Financeirização Corporativa, CGV ou Investimentos Intangíveis?
por Fernando Nogueira da Costa
O artigo ‘Além da financeirização corporativa: das cadeias de valor globais ao enigma dos investimentos intangíveis’ de George Liagouras, pesquisador do Departamento de Engenharia Financeira e de Gestão na Universidade da Escola de Engenharia do Egeu-Grécia, apresenta uma crítica construtiva à hipótese da
financeirização corporativa. A crítica à financeirização foi levada longe demais, especialmente quanto aos seus efeitos de ‘exclusão’ e ‘drenagem’ no investimento.
As principais ideias discutidas por Liagouras são relevantes para a compreensão do capitalismo contemporâneo. Na verdade, a financeirização foi uma mudança estrutural, nas últimas quatro décadas, aceita por seus aspectos positivos.
Liagouras foca-se na financeirização da empresa e o seu impacto no investimento e na organização corporativa, também conhecido como nexo financeirizaçãoinvestimento. Questiona se a financeirização seria a causa da tendência de queda nas taxas de investimento observada nas economias avançadas na chamada Era do Neoliberalismo e/ou da Globalização.
A capacidade do financiamento (“crédito farto e barato”) para acelerar a “destruição criativa” a la Joseph Schumpeter, através da realocação de capital por meio de ações não tem sido devidamente considerada. As abordagens de financeirização corporativa tendem a subestimar outras mudanças estruturais na organização empresarial, como o aumento das Cadeias de Valor Globais (CGV) e dos investimentos intangíveis.
Essas mudanças distinguem-se das categorias de investimento e capital herdadas do capitalismo industrial. O resultado delas é a subsunção da produção stricto sensu às funções intangíveis e baseadas em serviços das empresas dominantes.
Os investimentos intangíveis, sem possuírem uma forma física, se tornaram essenciais e os principais criadores de valor nas empresas modernas. Eles podem ser divididos em três categorias principais. A primeira é a Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) informatizada, incluindo software e bases de dados. A segunda propriedade inovadora abrange P&D científico e não científico, design, desenvolvimento de novos produtos/serviços, entretenimento e originais artísticos. Finalmente, as competências econômicas envolvem marcas, mudança organizacional, formação e qualquer outro investimento em capital humano ou organizacional.
Esses investimentos são cruciais para a competitividade e inovação das empresas. Estão em um ambiente econômico cada vez mais baseado em conhecimento e tecnologia.
Um problema é a dificuldade em medir o investimento intangível. Mesmo assim consegue confrontar a hipótese de financeirização da empresa diante da evidência empírica existente, com foco nas Sociedades Não Financeiras (SNF) dos EUA. Aponta para a necessidade de atualizar as noções de investimento e capital herdadas do capitalismo industrial também na contabilidade das empresas.
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Liagouras busca esclarecer como os avanços na organização empresarial estão sendo ofuscados pela noção de financeirização da empresa como fosse um regime parasitário. Na verdade, os críticos desconhecem o papel funcional da especulação financeira, durante as crises capitalistas, quando o valor de mercado de ativos existentes fica abaixo do custo de produção de ativos novos.
A função principal das finanças, nestas fases difíceis, é acelerar o processo de concentração. Fazem aquisição de concorrentes com ativos depreciados e/ou realocam do capital para novos setores e lugares, seja por meio de alavancagem financeira, seja através de compras e vendas de ações.
George Liagouras acerta ao diagnosticar a financeirização não ser a principal causa da desaceleração do investimento, nos países ocidentais ricos, e sublinha a importância de outras mudanças estruturais, como as Cadeias de Valor Globais (CGV) e os investimentos intangíveis. Estas mudanças no novo século desafiam as categorias de investimento e capital herdadas do capitalismo industrial.
Ele questiona a ideia de a financeirização levar a um “crowding-out” (“efeito cotovelada” ou deslocamento) do investimento produtivo em favor de aplicações financeiras. Análises contábeis comprovaram o aumento dos ativos intangíveis nos balanços das empresas terem contrabalançado a diminuição dos ativos tangíveis.
Destaca o aumento dos investimentos intangíveis como P&D e outras formas de inovação serem ignorados ou subestimados pelas análises críticas obsessivas da financeirização. A contabilidade tradicional não reflete adequadamente o valor desses investimentos, comumente contabilizados como despesas em Contas de Resultados (“Lucros ou Perdas”) em vez de serem ativos no Balanço Patrimonial.
Embora reconheça o aumento dos pagamentos financeiros das empresas por distribuição de dividendos e recompras de ações, este aumento não é o único responsável pelo declínio do investimento produtivo. A evolução de outras variáveis, como os custos laborais e os impostos sobre as sociedades abertas, também influencia o investimento, ou seja, resulta em efeito de drenagem.
O artigo de George Liagouras, nas entrelinhas, critica a visão eurocêntrica (e do MAGA trumpista) por não apresentar a globalização da produção, através das CGV, como uma razão para a diminuição do investimento em capital tangível nas economias avançadas. O investimento é alocado para outras regiões porque as CGV representam uma nova divisão de trabalho internacional, onde as empresas dos países ricos ocidentais se concentram em funções intangíveis e serviços, realocando a produção física para outras regiões.
Essa é uma razão para a diminuição do investimento em capital tangível nas economias ricas. As empresas, ao organizarem as suas redes de produção em escala global, economizam nas suas despesas de capital tangível, quando esse investimento é alocado para outras regiões.
A noção de “curva sorridente” ilustra essa mudança, com maior valor adicionado nas fases de pré e pós-produção – e a produção industrial na Ásia. Ela é uma metáfora gráfica para descrever a distribuição do valor agregado ao longo das diferentes fases de uma cadeia de valor. Foi popularizado no início da década de 1990 por Stan Shih, fundador da Acer.
Se dividirmos toda a cadeia de valor em aproximadamente três fases – préfabricação (conceito do produto, P&D, design), fabricação e pós-fabricação (vendas, marketing e serviços pós-venda) – a parcela do valor adicionado capturada pela primeira e pela terceira fases tende a aumentar em detrimento da produção stricto sensu.
Colocando as três fases em um eixo horizontal e as correspondentes quotas de valor acrescentado em um eixo vertical, configura-se um “sorriso aprofundado”, enquanto as Cadeias de Valor Globais (CGV) se desenvolvem. Este conceito ilustra como as funções intangíveis e baseadas em serviços das empresas dominantes se tornam os principais criadores de valor nas empresas modernas.
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George Liagouras aponta para a existência de “capital paciente”, disposto a incorrer em perdas por muitos anos, na expectativa de obter lucros elevados no futuro, no caso de empresas com potencial de crescimento. Em outras palavras, os acionistas com base em análises fundamentalistas não vendem ações em reações rápidas como fazem os especuladores baseados em análises grafistas…
Os críticos da financeirização deveriam reconhecer este capital paciente. Logo, a pressuposta visão de curto prazo da financeirização não é universal porque existem investimentos de longo prazo sem se encaixarem nessa narrativa.
Em síntese, a financeirização, embora importante, não é a única explicação para a desaceleração do investimento tangível. Portanto, é crucial considerar as mudanças estruturais nas cadeias de valor globais e o crescente papel dos investimentos intangíveis para se ter uma compreensão mais completa do capitalismo contemporâneo.
A análise da financeirização deve ser complementada com uma análise da evolução da organização empresarial e da importância crescente de ativos intangíveis. O foco dos analistas profundos, não preocupados apenas na vã (e eterna) “denúncia do sistema capitalista”, deve ser nas mudanças estruturais capazes de levarem à superação do paradigma do capitalismo industrial.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
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