Walter Salles, diretor de “Ainda Estou Aqui”. Foto: Daniel Cole/Reuters

Por Leonardo Sakamoto, publicado no UOL

Como era de se esperar, a vitória de “Ainda Estou Aqui” como Melhor Filme Internacional fez a alegria dos dentistas devido ao ranger de dentes entre fãs da ditadura e golpistas que torciam contra o filme de Walter Salles. Enquanto boa parte do Brasil celebrava, recibos eram passados à exaustão na lojinha do X na madrugada desta segunda (3).

Não me entendam mal, ninguém é obrigado a gostar do filme, do diretor, dos atores, do roteiro, de cinema, da vida. A questão é a razão pela qual “Ainda Estou Aqui” atrai tanto ódio na extrema direita.

Não dei o nome dos santos, só trouxe alguns dos milagres: “O preço da picanha vai cair depois dessa bosta de prêmio?”; “Lula não dá sorte, ele dá dinheiro, Oscar comprado”; “O filme é estrelado por uma atriz comunista e Hollywood é um antro desse tipo de gente”; “Fernanda Torres só conseguiu chegar aonde chegou por ajuda da mamãe”; “Esquerdista comemorando premiação de diretor multimilionário herdeiro de banco”; “Agora, os problemas do Brasil acabaram né? Esse prêmio foi comprado pelo governo para desviar o que realmente importa”; “Oscar lixo premiou um filme lixo cheio de mentiras para ajudar o Lula”, e por aí vai.

Todo esse rancor mostra por que o filme é tão importante, não só para o Brasil como para o mundo.

A repercussão nas redes sociais dos Oscar atropelou todos os outros assuntos, inclusive o Carnaval e postagens tratando sobre um pedido de investigação sobre Eduardo Bolsonaro. Foi clima de final de Copa do Mundo.

Sucesso de público no país, ele reconta um período de censura, violência, arbitrariedades e assassinatos diluindo a política no drama familiar. Dessa forma, traz sutilmente a questão da ditadura para os espectadores, sendo, por isso, mais eficaz em espalhar a mensagem do que um filme engajado.

Por ser didático e focar na família, não ficou restrito à bolha atingiu, inclusive, conservadores. E, o mais importante: muitos jovens que parecem ignorar que a democracia que herdaram custou o suor, o sangue, a tortura e a saudade de muita gente.

Mas a profunda interpretação de Eunice Paiva por Fernanda Torres também conta uma história universal ao mostrar as consequências na vida das famílias que se tornam alvos da violência de regimes ditatoriais. Com a ascensão de governos autoritários, a história escrita por Marcelo Rubens Paiva e adaptada para as telas por Walter Salles é local e global ao mesmo tempo. E isso pegou nos eleitores da academia e no público, que vem lotando salas de cinema mundo afora.

Fernanda Torres interpreta Eunice Paiva em “Ainda Estou Aqui”. Foto: Divulgação

Não à toa, em seu discurso de agradecimento, Walter Salles dedicou o prêmio a Eunice, afirmando “que durante uma perda sofrida em um regime autoritário, decidiu não se curvar e resistir”. Sob os indícios de ameaça para a sua democracia, muitos norte-americanos entendem a importância de história de resistência como essa.

A espectacular vitória do filme não é apenas a consagração de excepcionais interpretações em um baita filme baseado num livro para o qual faltam adjetivos. A luta de Eunice Paiva após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser detido e morto pela ditadura que mandou no Brasil entre 1964 e 1985 é um lembrete ao mundo do que acontece à vida cotidiana quando golpes de Estado têm sucesso. E que, por isso, não podem ser esquecidos, perdoados, anistiados.

Golpes perdoados semeiam outros golpes no futuro. A anistia brasileira a torturadores, assassinos, golpistas e ditadores ajudou a engravidar o país de um extremismo que fez nova tentativa entre outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, também com a participação de generais, além de civis. Que a merecida premiação lembre que esquecer não é uma possibilidade. Anistiar, muito menos.

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Last Update: 03/03/2025