A insatisfação com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais de 2022 levou militares a afirmarem ao tenente-coronel Mauro Cid “que alguma coisa tinha que ser feita” na direção de uma mobilização que viesse gerar um estado de sítio no país.
Em depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, Mauro Cid revelou que soube das primeiras conversas em torno do “Punhal Verde-Amarelo” (o plano que incluía o assassinato de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin) em Goiânia.
“Eu ia comandar o Batalhão de Ações de Goiânia, e fui participar da reunião de comando para planejar o ano de 2023 que ia entrar”, disse Cid, ao lado dos advogados Vânia e Cesar Bittencourt.
“Eram dois, três dias de reunião e em uma dessas noites, quando eu tinha acabado a atividade, eu fui procurado pelo (coronel) de Oliveira e pelo (coronel) Ferreira Lima, que são colegas de trabalho. A data, foi entre 9, 10 e 11 de novembro”, cita o militar.
Segundo Cid, ambos expressavam “indignação com o que estava acontecendo no país, que alguma coisa tinha que ser feita” após a vitória de Lula no segundo turno das eleições presidenciais.
“Já tinha uma mobilização de massa muito grande, que o Exército tinha de fazer alguma coisa, que o presidente (Bolsonaro) não podia se omitir, que os generais não podiam se omitir”, afirmou Mauro Cid, deixando claro que esses militares estavam propostos “a fazer alguma ação que gerasse alguma mobilização de massa” e, assim, causando um caos institucional a ponto de o estado de sítio ser decretado pelo governo federal.
Conversas com Braga Netto
Mauro Cid disse que não tinha contato com lideranças e nem contato com os manifestantes. “E aí (os militares) sugeriram conversar com o general Braga Netto”.
O ex-ajudante de ordens afirmou que era o vice-presidente na chapa bolsonarista derrotada quem mantinha contato com os acampados na frente dos quarteis. “(Braga Netto) que tinha essa ligação, digamos, mais popular, a ligação com o pessoal do agro – e ligação, obviamente, com o presidente Bolsonaro”.
De acordo com o depoente, o coronel de Oliveira conhecia Braga Netto “de outros trabalhos” (eles atuaram juntos na intervenção militar realizada no Rio de Janeiro).
Os militares reunidos na casa de Braga Netto diziam que era preciso fazer alguma coisa “para que haja uma mobilização de massa, que haja alguma ação que tenha repercussão, que faça que o exército tenha que fazer uma coisa (…)”, mas Cid disse que não chegou a participar do debate de ideias.
“Quando chegou no nível das ideias, o general Braga Netto interrompeu e falou assim: “Não, o Cid não pode participar. Tira o CID, porque ele tá muito próximo ao Bolsonaro”, disse Cid. “Dois dias depois, o Major de Oliveira me liga, né? (…) Como eu não sabia de nada, nem tinha conversado com o General Braga Neto, também não perguntei, que era o meu perfil, falei: “Não sei, você que tem que me dizer”. Porque realmente eu não sabia o que que eles tinham falado, combinado ou planejado fazer. Aí ele fala assim: “Ah, estamos sem recurso, né? Alguma coisa assim, não temos recurso”.
“Vou tentar conseguir por outros caminhos”
Cid afirmou em depoimento que procurou Braga Netto após ser questionado pelo major. “Não sabia do que tinham planejado e falei: “General, eu não sei o que foi conversado aí, mas eles estão precisando de dinheiro””.
Braga Netto chegou a questionar se o partido (PL) conseguiria bancar alguma coisa, no que Cid afirmou não acreditar. “Eu achava que eles queriam encorpar as manifestações, trazer grupos de motoqueiro, né? Para poder encorpar e ter um pessoal conhecido, digamos assim, na mão. Aí, ele me manda o primeiro documento, que foi aquele “Copa 2022”, que a Polícia Federal não conseguiu abrir. Naquele documento, naquele documento tava descrito que eles precisavam de hotel, carro, passagem aérea”,
O tenente-coronel chegou a afirmar que o valor de R$ 100 mil que ele citou inicialmente foi, de alguma forma, em tom de brincadeira, já que ele não tinha ideia dos gastos. “O general Braga Netto me orientou a perguntar se o partido poderia custear isso aí. Aí eu fui conversar com o coronel lá que era responsável pelo partido (…) Inclusive ele viu o documento, eu imprimi o documento e mostrei para ele o documento, né, esse documento inicial que tinha só as relações”.
Ao ouvir que o partido não poderia trazer manifestantes ou apoiar, Mauro Cid disse ter voltado a falar com Braga Netto, que disse que ia “tentar conseguir por outros caminhos. “Não me recordo a data, mas uma ou duas semanas depois, o General Braga Neto me entrega dinheiro (…) Ele me entregou um, era tipo aquele de presente de vinho, com dinheiro. Eu não contei, não sei quanto, tava grampeado, né? E aí o de Oliveira veio buscar o dinheiro. Então eu peguei o dinheiro e passei para o de Oliveira”.