Nesta sexta-feira (28), o Partido da Causa Operária (PCO) publicou uma nota oficial sobre o processo da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Intitulada Indiciamento de Bolsonaro: métodos fascistas para ‘combater o fascismo’, a nota deixa claro qual a posição do partido trotskista acerca do processo, afirmando que se trata da “culminação de mais de uma década de uso, por parte da burguesia imperialista, do sistema policial-judicial para perseguir sistematicamente determinadas pessoas e manipular o regime político”.

Após uma detalhada explicação do porquê o processo contra Bolsonaro representa uma perseguição política, o PCO afirma que não “fará parte dessa ‘defesa da democracia’”“Essa política fará mais pelo fascismo do que qualquer coisa que Bolsonaro possa fazer”, diz o texto.

Confira, abaixo, a nota oficial na íntegra:

Indiciamento de Bolsonaro: métodos fascistas para ‘combater o fascismo’

Na última terça-feira, a Procuradoria-Geral da República anunciou que estava pedindo a condenação de Jair Bolsonaro e mais 36 aliados deste por crime de golpe de Estado. A pena pode chegar, no caso de Bolsonaro, por exemplo, a até 38 anos de prisão.

Esse indiciamento é a culminação de mais de uma década de uso, por parte da burguesia imperialista, do sistema policial-judicial para perseguir sistematicamente determinadas pessoas e manipular o regime político.

Estes abusos judiciais foram feitos em nome da “luta contra a corrupção”, no caso do Julgamento do “mensalão” e da Operação Lava-Jato, e da “defesa da democracia”, no caso presente. A hipocrisia, tanto da extrema direita (que apoiou a perseguição no Mensalão e a prisão de Lula), quanto da esquerda pequeno-burguesa, que decidem apoiar esse atropelo da lei quando convém aos seus objetivos imediatos, serve apenas para esconder esse fato.

Alexandre de Moraes está, apenas, elevando à enésima potência a obra de Sérgio Moro e de Joaquim Barbosa. Explicamos: os indiciados de extrema direita são acusados, entre outras coisas, de Golpe de Estado, crime criado na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, versão recauchutada da lei de Segurança Nacional criada na ditadura.

Um olhar mais próximo mostrará o modus operandi lavajatista na acusação. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, como no manual de Moro, Bolsonaro e seus acólitos estão sendo julgados diretamente no STF, sendo que a maioria deles não possui foro privilegiado. A decisão de forçar o julgamento num foro ilegal serve para garantir que o juiz (ou juízes) sejam aqueles que darão um determinado veredito, independentemente de defesa. São colocados sob o poder dos seus perseguidores como o são os juízes militantes.

Mais especificamente, os bolsonaristas serão julgados não pelo plenário do STF, mas apenas pelos cinco juízes da Primeira Turma. O plenário do STF é inconveniente porque conta com dois juízes indicados pelo próprio Jair Bolsonaro, que, se supõe, não vão simplesmente dizer amém a tudo o que Alexandre de Moraes se propõe a fazer.

Em segundo lugar, concentraram na figura de Alexandre de Moraes o papel de polícia, promotor e juiz. Como visto nas revelações de Glenn Greenwald sobre o TSE, Alexandre de Moraes fazia ele mesmo a denúncia, para ele mesmo investigar, depois orientava a promotoria a pedir aquilo que ele queria e, então, julgava. Numa certa medida, Moraes é mais audacioso que Moro, que pelo menos usou o procurador Deltan Dalagnol para isso.

Terceiro ponto, todos os casos relevantes relacionados aos bolsonaristas estão sendo “julgados” (se é que podemos classificar essa monstruosidade como um julgamento) por Moraes, para que a perseguição possa ser sistemática, centralizada e eficiente, garantindo que ninguém que já não esteja alinhado com essa política possa interferir. Com Lula, foi feito o mesmo, Sérgio Moro julgava todos na Operação Lava Jato e havia um juiz específico no STF, Edson Fachin, alinhado com a perseguição judicial. O natural é que cada investigado seja julgado no foro competente, definido segundo a lei, não de acordo com o juiz mais favorável à condenação, regra criada justamente para evitar o que vem acontecendo nessas operações jurídico-políticas, ou seja, que o juiz seja ele mesmo parte interessada.

Os réus do processo do “mensalão” deveriam ter sido julgados em vara criminal de primeira instância, Lula deveria ter sido julgado em uma vara de São Paulo, não no Paraná, Bolsonaro não deveria ser julgado diretamente no STF, afinal, não possui o foro privilegiado.

Estes julgamentos ao arrepio da lei servem também para criar o espetáculo propagandístico útil para uma imprensa assalariada para este propósito, como ocorreu em todos os casos. Os réus foram condenados pela imprensa capitalista antes da sentença da corte.

