No podcast Entrelinhas Vermelhas, conduzido por Guiomar Prates e André Cintra (Portal Vermelho), os pesquisadores Guilherme Varela (UFBA) e Gilvan Paiva (UFC) destacam o Carnaval como fenômeno que transcende a folia. Para Varela, a festa é “uma lupa dos conflitos sociais”, onde a sociedade expõe desigualdades através de sátiras, fantasias e música. Paiva reforça: “O Carnaval é um desbravador de costumes. Ele antecipa disputas que depois chegam às instituições”.

Com milhões de foliões nas ruas em 2025, a celebração mantém seu papel de “suspensão do tempo cotidiano” e plataforma de reinvindicações, como observa Varela: “Fazemos festa não porque a vida é fácil, mas porque é difícil”.

Assista o episódio completo: Entrelinhas Vermelhas com Guilherme Varela e Gilvan Paiva:

Repressão e controle: a rua como campo de batalha
A história do Carnaval é marcada por tentativas de dominação. Paiva lembra que “o poder teme a rua sem vigilância”, espaço que, durante a festa, vira palco de liberdades proibidas no dia a dia. Varela cita a “domesticação” histórica: blocos transformados em escolas de samba, circuitos fechados em sambódromos e a pressão de patrocínios que padronizam festas (como camarotes e circuitos corporate em Salvador).

“Quando força policial e capital se unem, temos a combinação perfeita para ameaçar a essência do Carnaval”, alertou Varela. Paiva acrescentou: “A violência simbólica contra a festa reflete o medo das elites de perderem o controle sobre o espaço público”.

Economia de R$ 12 bi: entre o luxo dos camarotes e a precarização das ruas

Dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio) apontam que o Carnaval movimentará R$ 12 bilhões em 2025, com destaque para hospedagem (R$ 3,3 bi) e alimentação (R$ 5,4 bi). Porém, os especialistas criticam a visão reducionista:

  • Patrocínios e apropriação corporativa: Grandes marcas (principalmente cervejeiras) “sequestram” identidades locais, transformando festas em “Carnaval vermelho, azul ou amarelo”, como destacou Varela. Em Salvador, 40% dos circuitos são privatizados via abadás.
  • Economia invisível: Artesãos, ambulantes e costureiras sustentam a festa, mas trabalham sem direitos. “Precisamos de proteções excepcionais para quem trabalha só nessa época”, defende Paiva.

Varela cita um caso emblemático: um bloco de São Paulo recusou um patrocínio milionário para não trocar sua charanga (tradicional) por um trio elétrico. “A economia deve servir à cultura, não o contrário”, ressalta.

Carnaval como direito: na Constituição e na prática
Os entrevistados enfatizam que o Carnaval é garantido pela Constituição como liberdade de expressão (Art. 5º) e direito à cidade. Varela lista ameaças:

  1. Criminalização: Projetos de lei em cidades como Florianópolis e Curitiba buscam restringir horários e espaços de bloquinhos.
  2. Judicialização: Conflitos com moradores por “poluição sonora” ignoram o valor cultural da festa.

“O Carnaval é um direito de protesto. Quando você fantasia o incômodo social, está exercendo democracia”, diz Varela. Paiva lembra que, em Fortaleza, a pressão popular garantiu a volta dos blocos após veto da prefeitura em 2023.

“A cultura não é acessório, é eixo”
Para os especialistas, o desafio é equilibrar economia e autenticidade. Paiva defende políticas públicas que priorizem comunidades: “Um carnaval de R$ 12 bi não pode ignorar quem o faz acontecer”. Varela propõe metas ousadas:

  • Estudo nacional sistematizado sobre o impacto socioeconômico da festa.
  • Leis de proteção aos trabalhadores informais do setor.

Enquanto isso, as ruas seguem como trincheira. Como sintetiza Paiva: “O Carnaval resiste porque é mais que festa: é o povo escrevendo sua história com alegria e luta”.

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Last Update: 28/02/2025