Três fatos ocorridos nos últimos meses fornecem pistas sobre como anda a saúde nos Estados Unidos, país imperialista hegemônico. Em ordem cronológica, começaremos lembrando o assassinato de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, principal empresa de seguro médico do país com mais de 50 milhões de clientes. Ele foi alvejado por Luigi Mangione com vários tiros, em 4 de dezembro de 2024. A polícia encontrou três cartuxos de balas, com as palavras Deny, Defend e Depose. Deny é sobre negar (recusar) procedimentos. Defend se refere a defender a empresa judicialmente caso o cliente judicialize sua reivindicação e Depose está ligado a derrubar o cliente contando com a morosidade da justiça, pois a demora em um procedimento pode significar a morte do demandante,

Mangione, filho de uma família rica de Baltimore, foi preso rapidamente pela polícia. Ao contrário do que o senso comum indicaria, acabou por se transformar em uma espécie de ídolo em amplos segmentos da sociedade americana.

A mídia burguesa procurou retratá-lo como um radical político com uma missão terrorista anticapitalista. O curioso é que investigando suas postagens em várias redes sociais, ele não é nada disso. Tem posições radicalizadas contra a indústria de saúde, ao mesmo tempo em que tem postagens contraditórias sobre questões relacionadas a opressões, à inteligência artificial, ao aquecimento global e vários outros temas. Foi filiado ao Partido Republicano. Na realidade, pode ser melhor descrito como politicamente confuso e eclético, como boa parte da população.

O fato é que setores importantes do povo americano simpatizaram com a sua ação, o que pode ser comprovado pelas centenas de milhares de dólares arrecadados pela Internet para bancar os custos de sua defesa judicial, além dos debates acalorados nas redes sociais entre defensores e detratores de Mangione.

A base para tanta simpatia popular é bastante simples. A Unitedhealthcare é uma das campeãs em negar os pedidos de exames e procedimentos médicos de seus clientes (No Brasil é usado o termo “glosar”). Em 2023, 32% dos pedidos foram negados, o que obviamente trouxe consequências bastante graves aos clientes deste seguro de saúde. Alguns usuários acabam entrando na justiça contra estas negativas, mas mesmo sendo derrotada em alguns casos, compensa financeiramente muito para as empresas de seguro-saúde criarem estes obstáculos aos clientes, pois a empresa tem um batalhão de advogados a seu dispor, enquanto a maioria dos clientes não tem advogado, não tem condições de fazer este gasto e tem que se preocupar com sua sobrevivência.

A Unitedhealthcare é a maior empresa de seguros médicos dos EUA e está em 8º posição no ranking da Fortune 500 Global, logo abaixo da Apple que está em 7º, uma façanha para uma empresa criada há apenas 30 anos. A maioria das demais empresas do ramo tem o mesmo comportamento lesivo de negar procedimentos em massa aos clientes. Nos EUA não existe SUS, não existe cobertura universal de saúde. Portanto, a maioria dos americanos não tem para onde correr na questão de saúde, se não tiverem um seguro de saúde. Diga-se de passagem, as dívidas de saúde são a principal causa de falências pessoais nos EUA.

O fato de não ter um sistema universal e que se preocupe em não só tratar, mas também prevenir doenças, contribui para que a expectativa de vida da população americana seja menor do que a de outros países imperialistas. Enquanto a expectativa de vida no Japão é de 84,1 anos, na Austrália é de 83,2 anos e nos EUA é de apenas 77,5 anos. Estes dados mostram de maneira cabal que também na saúde a concepção liberal fracassou. O apoio a Mangione é uma expressão evidente de que boa parte da população desaprova o modelo de saúde executado no país. E estão furiosos com este modelo.