Em quarto lugar, faz anos que há um conflito público entre Alexandre de Moraes e Bolsonaro, foi motivo de discussão em atos públicos e noticiados em toda a imprensa, um conflito político. Até as pedras sabem que Alexandre de Moraes é parte interessada neste processo e que, legalmente, deveria ser declarada a sua suspeição, ou seja, a sua parcialidade no caso. Não poderia, em nenhuma hipótese, ser o juiz, com o poder de condenar o seu desafeto político.

Outra questão que afronta os mais elementares preceitos do direito é o fato de Alexandre de Moraes estar julgando um caso onde ele seria supostamente uma das vítimas.

Num mundo normal, a vítima jamais poderia ser o juiz.

Sergio Moro, depois de prender, indiciar e acusar diversos petistas e tendo dado declarações hostis ao PT e ao governo, julgou Lula, o mesmo acontece agora com Bolsonaro. Não existe nenhum brasileiro que tenha dúvidas de que Alexandre de Moraes e a maioria do STF já têm a sentença de condenação de Bolsonaro tomada, exatamente como aconteceu com Lula.

Numa quinta violação de direitos, é preciso pontuar o uso, igual ao da Lava Jato, do vazamento seletivo de informações para a imprensa para usos políticos. Esse vazamento se deu também por meios legais, Moraes e Moro retiraram o sigilo de trechos dos inquéritos e acusações em momentos propícios para buscar influenciar a opinião pública, denunciando o cálculo político num julgamento, o que só pode criar um julgamento político.

Em sexto lugar, e também na cartilha lavajatista, está o uso sistemático da delação premiada, mecanismo no qual um acusado (ou condenado) delata outra pessoa em troca de benefícios penais, um sistema que coloca em questão a veracidade das afirmações do delator, uma vez que está sendo “pago” para delatar. Este mecanismo tira qualquer legitimidade do testemunho, pois está sendo feito em troca de algo. Tanto no caso da Lava Jato como nos inquéritos de Moraes, os investigados são colocados em prisão preventiva e ameaçados de serem condenados com penas altíssimas. No caso de Moraes, chegamos ao absurdo de termos, em vídeo, Moraes ameaçando “investigar” e, eventualmente, condenar a família de Mauro Cid caso a delação não remediasse “omissões e contradições”, ou seja, caso a delação não fosse do agrado do inquisidor.

Sétimo, para coroar o caso, temos a figura do juiz que denuncia, investiga e julga, ou seja, substitui-se um Judiciário normal por uma polícia com plenos poderes judiciais. Tradicionalmente, a investigação começa pela denúncia, que, como visto pelas reportagens de Glenn Greenwald sobre Moraes e o TSE, muitas vezes era feita pelo próprio Moraes e depois anunciada como se fosse feita por terceiros.

A investigação é feita, na prática, pelo próprio Moraes. A polícia (ou órgão técnico) colhe depoimentos a pedido do juiz, faz perguntas por ele determinadas e, como visto nas denúncias citadas sobre o TSE, recebe até orientações do que falar na peça e até de “usar a imaginação” para chegar a um determinado parecer.

Durante todo esse processo, o chefe da investigação, papel da polícia, é, de facto, o juiz. Isso faz com que o juiz não seja um contrapeso para garantir direitos do investigado, ele vira o inverso. Num processo normal, a Polícia Federal pede um mandado de busca e apreensão, por exemplo, e cabe ao Juiz decidir se é ou não um abuso o pedido, ele serve como um contrapeso à vontade da polícia. Se o juiz é o policial, não há contrapeso, não há freio, não há, na prática, lei nenhuma. Na prática, Bolsonaro e seus amigos estão sendo julgados diretamente pela polícia em contradição com qualquer norma jurídica mais comezinha.

Quando o Estado não está limitado por mecanismo algum, atribui-se o nome de Ditadura.

Uma vez terminada a investigação, o Ministério Público deveria dar seu entendimento sobre a investigação feita pela polícia que, se seguindo o modus operandi de Moraes denunciado por Greenwald, é apenas uma manifestação daquilo que o STF já pensa.

O ato de Moraes “julgar” o caso é apenas a culminação da farsa. Como pode um juiz julgar, de forma imparcial, uma acusação/investigação que ele mesmo produziu?

A divisão da investigação entre polícia, procuradoria e juiz não é uma questão de organização. É uma tentativa de estabelecer freios para a arbitrariedade do Estado, é uma histórica reivindicação democrática. A polícia, que trabalha sob a batuta do Executivo, tem sua atividade influenciada pelo Promotor Público, pois este pode decidir que a investigação não é suficiente, ou ainda, não aponta o cometimento de crime algum.

Uma vez que a acusação passa por essas duas barreiras, o juiz deveria ser mais uma barreira contra o arbítrio. A investigação tem que pedir autorização para violar sigilo, domicílio e até realizar prisões antes de julgamento, a ideia original, democrática, era que isso servisse para diminuir o abuso e a perseguição policial. Nos países onde a democracia burguesa foi mais plena, inclusive, introduziu-se mais um elemento para impedir o autoritarismo policial-judiciário: o Júri, feito de pessoas comuns, que deveria ter a palavra final. No Brasil o Tribunal de Júri tem importância muito menor, uma vez que restrito somente a casos de crimes dolosos contra a vida.

