzem a escombros casebres nas periferias e mansões em bairros ricos.
Sim, o 1% mais rico, 80 milhões de indivíduos, produz tanta poluição quanto dois terços da humanidade. Esse 1% detém riqueza comparável àquela dos demais 99%. Nesses termos, o que se vê no mundo é uma guerra dos ricos contra o resto da humanidade, o meio ambiente e a natureza.
No ano passado, tivemos furacões devastadores no Caribe e nos Estados Unidos, inundações no Afeganistão e no Paquistão, incêndios na Grécia e em Portugal, o superfuracão Yagi em vários países da Ásia, a tempestade Boris na Europa Ocidental e Oriental, enchentes na Espanha, o ciclone Chido no Oceano Índico e inúmeros outros eventos de menor intensidade.
O Brasil não passou incólume. Em abril e maio, chuvas diluvianas devastaram o Rio Grande do Sul. Posteriormente, secas reduziram os leitos dos rios a lama e areia e transformaram terras produtivas em torrões rachados em 80% do território. Os níveis de água de superfície do País atingiram os menores patamares históricos e provocaram escassez de toda ordem. Muitas regiões tiveram mais de 120 dias sem chuva. Não bastasse, incêndios dantescos cobriram os céus brasileiros de cinza e fuligem. Governos, sociedade e setores produtivos se viram impotentes, mas pouco fizeram para prevenir e mitigar essas tragédias.
Logo, as enchentes no Rio Grande do Sul completarão um ano. O estado ainda está em reconstrução. Boas iniciativas e programas locais, estaduais e federais têm sido executados. Mas as dimensões e a singularidade do evento climático requeriam que algo de maior envergadura fosse feito. O estado poderia ter se tornado um paradigma nacional de estudos e de proposições de soluções preventivas, de resiliência, de mitigação e de adaptação. Também poderia ter se tornado um estudo de caso para a projeção de um novo modelo de desenvolvimento, radicado na sustentabilidade em todas as suas complexas dimensões, projetando a perspectiva de um novo modelo nacional.
Os recursos para viabilizar esses projetos foram pequenos e as vontades políticas, acanhadas, embora algumas iniciativas tenham saído do papel. Uma delas resultou de uma parceria entre a Secretaria Extraordinária da Presidência da República para o Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul e a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Com o financiamento da Open Society Foundation, foi estruturado o projeto “RS: Resiliência e Sustentabilidade”, com o objetivo de estimular pesquisas e a formulação de uma agenda de reconstrução voltada à adaptação climática como pilar para o desenvolvimento sustentável. Os estudos foram conduzidos por pesquisadores das universidades e institutos federais do Rio Grande do Sul. As conclusões serão discutidas, em 14 de março, em um seminário na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Buscar soluções estratégicas que coordenem ações de curto, médio e longo prazo é tanto mais urgente quando se sabe que 2024 atestou o fracasso da humanidade na busca e adoção de soluções emergenciais. Esse fracasso pode ser medido por dois indicadores: 1. 2024 foi o ano mais quente da história conhecida. 2. No ano passado, a temperatura atingiu 1,5ºC acima da média da era pré-industrial. A meta estabelecida pelo Acordo de Paris, em 2015, era a de que essa temperatura não seria ultrapassada antes de 2100.
Nas próximas décadas, as projeções científicas indicam que poderemos chegar aos 3 graus acima da temperatura média da era pré-industrial. As mesmas projeções indicam o que poderá acontecer: será uma situação aterrorizante de destruições incontroláveis, na qual as catástrofes alimentarão novas catástrofes.
Por onde quer que se olhe, o cenário não é animador. A COP–29, no Azerbaijão, estabeleceu um financiamento climático global de 300 bilhões de dólares por ano até 2035. Segundo as estimativas de ambientalistas e cientistas, seriam necessários 1,3 trilhão de dólares. Em contrapartida, nesses primeiros meses de 2025, todos os países centrais anunciam aumentos nos já absurdos orçamentos militares. Aposta-se na destruição, não na salvação da vida e do planeta. •
Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tragédias e indiferença’