Ao comentar os índices negativos do governo nas últimas pesquisas, o novo líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), diz que o principal problema do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é político, mas que agora ele terá oportunidade de solucionar.

“E ele vai resolver. Porque ele é um político experiente, conhece o Brasil profundamente, conhece o Congresso profundamente e acho que ele começou a se dar conta de que algumas alterações são importantes para ter um funcionamento melhor do governo”, disse o líder em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho.

Conhecido pela sua experiência como articulador político, Renildo afirma que o governo tem condições de formar uma ampla maioria para tocar suas pautas. “São necessários alguns ajustes no governo, no funcionamento do governo e, sobretudo, no comando da agenda”, diz.

Para ele, o governo enfrenta também grande dificuldade diante do “novo sistema de comunicação” no qual prevalece o que se é publicado nas redes sociais.

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“O que existe é o que se estabeleceu nas redes, apoiado em outros fatos, em fake news ou em narrativas que são criadas. E aquele programa que foi lançado como uma coisa muito importante para a sociedade, ele não repercute em lugar nenhum. Então, a comunicação de hoje é uma comunicação diferente. É uma comunicação mais complexa e mais difícil. O governo tem se apoiado muito numa comunicação ineficiente”, avalia.

“Mas ouso dizer que o principal problema do governo não é de comunicação. O principal problema do governo é político. E que o presidente tem agora uma oportunidade de resolver”, completa.

O líder do PCdoB lembra que o governo tem muito o que mostrar. “São muitos programas, projetos e com indicadores econômicos extraordinários. Nós temos hoje a menor taxa de desemprego desde quando ela é medida no Brasil. Isso não é pouco”, destaca.

Além disso, o deputado ressalta o crescimento da economia brasileira. “A Europa completamente quebrada e o Brasil foi a segunda economia em crescimento no mundo, atrás apenas da China. Num quadro mundial difícil como o que nós vivemos, o Brasil cresceu 3,8%. Não é pouca coisa. Tem programas sociais importantíssimos. Qual é o grande mistério? É que isso não tem repercutido nas pesquisas de opinião, não tem repercutido no humor da sociedade e no humor do eleitor”, avalia.

Na entrevista, o deputado fala ainda de vários temas como futebol, carnaval, regulamentação das big techs, pautas no Congresso e a proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com a escala de trabalho 6×1.

Confira a entrevista:

O senhor tem se destacado nas redes sociais com publicações que não possuem um conteúdo exclusivamente político.

Eu não sou uma figura de rede, eu sou meio analógico. É um esforço que estou fazendo por que é preciso reconhecer que a rede é uma [outra] realidade. É preciso estar inserido nesse contexto também. Eu gosto mais de falar de coisas que eu não trato no dia a dia da política. Então gosto muito de falar de poesia e também de falar de futebol. Agora está fácil ser botafoguense, campeão de quase tudo. Você tem clubes que nunca foram campeões ou até que foram poucas vezes. Não é o caso do Botafogo. Eu sou ali do interior de Alagoas, então em vários estados do Nordeste, durante muitos anos, o campeonato local começava mais cedo e às 5 horas a principal rádio local entrava em rede com a Rádio Globo do Rio de Janeiro, e eram transmitidos os jogos do campeonato carioca. Então em vários estados do Nordeste, você torce por um time local, que em geral não participa da competição principal do país, que hoje é a série A. E você tem um time pelo qual você torce no Rio de Janeiro. Então é assim que eu virei botafoguense, desde criança que eu sou Botafogo. Depois, na época da Universidade, eu tive a oportunidade de morar um tempo no Rio de Janeiro e realizar esse sonho de torcedor mais de perto. Era um período em que o time do Botafogo era um elenco muito fraco, não era um time competitivo. Eu sou Náutico em Pernambuco e CSA em Alagoas. Depois também virei para o Murici, porque passou a ter um clube de futebol. Depois eu próprio fundei o Olinda, na cidade de Olinda.

E o Carnaval deputado. O senhor é um bom folião?

Eu sempre fui um folião animado. Sempre brinquei muito o Carnaval, saí em vários blocos. E como todo folião que se preza, não gostava de voltar cedo. Mas chega um tempo em que você começa a selecionar mais as coisas. Você já não vai pra tudo. Por exemplo, vou na abertura do Carnaval do Recife e Galo da Madrugada. Isso é sagrado por que é um local onde você encontra muitos amigos, encontra muitas pessoas. São blocos que eu tenho um carinho muito grande.

Depois do Carnaval, muito trabalho no parlamento. Além de líder do PCdoB, o senhor também é vice-líder do governo.

Não há ideia de acumular. Eu era vice-líder do governo, sou vice-líder do governo, mas recentemente assumi a liderança do PCdoB. Então eu penso em fazer aí essa rotação, ficar na liderança do PCdoB e a gente organizar a vice-liderança do governo com outros camaradas, com outros parlamentares do nosso partido. É preciso ver como organizar isso. Está todo mundo aguardando as definições maiores do governo. A essa altura é certo que vai trocar o ministro das Relações Institucionais. Você vai mexer na liderança do governo aqui na Câmara ou não? Se mexer na liderança do governo, você tem de ver o outro líder do governo, quem será? E a partir daí que os entendimentos e essas construções serão estabelecidas. Tem algumas decisões que está amarrando outras. A expectativa geral é que depois do Carnaval as comissões da Câmara sejam formadas. Eu penso que uma, duas semanas depois do Carnaval essa equação estará montada.