Alexandre de Moraes, o terceiro inquisidor do Brasil moderno, solidificou um sistema totalmente diferente disso. Avançando sobre o trabalho de seus antecessores – o STF, no caso do “Mensalão”; e Sérgio Moro, na Lava Jato -, criou a figura do inquisidor, como na época da Inquisição espanhola. Cumprindo, de facto, todas as funções de investigador, promotor, juiz e júri, o sistema feito para conter o abuso de poder do Estado se torna uma ferramenta para fazer exatamente isso, abusar da população e de seus desafetos políticos.

O nazismo alemão criou toda uma doutrina jurídica para justificar os absurdos cometidos. Não por acaso, a doutrina jurídica alemã e expoentes que colaboraram com o nazismo encontram-se em alta no meio jurídico. Adolf Hitler criou os Sondergericht (Tribunais Especiais), a ditadura escolhia onde as pessoas seriam julgadas, isso garantia que o veredito seria aceitável para o nazismo. O paralelo é tão claro que o STF debate se julgará Bolsonaro no colegiado de 11 ministros, onde alguns discordam de Moraes, ou na 1ª Turma, onde Moraes é mais influente.

O Código Alexandrino de Processo Penal traria lágrimas a Hitler. Nas cortes de Hitler, a Gestapo não dirigia formalmente o Juiz, ela fazia o que queria e o juiz, praticamente um oficial da Gestapo, apenas confirmava a decisão. Moraes aboliu o intermediário: ele manda a polícia investigar, ele pede criatividade nos pareceres e acusações, depois ele anuncia a condenação. A Alemanha nunca se livrou das “inovações” nazistas, hoje, lá vigora o sistema do “juiz inquisidor”, a lei brasileira nunca estabeleceu isso. No Brasil, a tradição é o sistema acusatório ou no máximo o misto, onde o promotor faz a acusação e o juiz imparcial julga, podendo o juiz em alguns casos específicos pedir mais produção de prova. Mesmo juristas conservadores nunca conceberam um sistema inquisitorial, onde o próprio juiz faz a produção de provas, como está se estabelecendo no STF, particularmente com Alexandre de Moraes.

A Gestapo de Hitler obtinha confissões sob tortura. Alexandre de Moraes não espancou ninguém e nem reviveu o pau de arara, é verdade. Mas ele, de fato, disse ao delator Mauro Cid que se sua delação não “corrigisse omissões e contradições”, ele poderia retomar a investigação contra seus familiares. Nem mesmo a lei absurda da delação premiada brasileira pode permitir esta evidente coação da testemunha.

Nosso partido será acusado de “fascismo” pelo que estamos dizendo, de estarmos contra a democracia. A estes, perguntamos: o que é a democracia senão o devido processo legal? O que é a democracia senão direito a um julgamento imparcial, sem cortes especiais de exceção, sem inquisidor, sem testemunho obtido sob coação ou até tortura? É importante lembrar que a tortura não é só a agressão física de uma pessoa. O crime de tortura prevê:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

O que é a democracia senão o direito à manifestação pública nas ruas, o direito à liberdade de expressão? Dirão que o direito ao devido processo legal tem limites. O da liberdade de expressão é limitado, o direito de manifestação também, todos os direitos têm limites, dirão. Os defensores do arbítrio, contudo, dirão que existe um “direito” sem limites: o direito do Estado esmagar determinadas pessoas por todos os meios necessários.

Para o PCO, a democracia é a soberania popular, o direito do povo falar, o poder do povo de conter o Estado. As instituições devem temer o povo, devem curvar-se à vontade popular. Quando o povo teme o Estado, quando o Estado toma para si a tarefa de “defender as instituições” contra o povo, relativizando todos os direitos mais básicos da cidadania e perseguindo seus desafetos políticos de forma constante e indisfarçável, aí começa o fascismo. Pelo menos nos últimos 10 anos, todos os candidatos com presença popular que não concordavam com o STF foram cassados. Alguns antes das eleições, como Lula, outros após as eleições, como Dilma Rousseff, vários governadores, deputados etc. Sim, Dilma foi cassada com a benção do STF, o qual participou e aprovou todo o absurdo processo e a votação no Congresso. No Brasil, atualmente, o principal eleitor da nossa “democracia” é o STF, ele decide quem ocupará o legislativo, cassando, em inúmeros casos, os candidatos que receberam o voto dos cidadãos e impedindo que os candidatos mais populares concorram nas eleições.

O PCO não fará parte dessa “defesa da democracia”. Essa política fará mais pelo fascismo do que qualquer coisa que Bolsonaro possa fazer.

Comissão Executiva do Comitê Central Nacional do PCO

28 de fevereiro de 2025

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Last Update: 28/02/2025