O partido Die Linke (A Esquerda) garantiu, neste domingo (23), o seu retorno ao Bundestag com uma bancada ampliada, ao conquistar 8,8% dos votos na eleição legislativa antecipada da Alemanha. A sigla alcançou os 64 assentos dos 630, um avanço significativo se comparado aos 39 da eleição de 2021.
O resultado representa uma reviravolta para A Esquerda, que havia ficado abaixo do limite da cláusula de barreira em 2021, assegurando representação apenas graças à conquista de três mandatos diretos. Agora, com um crescimento expressivo em relação aos 4,9% obtidos na última eleição federal, a legenda volta a ter status de bancada completa no parlamento alemão.
“A Die Linke está viva e mostrou que é possível construir uma oposição forte e de esquerda”, afirmou o copresidente do partido, Jan van Aken, em seu discurso na noite da eleição.
O resultado representa não apenas a superação da fragmentação interna causada pela saída de Sahra Wagenknecht em 2023, mas também uma afirmação do partido como a principal força de oposição de esquerda no país.
Recuperação após divisão interna
A Die Linke passou os últimos anos em crise, com disputas internas e sucessivas derrotas eleitorais. Em 2023, um dos principais quadros políticos do partido, Sahra Wagenknecht rompeu com o partido, acompanhada por nove outros deputados federais. Essa decisão resultou na perda do status de bancada do partido no Bundestag, uma vez que o número de parlamentares ficou abaixo do mínimo necessário para manter a representação formal.
A sectarista fundou seu próprio partido, o BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht), o que parecia ameaçar a sobrevivência da Die Linke. Sobretudo porque a nova sigla seguiu o caminho do grande tema da eleição: a imigração.
As razões para o rompimento de Wagenknecht com o Die Linke são multifacetadas. Conflitos internos sobre questões como imigração, vacinação contra a COVID-19 e a invasão russa da Ucrânia geraram tensões significativas.
Em fevereiro de 2023, um ponto crítico foi alcançado quando os líderes do partido, Janine Wissler e Martin Schirdewan, não apoiaram uma manifestação organizada por Wagenknecht e Alice Schwarzer.
A manifestação em questão era o “Aufstand für Frieden” (“Levantamento pela Paz”), realizada em 25 de fevereiro de 2023 no Portão de Brandemburgo, em Berlim. O evento foi um desdobramento do “Manifest für Frieden” (“Manifesto pela Paz”), uma petição online lançada em 10 de fevereiro de 2023 que apelava ao chanceler Olaf Scholz para interromper o envio de armas à Ucrânia e buscar negociações de paz imediatas.
O evento gerou controvérsia devido à presença de indivíduos e grupos de extrema-direita, incluindo políticos do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e figuras conhecidas por posições extremistas. Embora os organizadores tenham declarado que símbolos e bandeiras de extrema-direita não eram bem-vindos, a presença desses elementos suscitou debates sobre a natureza e a direção do movimento.
As tensões culminaram na decisão de Sahra Wagenknecht de deixar o Die Linke em outubro de 2023. A saída dos dissidentes representou um momento crítico para a Die Linke, mas também abriu espaço para uma reorganização interna.
Reorganização baseada na luta de classe
Com a chegada de Jan van Aken e Ines Schwerdtner à liderança, o partido passou por uma reestruturação, buscando resgatar suas origens como uma força voltada para as demandas sociais. Inspirada no modelo da KPÖ (Partido Comunista da Áustria), a sigla abandonou a disputa pelo discurso securitário, que dominou a eleição, e investiu fortemente em uma pauta de classe.
O foco na crise imobiliária e na alta dos preços dos alimentos e da energia deu à legenda um diferencial claro frente a SPD e Verdes, que hesitaram em priorizar o tema.
Ao contrário do BSW, que seguiu a linha de endurecimento contra a imigração, a Die Linke apostou em um discurso econômico acessível e em soluções concretas para os trabalhadores. Isso ficou evidente na criação de aplicativos e plataformas que ajudaram eleitores a fiscalizar cobranças abusivas de aluguel e de energia.
A abordagem trouxe um elemento prático para a campanha, facilitando a reconexão do partido com a base que se sentia desiludida.
O impacto da estratégia digital também foi fundamental na reconstrução do partido. A ascensão de Heidi Reichinnek como rosto da nova geração da Die Linke tornou-se um fenômeno nas redes sociais, especialmente no TikTok e no Instagram. O discurso combativo da candidata e a viralização de vídeos expondo políticas neoliberais foram determinantes para atrair jovens eleitores, muitos deles desiludidos com SPD e Verdes.
O partido viu suas curtidas e seguidores quintuplicarem em poucas semanas, o que se refletiu na mobilização eleitoral.
Paralelamente à forte presença digital, a Die Linke apostou em uma estratégia tradicional: o porta a porta massivo. Com mais de 550.000 visitas domiciliares, a sigla priorizou áreas estratégicas, recuperando terreno principalmente no Leste da Alemanha, onde o eleitorado historicamente mais alinhado à esquerda havia se afastado. Além disso, a sigla conseguiu trazer novos militantes para suas fileiras, revertendo o declínio interno dos últimos anos.
Outro fator decisivo foi a reconfiguração do partido como a principal força antifascista do Bundestag. Com a CDU adotando uma postura mais flexível em relação à AfD e SPD e Verdes demonstrando hesitação, a Die Linke capitalizou o temor de um avanço da extrema direita. A campanha reforçou a ideia de que apenas um forte bloco de esquerda seria capaz de frear o crescimento da AfD, especialmente após a decisão da União (CDU/CSU) de colaborar em pautas anti-imigração. Esse posicionamento garantiu um aumento expressivo no apoio da juventude urbana e consolidou o partido como o principal polo de resistência ao avanço conservador.
A reorganização também se refletiu no perfil da militância. A Die Linke registrou 28 mil novas adesões desde o início do ano, impulsionadas pelo engajamento da juventude e pelo crescimento do partido entre trabalhadores de grandes cidades.
Retorno ao Bundestag e novo papel na oposição
Com o novo resultado, a Die Linke volta a atuar com uma bancada completa, em um Bundestag que viu a ascensão da extrema direita e a queda da coalizão governista de Scholz. A CDU e seus aliados conquistaram 28,6% dos votos, enquanto a extrema direita da AfD obteve 20,5%, seu melhor resultado em uma eleição federal.
A líder do partido no Bundestag, Ines Schwerdtner, ressaltou que a vitória da Die Linke é um sinal de que há resistência ao avanço da direita. “Enquanto a CDU e o BSW flertam com ideias da AfD, nós reforçamos nosso compromisso com a justiça social e a democracia”, afirmou.
O partido enfrenta agora o desafio de consolidar sua posição e transformar o impulso eleitoral em uma base de apoio duradoura. A estratégia de fortalecer a presença em bairros populares e o envolvimento com movimentos sociais será essencial para definir o papel da legenda no futuro do parlamento alemão.