Eunice Paiva, acompanhada do filho Marcelo Rubens Paiva, recebe certidão de óbito do marido, em 1996. Foto: Divulgação

Um relatório confidencial de 17 de julho de 1979, enviado ao então ministro da Justiça, revelou o monitoramento da ditadura militar sobre Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva. O documento detalha uma palestra realizada por ela em 13 de maio daquele ano, em Londrina (PR), diante de cerca de 150 pessoas, onde ela cobrava respostas sobre o desaparecimento do marido e criticava a impunidade dos envolvidos. Com informações da Folha de S.Paulo.

A vigilância sobre Eunice era intensa. Antes mesmo da palestra, em 12 de junho, o Serviço Nacional de Informações (SNI) já havia registrado o evento. Durante o discurso, a viúva expôs sua descrença na versão oficial do Exército de que Rubens Paiva teria sido sequestrado por terroristas e revelou uma promessa do então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, de que o marido estava vivo e seria libertado.

Posteriormente, Buzaid negou qualquer contato com Eunice e reforçou a tese da fuga. Cerca de 150 documentos existentes no Arquivo Nacional e na Embaixada dos Estados Unidos ajudam a reconstruir a trajetória do caso desde o desaparecimento de Rubens Paiva.

O material inclui registros inéditos que não foram abordados no filme “Ainda Estou Aqui”, indicado ao Oscar, e nem no livro de Marcelo Rubens Paiva, que inspirou a produção cinematográfica.

Eunice e sua filha, Eliana, foram presas em 21 de janeiro de 1971, quando Rubens ainda estava vivo. Eliana, então com 15 anos, foi solta no dia seguinte, mas Eunice permaneceu detida até 2 de fevereiro. Assim começou sua incansável busca por respostas, que se arrastaria por décadas.

Agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) identificam Eunice Paiva e outros participantes de ato pela anistia no dia 23 de julho de 1979. Foto: Reprodução

Enquanto Eunice levou seis meses para obter a confirmação da morte do marido, um memorando da embaixada dos EUA já registrava a informação 22 dias após o sequestro. O documento afirmava que “Paiva morreu sob interrogatório por ataque cardíaco ou outras causas” e classificava o caso como um exemplo da “irresponsabilidade das forças de segurança do Brasil”.

Relatos da época também expuseram os maus-tratos sofridos por Eunice durante a prisão. Segundo um informante da embaixada americana, ela foi interrogada dia e noite, viu instrumentos de tortura e ouviu gritos de prisioneiros. Além disso, ficou dias sem trocar de roupa e dormiu em um colchonete de palha.

Eunice Paiva não se calou. Em fevereiro de 1971, escreveu ao ministro Alfredo Buzaid e, um mês depois, apelou diretamente ao presidente Emílio Garrastazu Médici, denunciando as arbitrariedades sofridas por sua família. Apesar das tentativas, o caso foi arquivado em agosto do mesmo ano, com o governo militar reafirmando a narrativa da fuga.

Nos anos seguintes, Eunice continuou sendo monitorada pelos militares. Em 1981, foi fichada por sua filiação ao PT em um ato que contou com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva. Já em 1983, ao tentar vender um imóvel, o banco exigiu uma procuração do marido, levando-a a questionar a Justiça e a impulsionar a reabertura do caso.

Com a posse de Fernando Henrique Cardoso em 1995, Eunice intensificou sua luta pelo reconhecimento das vítimas da repressão. Foi nomeada para a Comissão Especial de Desaparecidos Políticos e contribuiu com pareceres fundamentais para a indenização de familiares de vítimas.

Seu trabalho foi reconhecido no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, em 2014. Naquele ano, já em estágio avançado de Alzheimer, Eunice reagiu emocionada ao ver uma reportagem sobre Rubens Paiva, repetindo “olha, olha, olha” e “tadinho, tadinho, tadinho”.

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Last Update: 02/03/2025