No recém-publicado livro Why We Die: The New Science of Aging and the Quest for Immortality (Por Que Morremos: A Nova Ciência do Envelhecimento e a Busca Pela Imortalidade), Venki Ramakrishnan, biólogo ganhador do Nobel, nos lembra já nas primeiras linhas que somos, talvez, a única espécie que percebe sua mortalidade.
Sabemos que temos uma data de validade determinada, e essa consciência influencia nossa história, nossas ideias e nosso comportamento.
Nos últimos 50 anos, mais e mais estudos têm se dedicado a adiar o envelhecimento. A expectativa de vida dobrou neste último meio século. Embora existam diferenças entre as regiões mais pobres e as mais abastadas do planeta, nos países mais pobres vive-se mais.
Muitos são os fatores responsáveis pela maior longevidade da espécie humana: melhora no acesso a comida, vacinas, avanços nos tratamentos de doenças cardiovasculares e do câncer etc. O número de centenários está aumentando, mas indivíduos com mais de 110 anos ainda são raridade, mesmo com acesso completo a toda sorte de tratamentos e tecnologias.
A dificuldade em se ultrapassar os 100 anos pode decorrer de fatores genéticos, assim como da limitação natural da nossa biologia. Mesmo que consigamos nos manter vivos por mais de 100 anos, a qualidade dessa “vida” seria precária com a tecnologia atual. Entender o que ocorre na biologia do envelhecimento envolvendo nossas células, proteínas e genes pode nos ajudar a manipular o processo. É importante estar atento ao fato de que aumento da expectativa de vida não é garantia de existência saudável nem de vida feliz.
Algumas áreas-chave têm sido intensamente estudadas, mas os desafios são muito grandes, pois, na balança do equilíbrio das proteínas que regem a vida, um peso a mais de um lado pode resultar em destruição. Manipulação genética – consertar os genes danificados – e reprogramação genética para rejuvenescimento celular podem gerar células perenes que dão origem ao câncer.
A perda dos telômeros – extremidades do DNA que, no processo de envelhecimento, são encurtadas e induzem a morte celular e inflamação – foi alvo de tentativas de manipulação medicamentosa para prolongar a vida. Tal tentativa pode, porém, levar a aumento de tumores.
Em outro experimento, camundongos idosos foram submetidos a tratamento para matar células senescentes, chamadas de células zumbis – que, apesar de ativas, perderam a capacidade de se dividir. O tratamento tornou os ratos menos frágeis, rejuvenesceu seus corações e aumentou sua resistência em corridas. A descoberta abriu as portas para uma nova área da Medicina chamada estudo dos senolíticos – capazes de eliminar células senescentes –, ainda em fase inicial e com implicações em aumento de câncer também. São várias peças nesse quebra-cabeça.
Outra área fonte de exploração são os suplementos alimentares antioxidantes, vitaminas e hormônios, que geram um comércio de milhões de dólares com pouca ou nenhuma evidência científica. Um mercado imenso, muitas vezes enganoso e com potencial de causar danos.
Sem falar em estratégias que parecem ter sido inspiradas em filmes de terror como transfusões de plasma obtido de indivíduos jovens e uso de células-tronco de placenta para os mais diversos procedimentos rejuvenescedores.
A regeneração dos neurônios é uma das grandes barreiras a quem quer viver para sempre. A incidência de demência e depressão vem crescendo com o aumento da expectativa de vida. Paralelamente ao limite da natureza para a longevidade extrema, imaginem os problemas econômicos e sociais que ela pode causar!
Nosso mundo convive com mais de 1 bilhão de pessoas (cerca de três vezes a população do Brasil) enfrentando a fome e a guerra diariamente. Isso, sem falar nas crises pessoais dos imortais, que também devem ser consideradas.
Até onde iria a reinvenção dos relacionamentos amorosos e profissionais e como lidaríamos com a perda de pessoas queridas que não tivessem a mesma sorte (?) de viver indefinidamente? E nosso propósito, nosso objetivo de vida? Conseguiríamos nos reinventar a esse ponto? Viver para sempre talvez seja egoísta demais. •
Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Viver para sempre’