A União Democrata-Cristã (CDU) em bloco com a União Social-Cristã (CSU) venceu neste domingo (23) as eleições federais na Alemanha, ainda que sem maioria absoluta, iniciando um processo complexo de negociações para formação do novo governo. O parlamento alemão, o Bundestag, elegeu 630 representantes.

O pleito confirmou a ascensão da extrema direita, com a Alternativa para a Alemanha (AfD) dobrando sua bancada no Bundestag, enquanto o Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler Olaf Scholz, e seus antigos parceiros de coalizão sofreram fortes derrotas.

A eleição, antecipada após o colapso da coalizão semáforo, registrou uma participação de 82,5% do eleitorado, um aumento significativo de 5,9 pontos percentuais em relação a 2021, quando 76,6% foram às urnas.

A CDU, liderada por Friedrich Merz, obteve 28,6% dos votos, consolidando-se como a maior força política do país, enquanto a AfD, impulsionada pelo voto no leste alemão, conquistou 20,8%, seu melhor resultado.

O resultado eleitoral representou um golpe duro para a antiga coligação semáforo, formada por SPD, Verdes e os liberais (FDP). O partido de Olaf Scholz sofreu uma de suas piores derrotas, ficando com 16,4% dos votos e apenas 104 assentos, um cenário que pode custar ao atual chanceler sua posição de liderança dentro da legenda.

Os Verdes, que nas eleições de 2021 conquistaram 14,8%, caíram para 11,6%, enquanto o FDP não conseguiu ultrapassar a cláusula de barreira de 5%, registrando apenas 4,3% dos votos e perdendo representação parlamentar.

Porcentagem de votos por partido (entre parênteses os resultados de 2021):
CDU/CSU: 28,6% (24,1%)
AfD: 20,8% (10,3%)
SPD: 16,4% (25,7%)
Verdes: 11,6% (14,8%)
Die Linke: 8,8% (4,9%)
FDP: 4,3% (11,5%)
BSW: 4,972% (N/A)

Número de assentos conquistados por partido (entre parênteses os resultados de 2021):
CDU/CSU: 180 (197)
AfD: 149 (83)
SPD: 103 (206)
Verdes: 73 (118)
Die Linke: 55 (39)
FDP: 0 (92)
BSW: 0 (N/A)

CDU vence, mas deve enfrentar desafios para governar
A União Democrata-Cristã (CDU) e sua aliada bávara União Social-Cristã (CSU) conseguiram 179 assentos no Bundestag, o suficiente para garantir a vitória, mas não para governar sozinhos.

O partido de Merz agora busca construir uma coalizão viável, e as opções no horizonte incluem uma grande coalizão com o SPD, algo que, por ora, os sociais-democratas rejeitam publicamente, ou uma aliança com os Verdes, que, embora resilientes, também perderam votos nesta eleição.

As negociações para a formação do governo devem ser prolongadas. Após o resultado das eleições, o líder da direita prometeeu anunciar “no mais tardar” até a Páscoa, em 20 de abril.

A imprensa alemã aponta que um governo instável pode prolongar a crise econômica e política do país, agravando a já delicada situação da maior economia da Europa.

Entre as possibilidades aventadas, uma grande coalizão entre CDU/CSU e SPD é vista como a mais provável, já que garantiria 52,1% dos assentos.

No entanto, divergências ideológicas podem dificultar as negociações, já que enquanto a CDU defende cortes amplos de impostos, o SPD propõe aumentos tributários para os mais ricos e, assim, manter o estado de bem-estar social.

O histórico de governos de coalizão entre os dois partidos mostra que esse modelo já funcionou quatro vezes desde a Segunda Guerra Mundial, mas a guinada de Merz para a direita pode tornar esse arranjo mais instável.

Outra possibilidade é a coalizão “Kiwi” entre CDU/CSU e Verdes, que alcançaria 46,5% das cadeiras, mas sem maioria absoluta. Embora compartilhem visões semelhantes na política externa, principalmente no apoio à Ucrânia, a CDU e os Verdes têm diferenças significativas em temas como imigração, especialmente após Merz ter aprovado medidas mais rígidas com apoio da AfD, o que gerou forte oposição dos ambientalistas.

