O último romântico do futebol carioca: Adail Braga

Por Rodrigo Medeiros

Escrever sobre assuntos que marcaram as nossas vidas não é uma tarefa fácil, principalmente quando eles mexem com paixões e outros sentimentos profundos do nosso ser.

No entanto, nos últimos dias, li uma publicação em rede social do meu amigo (“primo”) Ney Braga dizendo que seu pai, o “tio” Adail, está passando por momentos delicados em termos de saúde.

Tal fato me fez recordar os momentos finais da vida do meu pai, do qual Adail Braga era muito amigo desde a juventude em Cachoeiro (ES).

O texto presente é, em certa medida, uma homenagem a uma geração de apaixonados pelo futebol e que me formou como cidadão. Adail Braga foi diretor das categorias de base do Clube de Regatas do Flamengo (CRF) e revelou muitos craques para o futebol: Bebeto, Marcelinho Carioca, Aldair, Athirson, Sávio, Paulo Nunes, Leonardo, Zinho e Adriano “Imperador”, entre outros jogadores.

Bebeto, Aldair, Leonardo e Zinho foram campeões mundiais pela seleção brasileira em 1994.

As categorias de base desempenham um papel crucial no desenvolvimento de talentos no futebol, atuando como a principal via de formação de jovens atletas para o esporte profissional.

No Brasil, o esporte é visto como uma possível rota de escape da pobreza para muitos jovens talentosos que, através do futebol, encontram uma maneira de alcançar estabilidade financeira e reconhecimento social.

Entretanto, a jornada pelo futebol não deve se restringir apenas à obtenção de sucesso esportivo e social; há também a imprescindível necessidade de fomentar a formação de cidadãos conscientes e responsáveis nas categorias de base. Nesse sentido, pessoas como Adail Braga fizeram a diferença positiva nas vidas de muitos jogadores.

Recordo-me que nos anos 1980, quando um jogador, um cabeça de área recém promovido para o elenco profissional do Flamengo, estacionou o seu carro novo na Gávea para o treino. Adail olhou para o carro e disse diretamente para o jogador: “você deveria ter comprado uma casa para a sua mãe morar, não um carro para passear com mulheres bonitas; devolva o carro na concessionária e providencie a casa para a sua família”. A carreira do jogador é curta e a maioria não será exitosa, ele sempre dizia.

Adail nos disse que o Flamengo é mais do que um time de futebol, é quase uma religião, pois mistura fé, paixão, amor e mística. O mascote do Flamengo, o urubu, foi adotado em resposta a uma provocação racista que as outras torcidas faziam com o time, que tinha grande número de negros entre os torcedores.

Em outro episódio na Gávea, Adail me apresentou a dois ex-jogadores de um passado glorioso do futebol brasileiro: Dida e Joel. Ele disse então que Pelé e Garrincha haviam sido reservas deles na seleção brasileira de 1958. Na condição de adolescente ignorante, achei que ele estava debochando de mim.

Ao chegar em casa, meu pai disse que era tudo verdade. Até os melhores craques, gênios inigualáveis, precisam começar as suas trajetórias por baixo, buscando oportunidades e aguardando o tempo para brilhar.

A geração do meu pai jogou bola e teve amigos que lograram sucesso na carreira. Cito o caso do falecido Jair Bala, que jogou no Santos com o rei Pelé e o substituiu após o milésimo gol no Maracanã, em 1969.

Tratava-se de um futebol diferente, romântico em muitos sentidos, jogado com a elegância que nos trouxe o tricampeonato mundial. Essa geração derrubou o complexo de vira-lata no futebol, algo que não foi bem aproveitado em outros setores da vida nacional.

Neste tempo em que a família de Adail Braga passa por momentos difíceis, deixo aqui a minha solidariedade. Convoco todos aqueles que conviveram com ele para que busquem contato com Ney Braga, pelo Facebook (https://www.facebook.com/neyeduardo.fernandesbraga).

As saudades das tardes de domingo no Maracanã com Ney, Mário André, Adail, Fabiano Bueno e meu pai são enormes, principalmente aquelas tardes vividas nos anos 1980, quando uma constelação de craques desfilava elegância e talento em campo.

Não íamos ver jogar apenas Zico, Leandro, Adílio, Andrade e companhia. Jogadores formados na base, alguns citados acima, já brilhavam ao lado de estrelas consagradas do futebol no time principal. Se dizia inclusive na época com orgulho que craques o Flamengo faz em casa.

Com Adail aprendi que o futebol é também o que ocorre fora do campo, na formação humana dos jogadores e nos cuidados da parte de quem tem a responsabilidade de dirigir talentos para a vida.

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Last Update: 22/02/2025