Trump introduziu na política externa americana o velho imperialismo de conquista territorial ao ameaçar anexar a Groenlândia, para depois explicar que seu interesse estava nas terras raras lá existentes, que são matérias primas da modernidade, empregues na fabricação de bens com tecnologia avançada. Logo depois afirmou que a Ucrânia deveria aceitar um acordo de paz com a Rússia e pagar sua dívida de guerra com os EUA de pelo menos 350 bilhões de dólares. Também nesse caso, passado (velho)  e presente (novo) se misturavam na ideia de que a Ucrânia cederia seus minerais tradicionais, mas também as modernas terras raras.

No caso da Groenlândia suas pretensões foram impedidas pela sólida barreira protecionista da UE, cuja a Lei de Matérias-Primas Críticas exige a produção doméstica desses minerais e metais críticos e sua importação para o continente. A Ucrânia, por sua vez, tem um enorme tesouro de terras raras (de apatita a zircônio), bem como reservas de lítio e titânio. No entanto, depois da incrível conversa televisionada de Trump e o vice-presidente dos EUA, em que Zelensky foi submetido a ofensas ultrajantes, ainda que merecidas,  dificilmente haverá espaço diplomático para alguma negociação.

Atualmente, Estados Unidos e Europa importam quase todos esses metais raros cruciais da China. No final de dezembro de 2024, em retaliação às sanções e tarifas mais rígidas dos EUA sobre o setor de tecnologia chinês, o governo chinês proibiu a exportação para os Estados Unidos de antimônio, gálio e germânio, bem como materiais superduros (material com dureza superior a 40 gigapascals ou GPa).

O novo governo americano adotou duas estratégias de enfrentamento das guerras em que os EUA estavam envolvidos de forma extremamente avançada, na medida que apontam para o futuro. Em Gaza foi implementado um acordo em que aponta para um fim do genocídio, a retirada das tropas de ocupação e a reconstrução do país. Em reuniões iniciais, avança também a  perspectiva do fim da guerra na Ucrânia, na medida que os Estados Unidos abandonaram os próprios fundamentos que levaram à guerra, aparentemente aceitando as reivindicações russas quanto a Donbass e Criméia, a não entrada da Ucrânia na OTAN e o fim das sanções contra a Rússia.

Mas há contradições na atitude de Trump, que não esconde sua vontade de estabelecer uma “pax americana” quando fala em apenas  cessar fogo na Ucrânia e inventa uma idéia terrível sobre o futuro de Gaza, que sofreria uma limpeza étnica gigantesca e a construção de  resorts e hotéis na região, transformando Gaza em um balneário para milionários.

Outro aspecto “antigo” da estratégia de Trump seria conseguir adotar uma política de “Kissinger Reverso”, ou seja se aliar a Rússia para separá-la da China fazendo da negociação sobre a paz na Ucrânia um instrumento dos desígnios coloniais de Trump. Trata-se de mais uma fantasia trumpista, na medida em que a Rússia fez uma parceria estratégica com a China que não terá como negá-la, na medida em que se estabeleceu uma forte dependência econômica em relação à China.

Além disso, a China é um parceiro que está na vanguarda tecnológica mundial, ao contrário dos EUA, que está perdendo seu lugar na nova “corrida espacial” internacional.

Recentemente a China desenvolveu o  dispositivo de fusão nuclear Experimental Advanced Superconducting Tokamak (EAST), que “produziu um plasma de alto confinamento em estado estacionário por 1.066 segundos, quebrando o recorde anterior de 2023 do EAST de 403 segundos”, segundo a revista Physics World. Este desenvolvimento é um grande avanço em termos de  uma usina de fusão, uma promessa de energia limpa quase ilimitada e nenhum resíduo radioativo significativo.

Já o governo Trump, longe de preservar o status quo, como convém a um governo “conservador”, busca remodelar o futuro para refletir um passado idealizado. Essa forma peculiar de “progresso” enxerta tecnologias de ponta de vigilância, controle de informações e assassinato em massa, juntamente com fortes doses de tecno-otimismo, em um etno-nacionalismo cristão nostálgico.

Como estamos aprendendo rapidamente, os resultados desse futurismo reacionário são, na melhor das hipóteses, caóticos. O primeiro ato de reestruturação radical de Trump foi ordenar vários cortes orçamentários, muitos deles provavelmente ilegais. Em 28 de janeiro, 2,3 milhões de funcionários federais receberam um e-mail com o assunto “Fork in the Road” oferecendo oito meses de salário e benefícios em troca de sua demissão imediata.

A motoserra trumpista age rapidamente  começando por conceder à força-tarefa de Musk acesso a “dados confidenciais do Tesouro, incluindo sistemas de pagamento para clientes da Previdência Social e do Medicare”. Em 7 de fevereiro, milhares de funcionários da USAID, uma agência claramente voltada para ações encobertas e revoluções coloridas começaram a tirar férias forçadas. O seu desmantelamento está divulgando verdades incríveis, como já analisamos em artigo anterior no DCO.

Estão na mira de Trump e Musk os departamentos de Educação e Agricultura, bem como a Food and Drug Administration e a Agência de Proteção Ambiental. A meta é reduzir a folha de pagamento federal em 75%.

