Em 25 de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, propôs aos Estados Unidos uma cooperação visando a exploração de metais de terras raras, incluindo recursos localizados em territórios ucranianos, que está agora sob controle de Moscou. No momento, a Rússia controla aproximadamente 20% do território ucraniano, incluindo áreas no Leste e Sul do país. As áreas sob ocupação russa compreendem, total ou parcialmente, as regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia, além da Crimeia, que foi ocupada em 2014. Essas áreas são conhecidas por abrigarem grandes quantidades de recursos minerais, especialmente os minerais críticos, isto é, aqueles essenciais para o desenvolvimento econômico e tecnológico e cuja oferta está sujeita a riscos (escassez, instabilidade geopolítica, guerras, etc.).

Na fala mencionada, Putin destacou que a Rússia possui reservas desses minerais em quantidade significativamente superior à da Ucrânia e manifestou a possibilidade de realizar parcerias para exploração com entidades governamentais e empresas norte-americanas. A Rússia detém a quarta maior reserva mundial de terras raras no mundo, com cerca de 12 milhões de toneladas, atrás de China (44 milhões), Brasil (22 milhões) e Vietnã (22 milhões). O presidente da Rússia sugeriu também a colaboração na produção de alumínio, na qual a Rússia ocupa a terceira posição mundial (atrás de China, que domina amplamente a produção no setor, e Índia). Segundo Putin, as empresas russas teriam capacidade para fornecer aos EUA até 2 milhões de toneladas ao ano de alumínio, se as restrições comerciais forem removidas (a Rússia sofre milhares de sanções econômicas do bloco ocidental).

A oferta do presidente da Rússia abrange alguns objetivos econômicos e geopolíticos:

  1. Reforçar as Relações Bilaterais com os EUA: aumentar a cooperação econômica direta com a maior economia do planeta é sempre muito importante. A Rússia sofre sanções econômicas internacionais desde 2014, quando anexou a Crimeia, 11 anos atrás. As sanções vêm de muitos países, a começar por Estados Unidos, de membros da União Europeia, Canadá e Japão, afetando setores como finanças, energia e defesa. Em 24 de fevereiro último, para marcar os três anos de início da guerra, a União Europeia adotou o 16º pacote de sanções contra a Rússia. Mesmo tendo a Rússia conseguido até aqui superar esse monstruoso bloqueio – cresceu cerca de 4,1% nos últimos três anos, ante 1,3% de crescimento no mesmo período para a União Europeia (EU) – estreitar os laços com Washington seria um alívio muito importante;
  2. Legitimação das Anexações Territoriais: ao incluir as regiões anexadas na oferta de cooperação, Putin busca reforçar a soberania russa sobre esses territórios do ponto de vista internacional. Se os americanos forem atraídos pela possibilidade de obter acesso às terras raras, diretamente através dos vencedores da guerra, aumenta a legitimidade da Rússia na ocupação dos territórios conquistados;
  3. Diversificação de Alternativas Econômicas: historicamente, a Rússia tem mantido relações econômicas estreitas com a China, especialmente no setor de recursos naturais. Essas relações foram intensificadas a partir do bloqueio econômico que a Rússia vem sofrendo. Ao abrir possibilidades de cooperação com os EUA na exploração de minerais estratégicos e terras raras, o governo russo busca diversificar parcerias econômicas, reforçando sua economia, em um contexto internacional cada vez mais conflituoso, que aponta para uma Terceira Guerra Mundial. A estratégia é relativamente clara: reforçar laços com a maior economia do mundo, legitimar conquistas territoriais da guerra e aumentar diversificação de parcerias econômicas no mundo.

Com a aproximação com a Rússia, Trump pretende, primeiramente, reduzir a dependência dos Estados Unidos, de metais raros, atualmente supridos pela China. Os números são autoexplicativos: a China fornece 80% dos metais raros que os EUA consomem. Só para variar, a China é uma potência nessa área, produzindo quase 70% dos minerais de terras raras do mundo e detendo 85% da capacidade global de processamento desses materiais. Não basta ter sido agraciado pela natureza com a existência dos metais raros e estratégicos, é preciso saber explorá-los. ​Desde a década de 1970, a China desenvolve tecnologias avançadas para a exploração e processamento de metais de terras raras, se firmando como o maior produtor mundial desses minerais. ​

O país também tomou medidas de política econômica para se garantir. Por exemplo, em 2023 o governo proibiu a exportação de tecnologias de processamento de terras raras, assim como exportação de metais como gálio e germânio, fundamentais para a fabricação de semicondutores, baterias e tecnologias militares. Portanto, com a aproximação com a Rússia, os EUA pretendem também reduzir sua total dependência da China nessa área.