Caso uma aliança de dois partidos não seja viável, pode surgir a coalizão “Quênia” (CDU/CSU, SPD e Verdes), que garantiria uma ampla maioria de 65,6% dos assentos.

Esse modelo, raro na política alemã, seria uma alternativa para evitar novas eleições, mas exigiria um alto grau de negociação e concessões entre os partidos. Um outro arranjo improvável seria a chamada coalizão “Alemanha” (CDU/CSU, SPD e FDP), com 52,1% das cadeiras. No entanto, as tensões entre SPD e FDP, que já levaram ao colapso da coalizão semáforo, dificultam essa possibilidade.

Ascensão da extrema direita e fortalecimento da AfD
A Alternativa para a Alemanha (AfD) consolidou-se como a segunda maior força política do Bundestag, dobrando sua bancada para 149 assentos. O partido ultradireitista, que construiu sua campanha com um discurso anti-imigração, teve grande apoio no leste da Alemanha, onde liderou a votação em vários estados.

Apesar do crescimento expressivo, a AfD deve continuar isolada politicamente, uma vez que os demais partidos reiteraram que não formarão coalizões com a legenda. A eleição também foi marcada pelo apoio internacional que a AfD recebeu, incluindo declarações favoráveis do bilionário Elon Musk e do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, o que gerou críticas de interferência estrangeira no processo eleitoral alemão.

O avanço da AfD preocupa setores políticos e sociais, uma vez que, mesmo sem compor o governo, a legenda terá maior influência nos debates parlamentares e poderá pautar temas como imigração e segurança de forma mais incisiva.

A esquerda se reestrutura e volta ao jogo

O partido A Esquerda (Die Linke) surpreendeu ao alcançar 8,8% dos votos, dobrando seu desempenho de 2021. A legenda havia enfrentado uma crise interna nos últimos anos, com deserções e a criação de um novo partido concorrente, mas conseguiu se recuperar, impulsionada por novas lideranças jovens e forte presença digital.

Um dos destaques da campanha foi a deputada Heidi Reichinnek, de 36 anos, que usou as redes sociais para alcançar um eleitorado jovem e viralizou no TikTok ao criticar as políticas de Friedrich Merz.

O sucesso digital da legenda foi crucial para mobilizar um público que, até pouco tempo atrás, parecia distante da HQesquerda tradicional.

Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), criada por dissidentes da Esquerda, não atingiu o limiar de 5% e ficou sem representação no Bundestag. O partido, que buscava ocupar um espaço entre a esquerda tradicional e a extrema direita, perdeu força na reta final da campanha, sendo superado pelo crescimento inesperado da Die Linke.

A exclusão da BSW do parlamento diminui o grau de fragmentação das bancadas e fortalece a posição da CDU na formação de coalizões.

Sistema eleitoral e a nova composição do Bundestag

A eleição alemã seguiu um sistema eleitoral misto, que combina votos distritais e proporcionais:

Cada eleitor tem dois votos: – um para um candidato distrital e outro para uma lista partidária estadual.
299 assentos são preenchidos pelo voto distrital (majoritário).
-Os demais são distribuídos de forma proporcional, de acordo com os votos recebidos pelas listas estaduais dos partidos.

A nova configuração do Bundestag será confirmada oficialmente pelo Comitê Eleitoral Federal em 17 de março de 2025, quando o resultado final será homologado.

Impactos econômicos e desafios do novo governo

A incerteza política pode prolongar a crise econômica na Alemanha, que já sofre com estagnação do PIB, alta nos custos de energia e perda de competitividade industrial. A CDU defende cortes de impostos para empresas, mas enfrenta críticas por não apresentar uma proposta clara de compensação fiscal.

Outro ponto crítico é a manutenção do freio da dívida (debt brake), que limita o déficit orçamentário e pode restringir investimentos públicos. Se a CDU precisar do FDP para governar, as chances de flexibilizar a regra serão mínimas, mantendo a política de austeridade e adiando reformas estruturais.

A imprensa alemã alerta que, se a nova coalizão não apresentar respostas concretas para a crise econômica, a insatisfação popular pode alimentar ainda mais o crescimento da extrema direita nas próximas eleições.

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Last Update: 24/02/2025