Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano que foi atacado por Donald Trump como ‘ditador‘, recebeu líderes europeus em Kiev, nesta segunda-feira 24, data que marca os três anos da guerra que seu país vive com a Rússia. 

Cercado por escombros na praça de Independência, simbolizando os efeitos dramáticos do conflito, o mandatário ucraniano abandonou a moderação adotada no final do ano passado, quando dizia que a diplomacia seria necessária para pôr fim ao conflito, e destacou que pretende “alcançar a paz por meio da força”.

“A guerra continua contra a Ucrânia e, portanto, a Ucrânia deve estar na mesa de negociações. Junto com a Europa. O alvo estratégico da Rússia é a Europa, o modo de vida europeu e, portanto, a segurança e o destino da Europa não podem ser determinados sem a Europa”, alertou Zelensky.

Em outros momentos, um discurso dessa natureza seria seguido para costumeira aclamação que o mundo ocidental conferiu às palavras do mandatário ucraniano, sendo ele mesmo o símbolo da resistência de um país invadido pelas tropas de Vladimir Putin. Agora, neste aniversário de três anos, as palavras distintas de Zelensky contrastavam com o seu entorno.

Lideranças de países como Finlândia, Espanha, Suécia, Dinamarca, Letônia e Islândia estiveram presentes em Kiev, bem como a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, António Costa. Mas os pesos-pesados da Europa – Alemanha, França e Reino Unido, por exemplo – preferiram participar por videochamada. Emmanuel Macron e Keir Starmer devem ir a Washington nesta semana.

Nem toda a Europa esteve presente pessoalmente na reunião sobre os 3 anos da guerra da Ucrânia.
Foto: Gleb Garanich / POOL / AFP

E é nos Estados Unidos, justamente, que se encontra a voz que tenta executar a mais aguda mudança no curso da guerra: a de Donald Trump. Tentando cumprir a sua promessa de acabar com o conflito o mais rápido possível, o republicano desagradou europeus, ameaçando abandonar o continente à própria sorte

Nesses três anos, o conflito no leste do Velho Mundo passou por reviravoltas, frustrações e uma sensação de engasgo por vários meses. A Ucrânia teve força tímida para contra-atacar a invasão, mas a Rússia, pressionada economicamente, tampouco dominou o território ucraniano como deu a entender logo no início. Os EUA tendem a sair do papel de grande fiador da ajuda militar ucraniana. E o Kremlin, sempre cercado de mistério, agora vê o baluarte do Ocidente (EUA, leia-se) propor uma negociação mais amigável às pretensões de Putin.

Putin e Trump conversam por telefone e anunciam primeiro passo das negociações para um acordo de paz na Ucrânia.
Fotos: SAUL LOEB e Evgenia Novozhenina / various sources / AFP

No campo de batalha

Antes da guerra, Ucrânia e Rússia já tinham motivos mais do que suficientes para terem uma relação territorial tensa: em 2014, Putin arrancou à força a Crimeia, no norte do Mar Negro, das mãos dos ucranianos. Naquele momento, Moscou conseguiu agregar apoio de ucranianos separatistas, uma parcela da população importante em meio ao secular conflito sobre se, social e culturalmente, a Ucrânia é um país autônomo ou a expressão da “pequena Rússia”, como, historicamente, parte dos russos se referem aos vizinhos.

Só que, motivado pelo que chamava de “provocações” da Otan – basta lembrar o icônico discurso feito em Munique, em 2007, quando alertou para os limites do modelo de globalização pós-derrocada da União Soviética -, Putin partiu para o território ucraniano naquele fevereiro de 2022. Em pouco tempo, dominou áreas do leste e do nordeste da Ucrânia, incluindo cidades como Mariupol e Luhansk.

O que parecia um xeque-mate nas forças ucranianas acabou não acontecendo. A dificuldade das tropas russas de dominarem Kiev, por exemplo, mostrou que o poderio – inegavelmente superior ao da Ucrânia – não foi tão avassalador. Some-se a isso as ajudas cada vez mais vultosas de europeus e norte-americanos a Kiev, o que, se não inverteu totalmente a dominância territorial, organizou a resistência.

