O conluio dos meios de comunicação com a Lava Jato foi um dos pontos mais baixos de uma história não muito edificante do jornalismo brasileiro. Denúncias e powerpoints mereciam o carimbo de verdade incontestável. Repórteres autoproclamados investigativos, o tempo mostrou, não passavam de ajudantes-de-ordens da República de Curitiba. Eram os Mauros Cids de Sergio Moro, dispostos a falsificar “as carteiras de vacinação” dos fatos. Foram cúmplices de um projeto político-financeiro-partidário que resultou na destruição de empregos e renda e na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
É louvável, portanto, um certo distanciamento da mídia diante da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o capitão e seus associados na tramoia golpista. Apontar eventuais falhas, ressaltar o contraditório, dar voz à defesa são princípios básicos do exercício da profissão. Bolsonaro, como qualquer cidadão, tem direito à ampla defesa (aparentemente, só o presidente Lula não). Jornalista não é promotor, delegado ou juiz, embora muitos acreditem que sejam.
Vai, no entanto, uma longa distância entre exercer o jornalismo crítico e independente e distorcer a realidade em nome de uma tese. Na edição da sexta-feira 21, a Folha de S. Paulo, entre outras, estampa o seguinte título: “PGR omitiu falas de Mauro Cid que contrastam com denúncia contra Bolsonaro”. Chamada e reportagem servem a uma fake news espalhadas pela defesa dos acusados, a teoria de que a denúncia do procurador-geral Paulo Gonet se sustenta exclusivamente na delação do tenente-coronel, um militar frágil que mudou as versões em diferentes depoimentos e desmaiou em uma das sessões (simbólico da bravura dos nossos militares. Oxalá o Brasil não seja obrigado a entrar em guerra).
Nada mais falso do que a suposta indiferença de Bolsonaro ante a possibilidade de ir para a cadeia. “Caguei”, afirmou o ex-presidente, com a costumeira elegância no linguajar. Freud explica. O capitão, constatam inúmeros relatos, foi acometido por uma desinteria incontrolável nos últimos dias. Os apelos desesperados por um perdão, o périplo por gabinetes no Congresso, o pedido de socorro ao governo Trump, antes mesmo do recebimento da denúncia pelo STF, atestam o desespero do “líder do golpe” – outro símbolo da coragem verde-oliva.
A denúncia da PGR não reflete somente a delação de Cid. As confissões do ajudante-de-ordens foram comparadas às centenas de provas produzidas pelos próprios golpistas. Mensagens, documentos oficiais e extraoficiais, minutas, áudios, depoimentos. A quantidade de evidências é irrefutável. Basta se dar ao trabalho de ler as mais de 200 páginas oferecidas por Gonet, em uma linguagem clara e didática, um relato linear dos acontecimentos antes, durante e depois das eleições de outubro de 2022. Até Bolsonaro será capaz de entender o que está escrito.
Gonet não ignorou, como quer dar a entender a Folha de S. Paulo, partes da delação. Cotejou os relatos de Cid com outras provas e apresentou a denúncia ao STF. Retirou as incongruências, evitou as armadilhas. Fez o que a República de Curitiba se recusou a fazer, chancelada pelo chamado “jornalismo profissional”: evitou acusar com base apenas nas palavras de delatores.
Há um padrão nesse comportamento de parte dos meios de comunicação. Aqueles que serviram de braço midiático da Lava Jato, de forma acrítica, e conduziram um linchamento público dos suspeitos de ontem agora catam pelo em ovo para tentar desmoralizar um trabalho criterioso e consistente do Ministério Público como há muito não se via. Tudo como dantes.