Eduardo Bolsonaro aproveitou o Carnaval para viajar aos EUA, sua quarta passagem pelo país desde a posse de Donald Trump. Desta vez, o deputado cogita prolongar a estada, talvez indefinidamente. Na segunda-feira 3, ele republicou, em seu perfil na rede social X, uma enquete criada pelo influenciador digital Paulo Figueiredo, questionando se o parlamentar deveria solicitar asilo político em Washington para, de lá, combater o “regime brasileiro”. Com mais de 35 mil votos, a consulta revelou que 70% dos seguidores apoiam o autoexílio do filho Zero Três de Jair Bolsonaro.
Neto do ditador João Baptista Figueiredo e ex-comentarista da Jovem Pan, o influencer vive atualmente nos EUA e é um dos 37 indiciados pela Polícia Federal por tramar um golpe contra Lula. Mais do que desejar a companhia de um dileto amigo, Figueiredo teme que Eduardo Bolsonaro tenha o passaporte apreendido ao retornar ao Brasil e, eventualmente, até seja preso preventivamente. Não é o único. “A possível apreensão do passaporte do deputado Eduardo Bolsonaro visa criar constrangimento ou instruir ação judicial para impedi-lo de assumir a Comissão de Relações Exteriores”, escreveu Jair Bolsonaro nas redes sociais, no domingo 2. O ex-presidente, convém recordar, já teve o passaporte confiscado pela PF.
O pedido de apreensão do documento consta em uma notícia-crime protocolada no Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira 27, pelos deputados petistas Lindbergh Farias e Rogério Correia. Na peça, eles solicitam uma investigação contra Eduardo Bolsonaro, acusado de atentar contra a soberania nacional por articular, com congressistas norte-americanos, um Projeto de Lei que visa atacar e constranger o ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos relacionados à tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O magistrado encaminhou a solicitação à Procuradoria-Geral da República, que deverá emitir um parecer recomendando a abertura de um inquérito ou o arquivamento do pedido. Somente então Moraes decidirá se autoriza ou não a apuração.
O deputado é alvo de vários pedidos de investigação e pode ter o passaporte confiscado pela PF
Mais do que a improvável prisão em uma investigação que nem sequer foi autorizada, Eduardo Bolsonaro teme o confisco do seu passaporte, medida cautelar que poderia ser adotada a qualquer tempo. Em suas andanças pelos EUA, o parlamentar encontrou-se com congressistas republicanos e marcou presença em eventos promovidos pela extrema-direita estadunidense. Em um desses convescotes, revezou-se no palco com o ideólogo Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, que fez uma saudação nazista com o braço enquanto discursava na convenção. Na companhia de Figueiredo, percorreu diversos estados americanos para angariar apoio a um Projeto de Lei que claramente tem Moraes como alvo prioritário.
Aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara de Representantes, o equivalente à Comissão de Constituição e Justiça do Parlamento brasileiro, o “No Censors on Our Shores Act” – “Lei Sem Censores Dentro de Nossas Fronteiras”, em tradução livre – foi protocolado em setembro de 2024 pelos deputados republicanos Darrel Issa, da Califórnia, e María Elvira Salazar, da Flórida, logo após o magistrado brasileiro determinar a suspensão do X no Brasil. O texto prevê a deportação e a inadmissibilidade em território americano de autoridades estrangeiras que infringirem a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que versa sobre a liberdade de expressão.
Após receber uma visita de Eduardo Bolsonaro, o deputado Rich McCormick, da Geórgia, foi às redes sociais pedir à administração Trump a adoção de sanções formais contra o ministro da Suprema Corte brasileira: “Moraes também é uma ameaça aos EUA, censurando empresas americanas, suprimindo a liberdade de expressão e violando a soberania digital. Suas táticas autoritárias exigem ação”. O parlamentar republicano chegou a mencionar a Lei Magnitsky, sancionada por Barack Obama em 2012, que autoriza o governo a congelar bens ou proibir a entrada no país de pessoas acusadas de corrupção ou de violar os direitos humanos.

