Desfile de carnaval em Curitiba. Foto: Leonardo Henrique

Por Igor de Nadai*
Da Página do MST

Enfim, encerra-se mais um carnaval, uma das principais festas populares do país, presente em todas as partes do Brasil, no litoral, interior e capitais. Um período que inquestionavelmente modifica as sociabilidades do Brasil, muda a rotina de quem gosta e até mesmo de quem não gosta da festa, questiona, alegra e incomoda!

Neste ano, mais uma vez o MST participou da folia em muitos estados, em diferentes formatos de participação, seja eles em blocos carnavalescos, escolas de samba, em letras de samba enredo, desfiles no campo e na cidade, o que leva a alguns questionamentos: “Porque os Sem Terra reivindicam também a participação no carnaval?”

Festa de subversão

Bem, historicamente, um incômodo à ordem das elites conservadoras e higienistas do Brasil, se forjou uma festa de subversão da ordem cotidiana, uma “cultura da fresta”, como caracterizou o pesquisador Luis Antônio Simas, ambiente com distintas raízes e formatos, da produção do som sincopado, de contratempos à ordem moralista da burguesia brasileira. 

O carnaval, neste formato que conhecemos hoje, das escolas de samba, blocos e desfiles, se desenvolveu com mais intensidade neste espaço urbano a partir do início do século XX, desde um território da exclusão social e da privação da terra. Ou seja, um ambiente de fusão de culturas e costumes trazidos com os trabalhadores oriundos do interior, a maior parte descendentes de negros escravizados.

Escola de Samba Independentes de Boa Vista (ES), presta homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado, que retratou a realidade das inúmeras famílias Sem Terra, capturada pelas lentes de Salgado em 1997. Foto: Divulgação
Alegoria da Mocidade Alegre, Samba rural de Pirapora, bicampeã do carnaval de São Paulo em 2024. Foto: Divulgação 

Contudo, o samba no Brasil também tem sua origem no campo, atribuída ao Jongo e ao samba de roda, manifestação típica dos trabalhadores das fazendas de cana e café do interior, manifestado na alegoria do desfile da Mocidade Alegre, campeã do carnaval de São Paulo, onde homenagearam o samba rural de Bom Jesus de Pirapora, no interior paulista. 

Ou seja, se hoje entendemos esta festa como algo essencialmente urbano, centrado nas grandes capitais, especialmente Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, é em partes devido ao fato do trabalhador brasileiro, especialmente descendentes de negros escravizados, terem sido alienados de seus territórios, da terra e da cultura ali produzida, especialmente através da mercantilização das terras, oficializada através da Lei de Terras de 1850, lei que é a “mãe das favelas” no Brasil. 

Ao passo da agressão violenta da indústria cultural que soube bem mercantilizar a festa em lucro e na lógica do espetáculo, relegou às populações do campo a cultura do agronegócio, centrada em festas de rodeio, grandes shows de uma única batida uniforme, do “sertanejo universitário”, ou ainda ao local bucólico, do “descanso e sossego”. 

Cortejo de Carnaval no assentamento Zumbi dos Palmares, no município de São Mateus, no Espírito Santo. Foto: Arquivo MST

Assim, é na alienação e mercantilização da terra, que localizamos este estranhamento em perceber a presença dos sujeitos do campo e da luta pela Reforma Agrária nos diversos ambientes carnavalescos. Há um legado artístico e cultural imenso acumulado pelas escolas de samba e blocos carnavalescos de toda natureza, que apesar das contradições, resistem cotidianamente para permanecerem vivas ativas durante todo o ano, da qual nós nos inspiramos e a elas nos aliamos na defesa da cultura popular e de resistência. 

Mais de 25 militantes do MST participaram da construção e do desfile da Escola de Samba Leões da Mocidade em 2024, em Curitiba. Foto: Leonardo Henrique

Nesta sociedade de sociabilidade despedaçada, machucada pelas intolerâncias de todo tipo, viemos ao coração da cidade, para as ruas e barracões, defender a alegria e o direito de brincar, mas também de aprender com este imenso legado cultural das agremiações e sobretudo reatar este cordão umbilical entre campo e cidade, através da solidariedade, da defesa do direito à terra, da vida e da cultura popular. 

Para nós, não se faz Reforma Agrária Popular sem cultura popular, e não há cultura popular sem a presença de todos os sujeitos marginalizados, do campo e da cidade. Que o samba siga fazendo luta, e que a luta pela terra e cultura popular seja uma causa só.

Viva o carnaval e a cultura popular!

*Músico, integrante do Setor de Comunicação e Cultura e da direção do MST-PR

**Editado por Solange Engelmann

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Last Update: 04/03/2025