Nos últimos dias, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, teve uma agenda intensa em Brasília. Além de se reunir com deputados gaúchos, o tucano procurou o novo presidente da Câmara, Hugo Motta, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Desta vez, o foco da viagem não estava relacionado aos esforços de reconstrução do Rio Grande do Sul, devastado pelas chuvas de abril do ano passado. Leite viajou à capital federal com um duplo objetivo: pressionar os parlamentares a derrubarem os vetos de Lula na renegociação da dívida dos estados e buscar uma solução para permitir o retorno das operações da termelétrica Candiota III, que está paralisada desde 1º de janeiro, após o vencimento de seus contratos de fornecimento. A usina pertence à Âmbar Energia, do grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, e é movida a carvão mineral – combustível fóssil que contribui para o aquecimento global e, consequentemente, para os eventos climáticos extremos.

Com pouco mais de 10 mil habitantes e localizado na região dos Pampas, o município de Candiota ostentou por décadas o título de capital nacional do carvão. Aproximadamente, 40% de toda reserva nacional do minério está concentrada ali. Agora, com o encerramento das atividades da termelétrica e o esforço mundial para reduzir o uso de combustíveis fósseis, os moradores da cidade temem perder sua principal fonte de sustento.

Estudos ambientais indicam que a Candiota III está longe de ser um modelo de sustentabilidade. Segundo o 4º Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas de 2024, realizado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), a usina foi a maior emissora de gases de efeito estufa do sistema em 2023, sendo responsável por 12,5% das emissões. O município de Candiota, que também abriga a usina Pampa Sul, lidera o ranking nacional de emissões. O levantamento revela ainda que essas duas unidades de geração de energia têm apenas 27% de eficiência.

Felipe Barcellos, pesquisador do Iema e um dos autores do estudo, explica que o desempenho da usina está relacionado a dois fatores principais: a natureza do carvão, rico em carbono e altamente poluidor, e o baixo poder calorífico do mineral encontrado na região, que exige a queima de volumes maiores para a geração de energia. Esse processo resulta na emissão dos três principais gases de efeito estufa: dióxido de carbono, metano e óxido nitroso.

O Brasil possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 83,64% da energia gerada em 2023 provinha de fontes renováveis, como hidrelétricas, parques eólicos e fazendas solares. Com abundância de sol e ventos, o País não deverá enfrentar grandes dificuldades para substituir os combustíveis fósseis no sistema elétrico. Embora as usinas movidas a carvão estejam com os dias contados, o Poder Público ainda não tem uma solução definida para compensar as cidades dependentes da exploração desse minério.

Impacto. O tucano diz buscar uma “transição justa”, que poupe a economia da região carbonífera – Imagem: Maurício Tonetto/GOVRS

Recentemente, o Congresso aprovou um projeto de lei que regulamenta a atua­ção das usinas eólicas offshore, um dos pilares da transição energética no Brasil. No entanto, durante sua tramitação, o PL nº 576/2021 recebeu diversas emendas que nada tinham a ver com o tema central da proposta. Um dos jabutis inseridos pelos parlamentares, o artigo 22, garante benefícios para as termelétricas a carvão da Região Sul até 2050, além de estabelecer a contratação de até 4,25 GW dessas usinas. O presidente Lula vetou essas mudanças. Segundo ele, esses dispositivos “visam à manutenção de matrizes mais poluidoras, caras e ineficientes, como as termelétricas a carvão e gás, além de alterarem os índices de correção tarifária para parâmetros menos vantajosos à população”.

Como alternativa, o governador Eduardo Leite sugeriu ao ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, a edição de uma Medida Provisória para possibilitar a reabertura de Candiota III. Em nota, o governo gaúcho afirmou que a usina “está em condições de operar por pelo menos mais dez anos” e que contratou as consultorias Way Carbon e Centro Brasil do Clima para dar suporte ao que chama de “Plano de Transição Energética Justa”, previsto para ser elaborado em 13 meses e orientar as “políticas públicas nas regiões dependentes de carvão”. A situação do município e de toda a região carbonífera dos Pampas é, de fato, preocupante. A causa uniu todos os partidos políticos, inclusive o PT. O prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, do MDB, diz que o fechamento da usina provocará desemprego em massa: “A população está preocupada. Já temos informações de empresas que estão demitindo funcionários. Só esta usina representa 40% da receita municipal”, afirma.

Já a engenheira Ana Rosa Costa Muniz, coordenadora do Laboratório de Carboquímica da Universidade Federal do Pampa e consultora especialista do Plano de Transição Energética do governo gaúcho, observa que, atualmente, há tecnologias capazes de capturar quase 100% do CO2 emitido pelas usinas. “Podemos reduzir as emissões aos poucos, até chegar à neutralidade em 2050.” Esse modelo, segundo a especialista, é adotado por diversos paí­ses em seus processos de transição energética. “Por que o Rio Grande do Sul não pode fazer assim? Por que temos de fechar nossas usinas? Precisamos apontar outros usos limpos do carvão mineral para que não feche tudo, como tem sido propagado.”

Já Rualdo Menegat, geólogo e professor no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, se contrapõe a essa estratégia. “A era do carvão está encerrada do ponto de vista científico”, diz. Ele lembra que o Acordo de Paris, assinado em 2015, situou a transição energética como condição para mitigar a emergência climática. Para ele, o governador gaúcho caminha na contramão da história ao alinhar-se ao lobby do setor carvoeiro para solicitar a prorrogação das atividades de Candiota III, “um paciente industrial terminal, altamente poluente e alvo do capital abutre”. A usina, acrescenta Menegat, sobreviveu graças aos subsídios provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético – bilhões de reais pagos pelos consumidores de energia.

A urgência da crise climática não comporta a continuidade de uma atividade tão poluidora, acrescenta o especialista. Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. O planeta já ultrapassou essa marca e encerrou 2024 com um acréscimo de 1,64ºC. “Se nada for feito, de Candiota em Candiota o planeta chegará facilmente aos 4ºC”, prevê Menegat. •

Publicado na edição n° 1351 de CartaCapital, em 05 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Entre o fogo e a caldeirinha’

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Last Update: 26/02/2025