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O avanço do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) no cenário político do país europeu vem acompanhado do aumento de casos de xenofobia e racismo. A sigla aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a eleição parlamentar marcada para este domingo (23/2).
Uma reportagem publicada pela agência de notícias alemã Deutsche Welle (DW) nesta sexta-feira (21/2) apresenta relatos de brasileiros que dizem ter sido alvos de ofensas e constrangimentos dos mais variados tipos.
É o caso da estudante Isabel, que vive em Düsseldorf. Quando ela pediu para abrir uma conta em um banco, o empregado da instituição financeira perguntou se ela preferia ler o contrato em inglês — Isabel aceitou. “Ele disse que nesse caso aquele banco não era para mim, eu deveria virar as costas e ir embora. São experiências assim, nas entrelinhas.”
Contexto
Existem atualmente 15,6 milhões de imigrantes vivendo na Alemanha (19% da população). De acordo com pesquisa feita em 2024 pela plataforma de dados Statista, 15,3% dos alemães acham que os estrangeiros só querem aproveitar os benefícios sociais do país e 11% defendem a deportação dos imigrantes desempregados.
Um especialista ouvido pela DW relaciona o aumento de casos de xenofobia ao discurso anti-imigração dos políticos da AfD. “Quando os políticos dão um sinal para população, a população se sente autorizada a tratar mal estrangeiros. Isso não é um fenômeno da Alemanha, isso acontece em qualquer outro país europeu onde a direita ganhou uma expressão”, explica o sociólogo da Universidade Livre de Berlim Sergio Costa.
Ele afirma que a xenofobia é usada inclusive por políticos de partidos mais moderados, como o União Democrata Cristã (CDU), para não perder eleitores para a AfD. E cita, como exemplo, o candidato a chanceler Friedrich Merz (CDU), que tentou aprovar um projeto com a rejeição de imigrantes e restrições à reunificação familiar.
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Costa, contudo, ressalta que a xenofobia não nasceu com a criação da AfD, em 2013. Ele afirma que a discriminação começou a ganhar força com as transformações sociais resultantes da reunificação do país, em 1990.
Com o processo, os estados e as cidades industriais da Alemanha Oriental perderam relevância econômica, pautas relacionadas à diversidade social ganharam destaque e pessoas de origens variadas começaram a ocupar espaços na sociedade.
“Essa transformação não é aceita por todos os grupos. As pessoas veem na possibilidade de hostilizar estrangeiros uma forma ilusória de se rebelar contra uma influência perdida, a exemplo de homens que perderam parte da influência com o crescimento da igualdade de gênero.”
Panfleto xenófobo
Outra brasileira que passou por uma situação de xenofobia foi Daniela, que mora em Dresden. Ela recebeu pelo correio um panfleto da AfD que “imita” uma passagem de avião para deportação de imigrantes. “Foi um choque de realidade ver esse comportamento. Já teve outras situações de gente cuspindo do meu lado ou de não me cumprimentarem de volta. O fato de ser lida como branca no Brasil não me protegeu na Alemanha.”
Segundo a DW, a Embaixada do Brasil em Berlim não informou se recebeu denúncias desse tipo, mas o Ministério do Interior alemão diz que o número de queixas de racismo e xenofobia cresceu 813% de 2019 a 2023.
A presidente da ONG Janaínas, que ajuda brasileiras vítimas de xenofobia, avalia que um aumento da participação da AfD no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) pode deixar a vida dos imigrantes ainda mais difícil. “O receio vai fazer parte das nossas vidas, as microagressões vão aumentar, talvez haja uma ausência de políticas públicas que nos protejam.”
Em 2006, a Alemanha aprovou uma norma antidiscriminação que determina o pagamento de indenizações pelos autores do crime. No mesmo ano, foi criada a Agência Alemã de Antidiscriminação. O órgão presta assessoria aos imigrantes vitimados.
Originalmente publicado no ConJur
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