Imagem: Nelson Jr./STF e Kena Betancur/AFP
Trump terceirizou a Musk a tarefa de fustigar o ministro do STF em público
Na prática, McCormick deseja que Trump assuma publicamente a ofensiva contra Moraes. Até o momento, apenas Elon Musk, chefe do Departamento de Eficiência Governamental e dono do X, tem vocalizado críticas mais contundentes ao ministro do STF. O presidente dos EUA atua de forma indireta. Uma de suas empresas, a Trump Media e Technology Group, e a plataforma Rumble ingressaram com uma ação nos EUA acusando Moraes de censura extraterritorial ao ordenar a suspensão de contas de cidadãos brasileiros em suas redes sociais. Ao negar a liminar solicitada pelas companhias, a juíza Mary Scriven observou o óbvio: as decisões do magistrado brasileiro não têm validade no território americano. Nenhuma companhia poderia sofrer qualquer punição por desrespeitar suas ordens, ao menos não nos EUA. Não há, porém, como impedir sanções em outros países. Se essas companhias desejam atuar no Brasil, devem seguir a legislação brasileira e acatar as decisões da Justiça local.
Na avaliação do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, toda essa movimentação de Eduardo Bolsonaro justifica a abertura de uma investigação: “A ofensa parece evidente”. O criminalista recorda um recente episódio envolvendo o senador Marcos do Val, do Podemos, que pediu para os EUA invadirem o Brasil durante uma live na internet. “O Congresso Nacional tem que ter o brio mínimo de abrir um processo de cassação, porque é um caso nítido de quebra de decoro parlamentar.” Segundo ele, não há dúvida de que conspirar contra o Judiciário brasileiro com autoridades de outro país é crime. O especialista acha pouco provável, porém, que Bolsonaro e Do Val sejam realmente cassados.
Além da notícia-crime no STF, parlamentares da base de Lula encaminharam representações à PGR para solicitar uma investigação contra Eduardo Bolsonaro, não apenas pela acusação de atentar contra a soberania nacional, mas também por obstrução da Justiça e coação no curso do processo, na medida em que as ações do parlamentar visam criar embaraços para a atuação do magistrado responsável pelos processos da trama golpista. A bancada petista acionou ainda o Conselho de Ética da Câmara. Já o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, estendeu o pedido de investigação ao Tribunal de Contas da União, para uma análise acurada do uso de verbas públicas nas viagens de Zero Três aos EUA.

Cautela. “A retenção do passaporte é necessária e tem base legal”, sustenta o petista Rogério Correia, autor de uma representação contra Eduardo Bolsonaro
“O Supremo precisa agir rápido, porque eles contam com a impunidade. A retenção do passaporte é necessária e tem base legal”, defende o deputado Rogério Correia, do PT, autor de um dos pedidos de investigação protocolados na PGR. O petista também planeja fazer uma representação contra Jair Bolsonaro. “Ele anda dizendo que pode fugir do Brasil, está convocando atos para obstruir o julgamento dele. O Ministério Público deve estudar medidas para evitar que isso aconteça.”
Professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo e colunista de CartaCapital, o advogado Pedro Serrano qualifica como uma “intromissão indevida” a tentativa da Rumble e da Trump Media de processar um magistrado brasileiro por uma sanção aplicada no Brasil. Ainda que o processo esteja parado na Justiça norte-americana, sua simples existência é motivo de preocupação, avalia. “As jurisdições não são universais, são limitadas à soberania de cada Estado.” O especialista acrescenta que os EUA não podem impor para o mundo sua liberdade de expressão, que permite até mesmo manifestações de ódio ou apologia do nazismo, mas não garante o sigilo das fontes para a imprensa. “Já imaginou se o Brasil aplicasse sanções a um juiz americano que ordenou a prisão de um jornalista que se recusou a entregar suas fontes? Isso poderia causar uma crise diplomática, como esta que Eduardo Bolsonaro está cultivando.”
O Itamaraty, por sinal, repudiou a tentativa de constranger o ministro Alexandre de Moraes por meio de sanções impostas por autoridades estrangeiras. “O governo brasileiro rejeita, com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais e ressalta a importância do respeito ao princípio republicano da independência dos poderes, contemplado na Constituição Federal brasileira de 1988”, diz um trecho da nota. No STF, os ministros Flávio Dino e Luís Roberto Barroso manifestaram solidariedade ao colega. E o próprio Moraes também se pronunciou, no início da sessão da quinta-feira 27: “Deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822 e com coragem estamos construindo uma República cada vez melhor”. •
Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Exílio em Trumpland’