Pela primeira vez desde a sua criação, em 2003, a bancada evangélica do Congresso não conseguiu administrar a polarização interna e vai às urnas rachada. Três candidatos disputam o comando do bloco, um dos mais influentes na Casa, com quase 220 deputados: Otoni de Paula (MDB-RJ), Gilberto Nascimento (PSD-SP) e Greyce Elias (Avante-MG).

A eleição ocorre na tarde desta terça-feira 25, de forma eletrônica. A falta de consenso reflete o bate-cabeça interno sobre qual rumo tomará a bancada nos dois últimos anos de governo Lula. Otoni, pastor na igreja do Ministério Missão de Vida, a qual fundou em 1998, tem sua candidatura avalizada pelo atual líder da bancada, Silas Câmara (Republicanos-AM).

Nascimento, por sua vez, é apoiado pelo pastor bolsonarista Silas Malafaia e pelo líder do PL, Sóstenes Cavalcante. Já a parlamentar mineira é vista como uma espécie de terceira via na disputa – existe a expectativa entre aliados de Greyce que ela abra mão da candidatura devido à forte concorrência entre os seus colegas.

Nome historicamente forte no segmento, Otoni era considerado o principal postulante à vaga em 2023, mas perdeu apoio devido à aproximação com integrantes do governo Lula. Sob reserva, seus colegas avaliam que ele aproximou-se demais do petista, cuja desaprovação entre os eleitores evangélicos é de 56%, de acordo com pesquisas de opinião recentes.

O ápice do descontentamento ocorreu em outubro passado, quando Lula sancionou a lei sobre o Dia Nacional da Música Gospel. Otoni participou da cerimônia e, na ocasião, fez uma oração ao lado do presidente, o que ampliou a irritação da ala mais bolsonarista da bancada. Para o Planalto, o gesto representou uma possibilidade de dialogar com o segmento no Congresso.

Tradicionalmente, a Frente Parlamentar Evangélica escolhe seus líderes por consenso. Há dois anos, diante da falta de unanimidade, o parlamentar fluminense retirou sua candidatura em prol de um acordo de presidência alternada entre Eli Borges (PL-TO) e Câmara. Daí o porquê de os atuais dirigentes apoiarem Otoni na empreitada.

A divergência interna é tamanha que fez a escolha do novo presidente da FPE, inicialmente prevista para ocorrer em dezembro, ser adiada para fevereiro. Nos últimos dias, integrantes do bloco atuaram na tentativa de construir um acordo, mas não tiveram êxito. Em entrevista a CartaCapital nesta segunda-feira, Otoni afastou qualquer possibilidade de abrir mão da disputa.

Também atribuiu a tentativa de polarizar a eleição na bancada parte de “um grupo minoritário do PL”, cujo objetivo seria “fazer da Frente um puxadinho do bolsonarismo“. E defendeu o diálogo com o Planalto como forma de aprovar pautas importantes para o segmento, a exemplo da PEC que concede imunidade tributária às igrejas.

“Enquanto o outro lado defende o recrudescimento político entre a FPE e o governo, defendo que exista um diálogo político sem abrir mão das nossas bandeiras. Como poderemos negociar pautas que nos são caras, importantes, sem termos uma ponte? Não podemos deixar que as paixões partidárias e ideológicas nos impeça de fazer o principal na arte da política: dialogar”, diz Otoni.

Nascimento e Greyce foram procurados para comentar o assunto, mas ainda não retornaram. O espaço segue aberto.

Conheça os postulantes

Otoni de Paula: Vice-presidente da FPE, está em seu segundo mandato como deputado federal. Inicialmente aliado de Bolsonaro, afastou-se gradualmente do grupo político do ex-mandatário após as eleições de 2022, defendendo uma postura de diálogo com o governo sem deixar de reafirmar o caráter conservador da bancada. Nas eleições municipais de 2024, diante da recusa da equipe de Alexandre Ramagem (PL-RJ) em ouvir suas propostas, apoiou a candidatura de Eduardo Paes (PSD) no Rio de Janeiro, um ato visto por grande parte do grupo político de Bolsonaro como uma traição.

Gilberto Nascimento: Foi um dos fundadores da FPE durante seu primeiro mandato como deputado federal. Não se reelegeu em 2006, mas retornou à Câmara em 2015. Em 2023, foi eleito suplente para a Mesa Diretora da Casa. Chegou à Casa pela primeira vez no PSB, transitando entre partidos até 2011, quando se estabeleceu no extinto PSC. Apoiou o pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff e fez parte das bases de apoio dos presidentes Michel Temer e Bolsonaro.

Greyce Elias: Advogada e produtora rural, é a única na disputa que não atua como pastora evangélica. Apresentando-se como uma candidatura alternativa, ela possui trânsito nos dois lados: consolidou sua carreira política ao redor de interesses regionais, atuando em conjunto tanto com o governo Bolsonaro quanto com o governo Lula. Apesar de pertencer a um partido pequeno, com apenas quatro assentos na bancada, o motivo de sua participação na disputa é exatamente o elemento que pesa em seu favor: ela é a única mulher candidata, e concorre sabendo da possibilidade de angariar votos sobre essa lacuna.

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Last Update: 24/02/2025