O mito da ‘censura do bem’

O jornalista Marcelo Zero, em seu artigo publicado no Brasil 247, intitulado O mito da censura salvadora, busca justificar os ataques à liberdade de expressão nas redes sociais perpetrados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, usando como base exemplos de restrições à liberdade nos Estados Unidos.

Zero começa apontando que a liberdade de expressão nos EUA não seria absoluta, citando casos como difamação, incitação à violência e o famigerado Patriot Act, que restringiram direitos após o 11 de setembro. O que o autor escamoteia é que, nos EUA, as restrições mencionadas surgiram não como um ataque isolado de juízes ou uma conspiração da extrema direita, mas como parte de uma ofensiva do imperialismo contra a população norte-americana e mundial. O Patriot Act, por exemplo, foi uma ferramenta jurídica criada para dar aparência legal a um brutal ataque aos direitos democráticos dos norte-americanos.

Zero, porém, prefere concentrar-se em uma tese alarmista, de que a aliança entre Trump e os monopólios de tecnologia seria um “poderosíssimo instrumento” que ameaça “democracias” e soberanias nacionais. Musk e Zuckerberg seriam vilões do que chama de “tecnofeudalismo” (um conceito da moda da esquerda pequeno-burguesa encastelada nas universidades), mas não explica como o controle das redes por esses magnatas supera a dominação histórica dos monopólios de imprensa tradicionais, controlados com mão de ferro pelo imperialismo.

O que chama atenção no texto de Zero é seu pavor diante do potencial desestabilizador da extrema direita americana para a “democracia” — leia-se, o regime político imperialista, que ele parece confundir com um ideal democrático genuíno. Essa postura revela sua verdadeira posição: alinhar a esquerda como massa de manobra da ala mais poderosa da direita na disputa entre dois setores da burguesia. De um lado, a burguesia imperialista, mais poderosa e concentrada, que detém os monopólios globais. De outro, a burguesia doméstica, mais numerosa, porém mais frágil, que depende da liberdade de expressão para enfrentar os gigantes da comunicação e sobreviver ao canibalismo econômico empreendido pelos monopólios.

É da fragilidade dessa burguesia doméstica (tanto nos EUA quanto no Brasil e no resto do planeta) que nasce a defesa da liberdade de expressão. Esse setor da burguesia precisa de um canal de comunicação para reagir aos monopólios internacionais, que, por sua vez, apoiam a censura para manter sua ditadura e porque sabem que sua política é tão horrível que qualquer agitação pode abalar o controle dos regimes políticos. É nessa disputa que aparece um Alexandre de Moraes.

Não um herói da “soberania nacional”, como Zero sugere, mas um peão do imperialismo. Suas ações contra as redes sociais, como o bloqueio de plataformas e a perseguição implacável a opositores do imperialismo, atendem aos interesses do setor mais poderoso da burguesia mundial — o mesmo que apoiou o ex-presidente George W. Bush com sua criminosa “guerra ao terror” e, também, na repressão à liberdade dentro dos EUA com leis como o Patriot Act, e hoje apoia Moraes. Zero coloca-se do lado desse projeto que não visa fortalecer nenhuma democracia, mas um Estado de terror.

Zero tenta, por fim, defender a ideia de uma censura salvadora, que protegeria a “democracia” de propagandas de ódio e desinformação. Não existe, porém, “censura do bem”. A censura é uma arma dos poderosos para desorganizar os oprimidos, ponto final.

Nos EUA, as restrições à imprensa pós-11 de setembro não protegeram a democracia; fortaleceram o controle estatal e silenciaram vozes críticas. No Brasil, as ações de Moraes não combatem o fascismo; elas abrem caminho para um controle monopolista das narrativas, beneficiando os setores mais reacionários da burguesia global.

A ironia é que Zero, ao falar à esquerda, mascara sua defesa do imperialismo com uma retórica progressista. Ele alerta contra a extrema direita de Trump e Musk, mas ignora que a censura defendida por Moraes atinge de maneira mais dura os trabalhadores, estudantes e os movimentos sociais — os primeiros a sofrerem quando a liberdade é cerceada. O fato de a extrema direita, como os bolsonaristas ou o MAGA, defender a liberdade de expressão neste momento não deve confundir a esquerda. Essa posição deles é conjuntural, nascida da necessidade de enfrentar os monopólios que os esmagam. A esquerda, representando os mais pobres e explorados, deve defender os direitos democráticos sempre, não por conveniência, mas por princípio.

A disputa entre Moraes e as redes sociais não é um embate entre soberania e desordem, como Zero quer fazer crer. É uma guerra entre frações da burguesia, com o imperialismo usando o STF para sufocar a burguesia doméstica e consolidar seu domínio. A esquerda que segue as orientações de Zero corre o risco de se tornar cúmplice desse projeto, ajudando a desarmar os trabalhadores diante de um inimigo muito mais perigoso que Bolsonaro ou Trump: o capital monopolista global.

A liberdade de expressão é uma conquista histórica da esquerda e das vanguardas populares. Abandoná-la sob o pretexto falso de combater a extrema direita é, em primeiro lugar, entregar a defesa dos direitos para os bolsonaristas e dos trumpistas, o que por sinal, estão fazendo muito bem.

Além disso, é o mesmo que entregar nas mãos do imperialismo a chave para esmagar qualquer resistência aos piores crimes cometidos ditadura mundial. Se a política de censura vencer, os trabalhadores e estudantes serão os mais atingidos.

Na ânsia por atacar um oponente mais barulhento, Zero está limpando a barra de um inimigo mais silencioso, capaz de muito absurdo e mortal. A posição do autor serve apenas aos interesses dos monopólios. A esquerda precisa rejeitar esse mito da censura ‘do bem’ e lutar para que a opinião dos oprimidos não seja sufocada — nem por Moraes, nem por Musk, nem por ninguém.

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