Pepe –  o filme (2024)

por Walnice Nogueira Galvão

Não há quem não saiba dos hipopótamos de Pablo Escobar, assombrando o mundo. O colombiano, talvez o maior traficante de drogas da História, criou um império em Medellin, a Hacienda Nápoles. Chefe supremo de um estado dentro do estado, tinha exército próprio, armamento de última geração, aeronaves, fortalezas de concreto, parafernália eletrônica de ponta. Trazia os políticos em seu bolso; e os que não iam para seu bolso eram sumariamente executados.  Põem em sua conta 3 mil assassinatos Exercia a caridade, o que lhe garantia o afeto e o apoio da população.

Num assomo de megalomania, resolveu criar em seus domínios um zoológico com as maiores feras africanas, inclusive quatro hipopótamos, que dariam origem a problemas.  Mas o protagonista do filme Pepe não é Pablo Escobar, e sim Pepe o hipopótamo.

Após a debacle, ninguém mais cuidou dos bichos do zoológico, que romperam amarras e ficaram à gandaia. O caso mais notório foi o dos hipopótamos, que, reproduzindo-se sem peias, chegaram à descomunal cifra de 120. Sim, 120, ou seja, a maior manada de sua espécie fora da África.

Eles não parecem, mas são perigosíssimos. Não há cerca que os segure. Invadem plantações e até quintais de residências, pisoteiam tudo, ninguém os detém. Por serem herbívoros, não se percebe o risco que representam. Pesam de 2 a 5 toneladas e sua principal arma é a arremetida em alta velocidade, para estraçalhar com suas presas quem se lhes anteponha.

Como não são carnívoros, parecem engraçadinhos, nédios volumes cor-de-rosa, que, como criancinhas, nunca querem sair da água. Pastam as ervinhas do fundo sem parar. A fama de pacatos se deve às animações, quadrinhos e até mesmo filmes de Walt Disney, como Fantasia, em que dançam balé, de tutu e sapatilha.

É desse contraste, explorado por Pepe, que o filme tira sua força. O habitat deles é o rio Magdalena, que atravessa a Hacienda Nápoles, igualmente habitat de populações tradicionais, que ali vivem sobretudo em canoas que o singram o tempo todo. Barranqueiros e ribeirinhos são mostrados na vida cotidiana, com seus protocolos de sociabilidade e de culto, estando inteiramente desprotegidos da invasão dos hipopótamos. Pepe é o líder da manada.

O que é divertido, nessa trama de horrores, é que a Colômbia passou a oferecer hipopótamos de graça ao país que os desejar. São postulantes a Índia, as Filipinas, o México. Mas  quantos países seriam necessários para dispersar a manada, na base de um mísero casal para cada um?

O filme começa, não inocentemente, pela caçada e ataque final a Pablo Escobar, com soldados em fardas camufladas, armamentos pesados e muitos helicópteros, cujo rotor fica martelando os ouvidos como uma ameaça. Depois, vemos a trajetória do outro Pepe, o hipopótamo, desde sua Namíbia natal até a Colômbia, começando por ônibus turísticos em que se fala africânder e alemão. A travessia do Atlântico se faz num barco que é mais uma traineira que um navio, caindo aos pedaços, até o último trecho, por terra, num caminhão arruinado. No meio do Atlântico, a lingua passa a ser o espanhol. O mistério já começa ali, porque ninguém sabe com precisão de que animais se trata, nem como eles são.

Ainda depois é que vemos os hipopótamos disputando território aquático com os nativos, assustando-os sem medida, porque em tamanho rivalizam com “troncos, bois, jacarés”, como é dito mais de uma vez.

Até que se organiza uma pequena expedição e Pepe é abatido.

Não há como escapar à dimensão alegórica da narrativa. Pablo e Pepe eram monstros que assolavam a região e que acabam por ser executados, liberando a população. É impossível não perceber a simetria entre as duas execuções que marcam o início e o fim do filme: a de Pablo Escobar e a de Pepe o hipopótamo. O filme é estranho e potente.

Seu diretor é Nelson Carlo de los Santos Arias, da República Dominicana, agraciado com o  Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim,

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

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Last Update: 25/02/2025