A estratégia de Putin foi reforçada pelos acontecimentos recentes, principalmente a inusitada humilhação pública que Trump impôs à Zelensky, que contou com audiência mundial, e que inviabilizou, pelo menos por ora, o acordo sobre terras raras em EUA e Ucrânia. No entanto, a aproximação de Donald Trump com a Rússia traz outra dimensão, também muito importante, que é enfraquecer a parceria, cada vez mais robusta, entre Rússia e China. Essa proximidade se reforçou muito nos últimos anos, especialmente a partir do início da guerra na Ucrânia. Vale observar que essa orientação diplomática dos EUA não é nova: o governo Richard Nixon, procurou explorar as contradições entre Rússia (União Soviética) e China, fazendo a chamada diplomacia triangular no período da guerra fria, a qual visava enfraquecer o chamado bloco comunista, fortalecendo assim os EUA.

Essa estratégia norte-americana enfrenta grandes desafios. A parceria entre Rússia e China parece ser bastante sólida e diversificada. ​Os dois países têm projetos comuns em economia e comércio, investimentos, energia, agricultura, ciências e tecnologia, cultura e educação e política internacional. Muito importante também é a parceria na área militar. Apesar dos dois países não possuírem um acordo militar formal, eles mantêm uma colaboração estratégica abrangente, com cooperação militar crescente, inclusive com realizações regulares de exercícios militares conjuntos. Em 2022, os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping assinaram um acordo de parceria “sem limites”, através do qual se comprometeram a aprofundar a cooperação estratégica e a parceria abrangente para uma nova era. Essa colaboração abrangente, que parte de uma estratégia conjunta para fortalecer a influência global dos dois países, dificilmente será prejudicada pelo eventual fim do bloqueio econômico dos EUA à Rússia, ou por um crescimento das relações comerciais entre esses dois países.

A vitória russa na guerra da Ucrânia tende a ser desfechada nos próximos dias ou meses, apesar do interesse da Europa de manter o conflito. A Rússia já vinha ganhando a guerra, mesmo contra toda a Otan. Sem a ajuda financeira e militar dos EUA, será muito mais difícil. Segundo os dados disponíveis, desde o início do conflito, os EUA forneceram à Ucrânia cerca de US$ 175 bilhões, dos quais US$ 120 bilhões foram destinados diretamente ao país, com assistência militar, suporte orçamentário e outros. Além disso, a Ucrânia tem dependência total dos EUA em equipamentos e tecnologia. Sem os radares, armamentos e veículos militares, o país não poderia nem ter entrado na guerra. Com a retirada do apoio dos EUA, se reduz muito a capacidade de defesa do país. Por outro lado, a capacidade da UE de suprir a falta de apoio dos EUA, é limitada.

Com o desfecho mais provável da guerra, o maior derrotado seria obviamente a Ucrânia que, além de perder cerca de 20% do território, perdeu milhares de soldados, e outros milhares ficaram deficientes para levar uma vida normal e para o trabalho. Outro grande perdedor será a UE, que ingressou em uma guerra que só interessava aos EUA, tendo mergulhado em uma brutal crise econômica, que compromete dramaticamente o futuro dos países participantes do bloco.

Outro grande perdedor são os EUA. Realizaram uma guerra por procuração, como é do seu feitio, causando grandes perdas para países europeus aliados, enfraquecendo sua posição como país garantidor de segurança e estabilidade mundiais. A derrota na Ucrânia vem numa esteira de fracassos bélicos, que inclui os casos recentes do Iraque (2011) e da Guerra do Afeganistão (2001–2021). A vitória da Rússia é o mais provável, porém o cenário ainda é bastante nebuloso. ​A julgar pelas recentes declarações de Emmanuel Macron, sobre estender seu arsenal nuclear como um “escudo” para proteger a Europa contra a Rússia, não se pode subestimar o risco de a guerra escalar.

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Last Update: 04/03/2025