Parte das capitais brasileiras aderiu neste ano, pela primeira vez, ao uso de ferramentas de reconhecimento facial como instrumentos de segurança pública durante o Carnaval, a exemplo de São Paulo, Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro.

As cidades comemoraram um aumento nas apreensões de foragidos neste ano, mas registros de violência policial em meio às festividades evidenciam problemas sensíveis que a tecnologia, por si só, não resolve. Em um dos casos, durante shows de Carnaval em Capinópolis, no Triângulo Mineiro, uma foliã sofreu uma fratura no osso da mandíbula ao ser atingida por uma bala de borracha disparada por um policial militar.

Para o conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Alan Fernandes, o uso da tecnologia, já conhecida mundo afora, é bem-vindo, mas deve ocorrer sob supervisão dos governos e da sociedade, uma vez que pode reforçar preconceitos.

Ele avalia que as ferramentas de reconhecimento facial são eficazes, porque partem da base de mandados de prisão do governo federal. O problema, segundo ele, é que as falhas eventualmente cometidas tendem a recair sobre pessoas “mais marginalizadas, mais visadas pelos órgãos pelos órgãos policiais”.

Em São Paulo, a decisão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de adotar o Smart Sampa durante o Carnaval foi motivo de embate com a Defensoria Pública do Estado. O órgão chegou a pedir a suspensão da tecnologia e a garantia de que foliões poderiam se manifestar livremente durante os festejos, sem “vigilância” por parte da prefeitura.

Nunes dobrou a aposta e lançou o “Prisômetro”, um painel que contabiliza em tempo real o número de prisões realizadas na capital por meio do Smart Sampa. Na sexta-feira 28, após se reunir com o prefeito, a Defensoria recuou e disse não ser contra o Smart Sampa — no mesmo dia, a corregedoria do órgão enviou um comunicado aos seus servidores ordenando que “se abstenham” de opiniões sobre assuntos institucionais em redes sociais.

Em nota divulgada nesta quarta-feira 5, a prefeitura de São Paulo afirmou ter realizado, por meio das câmeras de reconhecimento facial, a prisão de 23 pessoas, 10 em flagrante e 13 de foragidos da Justiça, entre 22 de fevereiro e 4 de março.

Salvador (BA) contabilizou a prisão de 42 foragidos, segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública na terça-feira 4. O número supera os 36 registrados no Carnaval passado. Em Belo Horizonte, que também utilizou a tecnologia pela primeira vez, a Polícia Militar anotou a prisão de 72 criminosos entre a sexta-feira 28 e a noite de terça.

A análise de Fernandes é que os números registrados pelas capitais a partir do uso da ferramenta são positivos. Segundo ele, contudo, é necessário que qualquer tecnologia ou estratégia de policiamento receba a devida atenção da sociedade. Já a infiltração de policiais em blocos carnavalescos, prossegue o especialista, é amparada por lei e pode ser eficiente, desde que seja razoável e proporcional e respeite os direitos humanos.


Casos de violência policial ainda são uma realidade

Um dos casos de violência policial que ganharam repercussão nas redes sociais aconteceu no Carnaval de Salvador, durante o bloco do grupo BaianaSystem. O vocalista Russo Passapusso chegou a interromper a apresentação ao ver que policiais militares agrediam foliões com golpes de cassetete. “Eu já sabia que eles iam entrar batendo. Ninguém estava passando nada, nada, nada. Já vi aqui de longe.”

O público vaiou os agentes e Passapusso pediu, ironicamente, que todos batessem palmas para os policiais como uma forma de constrangê-los.

No domingo 2, ao se manifestar sobre o caso, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), pediu que os artistas ajudassem a “não botar foliões contra a Polícia Militar”.

Em Porto Alegre, uma professora trans relatou ter sido agredida por policiais militares sem motivo, enquanto participava de um bloco. De acordo com foliões, a ação policial foi injustificada, e muitos relataram ter sido atacados sem razão aparente.

A Polícia Militar, por outro lado, afirmou que a professora estava envolvida em uma situação de desordem e que a ação foi uma resposta à resistência dela e de outros foliões. A corporação alegou que os participantes se recusaram a dispersar, o que teria levado à intervenção.

Pelo menos três casos de violência policial durante o Carnaval foram registrados em Minas Gerais. Em um deles, um grupo de foliões passou mal após ser atingido com spray de pimenta por policiais militares durante um bloco na Praça Antônio Carlos, em Juiz de Fora. Duas pessoas trans, organizadoras do bloco, chegaram a ser detidas e, posteriormente, liberadas.

A prefeitura de Juiz de Fora criticou a ação policial, classificando-a como “violência desproporcional” e afirmando que muitas pessoas procuraram serviços de saúde devido ao uso do gás de pimenta. Já a Polícia Militar afirmou ter agido diante da agressividade do grupo e alegou que o spray foi necessário para conter o tumulto.

Em Capinópolis, no Triângulo Mineiro, uma mulher foi atingida no rosto por uma bala de borracha após shows de Carnaval no sábado. A vítima afirmou ter sido surpreendida pela ação policial e disse que a bala foi disparada enquanto ela estava afastada de uma confusão. A mulher sofreu uma fratura no osso da mandíbula e pode passar por cirurgia.

Sobre o caso, a PM alegou que a intervenção foi necessária para dispersar um grupo que se formava e que representava uma ameaça à ordem pública. Respondeu também que a utilização da bala de borracha seguiu os protocolos e que a mulher foi atingida acidentalmente.

Para o conselheiro do Fórum de Segurança Pública, os casos de violência policial no Carnaval têm de passar por uma profunda apuração.

Ele defende que as investigações não fiquem a cargo somente das corregedorias das políciais envolvidas. São, de acordo com o conselheiro, órgãos importantes mas insuficientes e, diante disso, é fundamental a participação do Ministério Público e do Poder Judiciário — além de má conduta de agentes, há potenciais crimes, como lesão corporal.

Alan Fernandes avalia que, em geral, os policiais estão preparados para lidar com festas populares de grande aglomeração, mas o encaminhamento da ação depende da liderança das corporações: se a estratégia repassada privilegia o uso da força, ela será aplicada de maneira exarcebada.

Outro grande equívoco, segundo Fernandes, recai sobre os governantes que enxergam o uso excessivo da força policial como um instrumento de segurança pública. Trata-se de uma das principais plataformas eleitorais da extrema-direita brasileira.

“Quando um governante faz uma fala dessa, o policial na ponta da linha lê como uma autorização para cometer qualquer tipo de arbitrariedade. São grandes armadilhas, que trazem consequências muito fortes para a sociedade.”

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Last Update: 06/03/2025