Mas, na hora de mostrar o tamanho da sua contraofensiva, a Ucrânia também não pôde deixar de revelar a sua insuficiência. A imersão em áreas como Kursk representaram um golpe inesperado para Putin, mas, dada a impossibilidade de expulsar de vez as tropas russas, os próprios militares ucranianos arrefeceram. Nesse tempo, Zelensky teve dificuldades no recrutamento militar e passou a sentir o aumento das deserções.

Ao longo de três anos, porém, algumas questões jamais deixaram de estar no campo da incerteza. Exemplo: um eventual acordo pelo fim do conflito envolveria a entrada da Ucrânia na Otan? Zelensky estaria realmente disposto a reconhecer que não é capaz de recuperar territórios? Qual é o real patamar de apoio da China à economia russa, isolada do mundo ocidental por conta das tantas sanções aplicadas desde o início de 2022?

Se essas perguntas ainda não comportam respostas concretas, o que se sabe é que, com o seu pragmatismo impaciente, com sua imprevisibilidade no campo diplomático, e com seu histórico de simpatia com Putin, Trump decidiu mudar as regras do jogo e tentar estancar a sangria, ainda que a proposta de paz passe longe do desejo de Zelensky.

Região de Odesa, bombardeada pela Rússia.
Foto: Oleksandr GIMANOV / AFP

Qual o custo da guerra?

A primeira e mais evidente forma de mensurar os custos de uma guerra é buscando saber quanta morte o conflito causou. No caso do conflito entre Rússia e Ucrânia, muitas das informações sobre o total de mortos são consideradas estratégicas pelas forças de inteligência.

Ainda assim, entidades como o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla inglês) tentam dar uma dimensão do custo humano. Segundo o ISW, mais de 700 mil soldados russos já teriam sido mortos ou feridos, enquanto esse montante soma cerca de 400 mil do lado ucraniano. 

Mas a guerra reconfigura a vida de quem não está no campo de batalha. Nesses três anos, o conflito provocou aquela que a agência de refugiados das Nações Unidas define como a maior crise de deslocamento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a entidade, foram 6,9 milhões de refugiados ucranianos, dos quais mais de 90% foram para países europeus. Só o deslocamento interno – ou seja, dentro do próprio território ucraniano – passou a ser uma realidade para cerca de 4 milhões de pessoas.

Do ponto de vista estritamente econômico, o custo é alto para todos os lados. Apenas para citar os exemplos de EUA e União Europeia (UE), o país norte-americano doou quase 45 bilhões de dólares em ajuda econômica à Ucrânia, enquanto a UE doou pouco mais de 31 bilhões de dólares, segundo o Ministério das Finanças da Ucrânia.

Somados os gastos militares, de ajuda financeira e humanitária, a UE já repassou 138 bilhões de dólares aos cofres ucranianos, enquanto os EUA contribuíram com 119 bilhões de dólares, segundo dados do Instituto Kiel para a Economia Mundial (IfW).

Só que Trump quer fazer com que os EUA deixem de ser doadores e passem a ser credores da Ucrânia. Um dos eixos da negociação pelo fim do conflito passa pela autorização para que os EUA tenham acesso a minerais raros no território ucraniano.

Essa “terra rara” comporta metais usados na indústria da tecnologia. É lá que estão 21 das 30 substâncias que a UE considera “metais brutos essenciais”, que representam cerca de 5% das reservas de todo o mundo. O problema é parte considerável desses minerais está em território dominado atualmente pelas tropas russas.

No início de fevereiro, Trump disse à imprensa norte-americana que quer “o equivalente a 500 bilhões de dólares em terras raras”, um valor que salta aos olhos, mesmo diante do custo que os EUA vem tendo com a guerra. De início, Zelensky rechaçou por completo a ideia, mas, no último domingo 23, admitiu “estar pronto para conversar sobre minerais” com os norte-americanos.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 24/02/2025