Como se dará o enfrentamento dessa pauta da extrema direita. Há condições de ter uma melhor composição favorável ao governo?

Mesmo elegendo o Lula, o Congresso não tem uma composição majoritariamente progressista. Não é só dessa legislatura, é claro que tem piorado, mas em todas as legislaturas você elege um prefeito progressista, a Câmara não acompanha. Você elege um governador progressista, a Assembleia Legislativa não acompanha. Mesmo com duas eleições de Lula, da Dilma [Rousseff, ex-presidente], o Congresso em geral tem uma posição diferente, porque isso está ligado ao nosso sistema eleitoral e a motivação do eleitor para escolher o seu representante no parlamento. O eleitor faz uma separação entre o candidato a prefeito, o candidato a governador e o candidato a presidente da República. Ele separa isso no voto de deputado e do vereador. Esse voto parlamentar está mais ligado à estrutura política que o país tem. Então quando você confere isso não é só agora, tem muito uma representação local, da cidade, da região. Está ligada a essa estrutura política que o Brasil tem, que é de onde sai a maioria dos votos na eleição parlamentar.

Mesmo assim, há como constituir uma maioria?

Você tem aqui uma maioria mais ao centro. Outra parte mais avançada e progressista, onde você vai encontrar cento e poucos parlamentares. Tem um certo número de parlamentares com a posição de conservadora para a reacionária, aí um pouco acima de 100. E tem uma parte intermediária: quase 300 parlamentares na casa. São esses parlamentares que acabam definindo a posição do Congresso, porque o lado para o qual eles majoritariamente se deslocam é o lado que vence as eleições aqui dentro. O Congresso reflete muito o momento que você está vivendo, o momento político, as circunstâncias. Eu penso que nós temos condição aqui de formar uma ampla maioria em favor do governo e das pautas. São necessários alguns ajustes no funcionamento do governo e, sobretudo, no comando da agenda.

As pesquisas de opinião que estão sendo divulgadas demonstram índices desfavoráveis ao governo. Quais são os problemas?

O principal problema do governo é político, mas o presidente tem agora uma oportunidade de resolver. Ele vai resolver. Porque ele é um político experiente, conhece o Brasil profundamente, conhece o Congresso profundamente e acho que ele começou a se dar conta de que algumas alterações são importantes para ter um funcionamento melhor do governo, ter uma relação melhor com o parlamento e também uma comunicação melhor com a sociedade. O governo do presidente não é um governo ruim. São muitos programas, projetos e com indicadores econômicos extraordinários. Nós temos hoje a menor taxa de desemprego desde quando ela é medida no Brasil. Isso não é pouco. A Europa completamente quebrada e o Brasil foi a segunda economia em crescimento no mundo, atrás apenas da China. Num quadro mundial difícil como o que nós vivemos, o Brasil cresceu 3,8%. Não é pouca coisa. Tem programas sociais importantíssimos. Qual é o grande mistério? É que isso não tem repercutido nas pesquisas de opinião, não tem repercutido no humor da sociedade e no humor do eleitor. Então esse mistério, esse segredo, precisa ser desvendado. É o que o governo está procurando fazer. Por exemplo, esse crescimento de 3,8% tem sido puxado pela indústria, que é uma notícia extraordinária. Contudo, ela não é devidamente valorizada por praticamente ninguém. O que resta de mídia não valoriza. As redes não valorizam, a sociedade acaba não percebendo esse acontecimento extraordinário. Então, como você pode ver, não é uma realidade simples, mas é uma realidade com muitas coisas importantes acontecendo. Não há uma terra arrasada. Há um governo bom, mas que não tem tido a leitura adequada por parte da sociedade e esse mistério precisa ser resolvido.

Há problema da comunicação também?

Essa é uma grande dificuldade atualmente, porque o sistema de comunicação com a sociedade é muito diferente da maneira como funcionava. Lembro que nos meus primeiros mandatos, para alguma notícia chegar no seu estado, você tinha que conseguir um espaço na coluna de alguns jornais. Se a notícia não saísse na coluna daqueles jornais, ninguém tomaria conhecimento. Então, os parlamentares faziam um grande esforço de fazer panfleto, de fazer boletim, de fazer até mesmo jornal para divulgar um pouco as coisas. Hoje você chega num restaurante estão os casais ou as famílias esperando o almoço sair todos com a cabeça baixa, olhando e postando no celular. É uma sociedade diferente que a gente precisa tentar compreender melhor. O que existe é o que se estabeleceu nas redes, apoiado em outros fatos, em fake news ou em narrativas que são criadas. E aquele programa que foi lançado como uma coisa muito importante para a sociedade, ele não repercute em lugar nenhum. Então, a comunicação de hoje é uma comunicação diferente. É uma comunicação mais complexa e mais difícil. O governo tem se apoiado muito numa comunicação ineficiente. Mas ouso dizer que o principal problema do governo não é de comunicação.

