Metas de Inflação: Impactos, Desafios e Possíveis Reformulações

por Luís Antônio W. Bambace e José Luiz M. de Almeida

O regime de metas de inflação tem sido adotado por diversos países para garantir estabilidade econômica, protegendo o poder de compra da população e incentivando investimentos. No Brasil, essa política trouxe avanços, mas enfrenta desafios estruturais, como o spread bancário elevado, que dificulta o controle da inflação sem prejudicar o crescimento econômico. Além disso, a influência da inflação americana exige uma abordagem diferenciada para evitar crises como a enfrentada pelo Japão. Neste artigo, discutimos os impactos do atual modelo de metas de inflação no Brasil, analisamos a relação entre a inflação importada e a inflação local e propomos reformulações para aprimorar essa política, equilibrando estabilidade e crescimento econômico.

O Papel da Inflação na Economia e Seus Desafios

A inflação impacta diretamente o dia a dia das pessoas. Quando muito alta e instável, corrói salários, gera incerteza para consumidores e empresas e desorganiza os mercados. No entanto, inflação muito baixa também pode ser prejudicial, pois desacelera a economia e pode levar a crises, como ocorreu no Japão, onde uma tentativa de manter a inflação apenas 0,3% acima da americana resultou em estagnação econômica. No Brasil, combater a inflação apenas com aumento da taxa básica de juros pode trazer consequências negativas, como recessão e explosão da dívida pública. Um fator determinante para isso é o spread bancário elevado, que reduz a eficácia da política monetária baseada em juros.

O que é spread bancário?

É a diferença entre a taxa de juros que os bancos pagam para captar dinheiro e a taxa cobrada dos clientes. Em outubro de 2022, por exemplo, o spread sobre capital de giro das empresas no Brasil foi de 2,21% ao mês (30% ao ano). O spread médio brasileiro foi de 31,1% em 2015 (FIESP), enquanto no Japão, um dos mais baixos do mundo, foi de 0,23% em 2023.

Isso significa que qualquer aumento da taxa Selic no Brasil tem um impacto fortemente atenuado na economia real, tornando difícil alinhar nossa inflação com a dos EUA sem gerar efeitos colaterais graves.

A Influência dos EUA na Inflação Mundial

Desde o fim da paridade do dólar com o ouro em 1971, no governo Nixon, os EUA passaram a financiar seus déficits internacionais emitindo moeda, aumentando a base monetária global e gerando

inflação mundial. Como o dólar é a principal moeda de comércio global, qualquer aumento na oferta de dólares impacta os preços internacionais.

Como isso afeta o Brasil?

  •  A inflação americana se espalha globalmente porque o comércio e os preços das commodities são atrelados ao dólar.
  •  Países emergentes, como o Brasil, importam inflação, pois precisam pagar mais caro por produtos e matérias-primas cotados na moeda americana.
  • Além disso, cada país tem problemas internos, como gargalos logísticos e custos financeiros, que fazem com que a inflação local seja ainda maior que a inflação importada.

Dessa forma, a inflação americana não apenas influencia os preços globais, mas também se soma às dificuldades estruturais de cada economia, agravando o problema inflacionário local.

O Regime de Metas de Inflação e Seus Limites

O regime de metas de inflação foi adotado no Brasil em 1999 e trouxe benefícios, mas não funciona da mesma forma em todos os países. Alguns exemplos:

Sucesso: Em economias desenvolvidas, como Reino Unido e Canadá, a política ajudou a manter a inflação sob controle sem prejudicar o crescimento.

Problemas: No Japão, tentar manter a inflação artificialmente baixa contribuiu para uma década de estagnação econômica.

Quanto mais baseada na taxa básica de juros for a política de combate à inflação, maior será a diferença necessária entre a inflação local e a média global para manter um nível aceitável de crescimento econômico. No Brasil, essa estratégia é limitada pelo alto spread bancário e pela inflação importada.

Bancos centrais podem adotar outras medidas para ajustar os níveis

de inflação além da Selic, como:

Alternativas para Controlar a Inflação

✔ Controle da oferta de crédito

 Aumentar o redesconto bancário pode reduzir a inflação sem elevar a dívida pública, mas enfrenta resistência do setor financeiro.

✔ Investimento em infraestrutura produtiva

 Melhorar a capacidade produtiva reduz a inflação estrutural e garante um mercado de consumo futuro para investidores.

✔ Uso de estoques reguladores e preços mínimos para o agricultor

 Essa política, aplicada no passado no Brasil, estabilizava os preços dos alimentos, mas foi extinta pelo governo Temer.

✔ Diferenciar a Inflação Importada da Interna

A política de metas deveria considerar separadamente a inflação causada por fatores internos e a inflação importada dos EUA e de outros países. Essas estratégias permitiriam um controle mais eficaz da inflação sem comprometer o crescimento econômico.

O Impacto da Inflação Importada no Crescimento

A equação de Black-Scholes, que rendeu o Nobel de Economia em 1997, demonstra que empresas tendem a adiar investimentos em momentos de incerteza, aguardando mais informações sobre o mercado. Isso explica por que a inflação importada nem sempre resulta em crescimento imediato.

O que isso significa?

  • Quando um país sofre um choque inflacionário vindo do exterior, as empresas podem adiar a produção local e focar na exportação, o que pode prejudicar o mercado interno.
  • Além disso, políticas protecionistas podem surgir em resposta ao aumento da inflação importada, impactando ainda mais o crescimento.

Segundo cálculos, a capacidade da inflação importada de gerar crescimento não chega a 1/3 da inflação doméstica planejada para expandir a economia.

Propostas para Reformular a Política de Metas de Inflação

Diante dos desafios apresentados, o Brasil precisa de uma abordagem mais flexível para sua política de metas de inflação. Algumas soluções possíveis incluem:

1. Metas de inflação ajustadas mensalmente

 A inflação brasileira deve seguir uma margem baseada na média ponderada da inflação americana nos últimos três meses, permitindo maior flexibilidade.

2. Modelo econômico transparente e aberto

 O Banco Central deve disponibilizar publicamente os modelos de desempenho da economia, permitindo maior controle social sobre as decisões.

3. Margem de segurança para evitar recessões

 Conforme Guido Tabellini, países que importam inflação precisam ter uma inflação cerca de 2% acima da americana para manter um crescimento sustentável.

Conclusão: O Brasil Precisa de um Modelo Próprio

Diante desse cenário, é essencial que o Brasil adote um modelo de metas de inflação mais flexível e realista, que leve em consideração:

✔ O impacto da inflação importada.

✔ O alto spread bancário.

✔ A necessidade de crescimento sustentável.

A rigidez das metas atuais pode levar a uma desaceleração econômica desnecessária, aumentando o risco de crises como a enfrentada pelo Japão. Para evitar esse cenário, o Banco Central precisa adotar uma abordagem mais dinâmica, garantindo transparência e ajustes que promovam estabilidade sem comprometer o desenvolvimento econômico. Com essa reformulação, o Brasil pode manter a inflação sob controle sem sacrificar empregos, investimentos e crescimento econômico.

Luís Antônio W. Bambace – Eng. Mecânico, PhD em Aerodinâmica, Propulsão e Energia.

José Luiz M. de Almeida – Eng. Civil, Especialista em Engenharia de Estruturas Hidráulicas.

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Last Update: 06/03/2025