Este pano de fundo foi piorado com a vitória de Trump nas eleições e sua escolha de Robert Kennedy para o equivalente ao Ministério da Saúde de lá. Para se ter uma ideia, quando Kennedy foi passar na sabatina do Senado para ter seu nome aprovado, 77 prêmios Nobel lançaram um manifesto público contra sua nomeação. O motivo deste rechaço é que Kennedy é um conhecido divulgador do movimento antivacina há anos, com a difusão de ideias sem comprovação científica de que vacinas causam autismo. Só na questão da luta contra a vacina da Covid, Kennedy arrecadou 850 milhões de dólares para custear sua cruzada antivacina. Todos lembram desta batalha pela vacinação durante a pandemia, que se deu em vários países como Brasil e EUA. O futuro ministro da saúde americano foi contrário, um crime tendo em conta que os EUA foram o país com mais mortos pela Covid (1,2 milhão de mortos).

Kennedy também é conhecido por defender que o HIV não causa a AIDS e que o uso de antidepressivos é responsável pelos tiroteios nas escolas americanas. Em outras palavras, é um difusor de mentiras em uma área sensível como a saúde. Este semeador de fakenews controla um ministério com 80 mil funcionários e um orçamento de 1,7 trilhão de dólares. Basta imaginar que este ministro é o superior hierárquico do famoso CDC (Center for Disease Control and Prevention), órgão responsável pelo controle de doenças infecciosas nos EUA. Como alguém que nega o HIV pode ser o supervisor do CDC? Para piorar, o CDC possui laboratórios de ponta para a pesquisa de micro-organismos causadores de epidemias.

Afirmamos que a saúde pública dos EUA está ladeira abaixo porque o país gasta toneladas de dólares com a rubrica saúde (gastos públicos, gastos de empresas e gastos de famílias). Os gastos com saúde dos EUA são de 17,6% do PIB e, mesmo assim, o país está em 40º lugar no ranking de saúde global. Países mais pobres conseguem resultados melhores ou similares gastando muito menos.

Chegamos então ao terceiro elemento, trazido pelo novo mandato de Trump. Uma das primeiras medidas anunciadas foi a saída dos EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde), acusada de ser manipulada pela China. É mais uma teoria da conspiração tão ao gosto da extrema direita. O afastamento foi acompanhado pela promessa de corte total dos financiamentos americanos para a OMS e outros projetos internacionais relacionados à saúde de países pobres, promovidos pela agência USAID.

É importante pontuar que existe uma lei americana para estes casos de rompimentos com organismos internacionais. Esta lei só permite o corte de verbas um ano após o rompimento dos EUA com a organização internacional. Talvez por isso a pressa de Trump de anunciar logo o rompimento com a OMS.

A OMS é um braço da ONU, portanto, faz parte da ordem mundial imperialista. Com certeza será um passo importante da luta pela revolução e pelo socialismo destruir a ordem atual e construir uma nova, porém não é disso que tratamos neste texto. A questão atual é que vivemos uma etapa de destruição ambiental, aquecimento global e risco de pandemias elevado. A saída dos EUA da OMS só serve para potencializar os riscos sistêmicos em relação às pandemias. O isolacionismo americano, com o corte de verbas para a USAID vai afetar gravemente o tratamento do HIV na África, pois muitos países dependem da verba da USAID para distribuir a medicação anti-HIV. Este processo vai gerar mais mortes e mais indivíduos com carga viral alta, podendo facilitar a propagação mais rápida do vírus.

Uma situação similar se dá também na questão do clima, pois Trump anunciou a saída dos EUA do pacto do clima. Sua palavra de ordem em relação ao clima é “Vamos perfurar!”, abolindo todas as restrições à perfuração de petróleo em áreas com risco ecológico.

Ao somarmos o rechaço popular aos seguros de saúde privados, a posse de um inimigo da ciência no ministério da saúde e o rompimento dos EUA com a OMS, podemos chegar a duas conclusões: É preciso que o movimento dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos discutam rapidamente a necessidade de romper com a visão liberal de saúde nos EUA e passem a defender o equivalente ao SUS para seu país, baseado na universalidade, gratuidade, integralidade e que seja estatal. Também é fundamental exigir que o governo Trump reverta sua política isolacionista em relação à saúde e ao clima, pois o aquecimento global é uma realidade e o risco de nova pandemia num horizonte relativamente curto é facilitado pelo isolacionismo americano. A humanidade não pode pagar pelos descalabros da administração Trump-Musk em relação ao clima e à saúde.

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Last Update: 05/03/2025