O governo também não vem sendo afetado pelo o aumento dos preços dos alimentos?

Esse aumento nos preços é verdadeiro, é um dado da realidade. Eu faço feira, eu sei que as coisas estão caras. É claro que tem. Tem os produtos que encareceram mais que outros, não só no Brasil, mas toda parte do mundo. Mas é claro, esse problema tem que ser enfrentado e o governo está dedicado a encontrar alternativas de combate ao aumento dos preços, principalmente em alguns produtos, que chegam à mesa das pessoas que ganham menos, que têm um salário menor, porque a inflação atinge muito essas camadas mais sofridas da sociedade, tem uma repercussão muito forte sobre a vida dessas pessoas. E é claro que isso deve preocupar o governo. Eu tenho convicção que o presidente está preocupado e está procurando uma solução.

O governo tem uma pauta no parlamento como a reforma tributária sobre a renda e regulamentação das big techs. Tem como avançar nessas pautas?

Primeiro, o governo fez um grande esforço, juntamente com o Congresso Nacional, pra aprovar a reforma tributária. O Brasil tem um sistema tributário que é tido como um dos mais atrasados, mais arcaicos e mais regressivos do mundo. O grande esforço foi feito no sentido de você sair desse sistema muito atrasado, entrar num sistema mais simples e moderno e tentar ter um imposto mais justo. É claro, a reforma tributária precisa ser completada, precisa ser concluída para dar mais agilidade aos processos, à cobrança de impostos, diminuir a sonegação, porque você precisa ter um sistema de arrecadação que seja mais justo. Essa questão das big techs é um problema que o mundo inteiro enfrenta. Não sei se vocês acompanharam, mas no governo passado do Trump [Donald] ele deu uma forte investida contra o TikTok. Nos Estados Unidos, eles aprovaram uma lei que tirava o TikTok de circulação nos Estados Unidos agora, no mês de janeiro de 2025, a não ser que o TikTok lá fosse vendido para algum americano. Quando o Trump vai tomar posse, o que ele fez? Ele que havia lutado muito contra o TikTok disse não, deixa o TikTok aí. ‘Eu ganhei a eleição por causa do TikTok. Ele foi muito importante para a minha comunicação junto à juventude americana e isso me ajudou a ganhar a eleição’. O Trump não defende liberdade de expressão. Defende a conveniência dele ou que ele julga conveniente para os EUA. Veja agora essa confusão da guerra lá na Ucrânia, não é? O que é que o Trump está fazendo? Ele está aproveitando o momento da guerra e tentando viabilizar na guerra um negócio. Ele quer o minério, as chamadas terras raras lá na Ucrânia. Então é um mundo assim meio que de cabeça para baixo. É claro que isso precisa de alguma regulamentação. A mentira não pode virar verdade a partir do apoio das big techs. Então você tem hoje uma sociedade muito vulnerável na mão de quatro, cinco, seis pessoas mundo afora, mas a reação já começou. Você tem várias legislações aprovadas em países europeus e está todo mundo procurando esse caminho. Não quer dizer que essas legislações aprovadas sejam coisas perfeitas ou acertadas. A vida vai nos mostrar o que foi certo e o que não foi certo. Mas você tem que fazer um esforço de regulamentação. Você tem de fazer um esforço para conter a fake news e não pode assistir passivamente. No Brasil, nós precisamos também dessa resposta. E essa é uma consciência que o próprio Congresso precisa ter, porque se não tomar medidas o Supremo [STF] irá tomar ou já está tomando.

Foi protocolada na Câmara a proposta de emenda Constitucional (PEC) que acaba com o fim da escala de trabalho 6×1. Há chances de avançar com essa proposta?

Essa é uma luta importante de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Você tem no Brasil uma carga horária, uma jornada de trabalho excessiva e é preciso o Brasil enfrentar esse problema. É uma luta simples? Não. Porque as pautas econômicas aqui no Congresso Nacional têm tido um tratamento diferente das pautas políticas. Nós temos mais facilidade de formar maioria aqui para política do que uma maioria para questões econômicas importantes. Então essa é uma batalha muito séria para trabalhadores e trabalhadores. Nós vamos estar aí na linha de frente dessa batalha. Toda nossa bancada do PCdoB está mobilizada, mas não é uma luta simples, porque é uma luta exatamente contra uma maioria estabelecida para o comando da economia brasileira. Há uma forte maioria ligada ao setor financeiro, que é o que tem prevalecido nas decisões tomadas no próprio Congresso. Há uma narrativa e um discurso que é reproduzido por todas as assessorias econômicas e pelos principais veículos da mídia brasileira. Então os bancos nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil, olha que eles sempre ganharam dinheiro, como ganham atualmente. O balanço do Itaú mostra que ele acaba de sair do maior lucro de toda a sua história. E quando você vai ver os projetos aqui, é sempre os bancos procurando mais garantia para eles, para diminuir o risco. Mas risco de quê? Se eles é que ganham todo o dinheiro.

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Last Update: 27/02/2025