Musk anuncia que vai incentivar a inovação, mas os acionistas do Twitter já  sabem que  a ousadia de Musk não impulsiona a empresa para  um futuro capitalista brilhante, mas a devolvem a um passado não lucrativo.

O próprio slogan “Make America Great Again”, com sua palavra final reveladora, novamente, sugere que chegar à utopia futura exigirá uma reversão do progresso.  Os apoiadores de Trump incluem autodenominados “tecno-otimistas” como Marc Andriessen, que preveem que “nossos descendentes viverão nas estrelas”. A mais recente inovação da indústria, a inteligência artificial, consome água e eletricidade da mesma forma que um Ford F-150 consome combustível.

Como seus antecessores no século XX, a extrema-direita de hoje anseia pelas supostas glórias do mundo antigo enquanto fetichiza a tecnologia moderna. Uma das figuras favoritas dos protofascistas da era de Weimar foi a do engenheiro que supostamente infundiu em suas proezas técnicas uma autenticidade “germânica” que datava da Idade Média. A promoção do empreendedorismo tecnológico na cultura americana desde cerca de 2000 segue um padrão semelhante.  As crianças são incentivadas a priorizar os campos STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) sobre as artes e humanidades “inúteis”, enquanto magnatas da tecnologia como Musk e o falecido Steve Jobs são reverenciados com um fervor quase religioso.

O  que os amigos de Trump na indústria de tecnologia aspiram não é apenas moralmente desprezível, mas intelectualmente desonesto. Seus esforços para recuar não nos ajudarão a recuperar a grandeza da antiguidade, embora devamos esperar um imperialismo mais atávico ao longo das linhas de “anexar o Canadá”. Com o prometido “desmantelamento do Estado administrativo”, estamos testemunhando um retorno para uma era anterior à metanarrativa do progresso linear, para um arcaísmo cíclico e abstrato em que tudo muda mas se mantém.

China is great ever

Enquanto o governo Trump imagina combinar passado e futuro, na China  os avanços obtidos hoje são o resultado de um planejamento de longo prazo do governo chinês, liderado pelo Partido Comunista. Desde a era da reforma de 1978, a China tem sido cautelosa em permitir a entrada de capital e indústrias estrangeiras no país eu não beneficiem a economia chinesa.

Esse benefício vem na forma de transferência de tecnologia e ciência em troca de acesso ao mercado, um acordo que as empresas do Norte Global, famintas por uma força de trabalho de alta qualidade e baixos salários, aceitaram.

O governo chinês financiou seus sistemas de ensino superior, ofereceu incentivos para a inovação privada e usou as exportações excedentes para construir infraestrutura. Os avanços planejados permitiram que o setor industrial da China melhorasse suas forças produtivas e não dependesse apenas da produção intensiva em mão-de-obra ou da produção usando tecnologias antigas.

Quando o presidente Xi Jinping usou o termo “novas forças produtivas de qualidade” durante uma visita à província de Heilong Jiang em setembro de 2023, essa ideia já havia se manifestado em novas fábricas em toda a China (ou seja, fábricas “escuras” ou totalmente automatizadas).

A terceira sessão plenária em julho de 2024 aprofundou o conceito ao focar na promoção de “avanços tecnológicos revolucionários, alocação inovadora de forças produtivas e profunda transformação industrial e modernização das indústrias”.

O Australian Strategic Policy Institute, estabelecido pelo governo australiano em 2001 e financiado em parte pelo Exército Australiano, desenvolveu um sistema de rastreamento de tecnologia crítica que mantém um registro detalhado de sessenta e quatro tecnologias críticas. Seu último relatório, de agosto de 2024, oferece uma avaliação de vinte e um anos dos países que lideram o desenvolvimento de tecnologias críticas.

Entre 2003 e 2007, os Estados Unidos foram líderes em sessenta das sessenta e quatro tecnologias, enquanto a China foi líder em apenas três delas. No entanto, entre 2019 e 2023, os Estados Unidos foram líderes em apenas sete das sessenta e quatro tecnologias, enquanto a China foi líder em cinquenta e sete das sessenta e quatro.

A China é líder em áreas tão diversas quanto o projeto e fabricação de circuitos integrados avançados (fabricação de chips semicondutores), sensores gravitacionais, computação de alto desempenho, sensores quânticos e tecnologia de lançamento espacial.

Os Estados Unidos são líderes em relógios atômicos, engenharia genética, medicina nuclear e radioterapia, computação quântica, pequenos satélites, vacinas e contramedidas médicas. O relatório observa que “os enormes investimentos da China e décadas de planejamento estratégico estão valendo a pena”.

O compromisso com a inovação se espalhou por toda a sociedade chinesa. Na Nova Área de Lingang, em Xangai, o governo local articulou políticas para criar uma zona industrial com capacidade de computação de alto nível que acelera a inovação industrial por meio das novas forças produtivas de qualidade que foram criadas.

Enquanto isso, o governo Trump anunciou cortes profundos no financiamento científico nos Estados Unidos, junto com sua ideia de economizar recursos do Estado.  Durante a pandemia, a palavra de ordem em países aliados dos EUA, como a Índia, era “colaboração, não confronto”. Seria muito melhor se os Estados Unidos decidissem colaborar com a China para o bem-estar do planeta, em vez de tentar forçar o país a reverter seu desenvolvimento.

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Last Update: 04/03/2025