Os vídeos da delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, tornados públicos nesta quinta-feira (20/02), revelam que o ex-presidente manteve até os últimos momentos a “chama acesa” na esperança de que as Forças Armadas agissem para impedir a posse de Lula, democraticamente eleito em 2022.
“O papai do céu sempre ajudou a gente. Vamos ver o que aparece aí”, disse Cid, parafraseando Bolsonaro, que vislumbrava encontrar algo para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro.
Os vídeos foram disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal um dia após a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
“O então presidente sempre dava esperanças de que algo fosse acontecer, para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”, concluiu Moraes, ao ouvir as explicações de Mauro Cid.
A permanência de manifestantes em frente aos quartéis também fazia parte dessa estratégia passiva para não levantar suspeitas, revelou Cid. “Bolsonaro não convocou, mas também nunca mandou o povo para casa”, disse. “Esse foi um dos motivos pelos quais Bolsonaro não desmobilizou o povo nas ruas”.
A intenção era manter a pressão popular, na esperança de que alguma evidência contra o resultado das urnas surgisse para convencer os militares a agir. “Ele tinha esperança até o último momento, até que um dia falou: ‘O papai do céu sempre ajudou a gente. Vamos ver o que aparece aí’ […] Então, eu acho que era o que passava na cabeça do presidente”, relatou Cid.
A esperança de um golpe, no entanto, foi esmorecendo entre os próprios militares. Segundo o depoimento, “depois do Natal, já estava morto qualquer coisa que poderia acontecer”. O último suspiro teria sido um vídeo do general Walter Braga Netto, gravado diante de manifestantes, no qual dizia: “Não desistam, ainda vai ter surpresa”.
Mauro Cid revelou essas informações sobre a “chama acesa” após ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre os financiadores do movimento golpista, que cobravam a realização de um “churrasco” — codinome para o golpe — por terem contribuído com “a carne”.
Os financiadores do golpe e a cobrança pelo “churrasco”
A troca de mensagens que revelou essa cobrança ocorreu entre Cid e Aparecido Andrade Portela, suplente da senadora e ex-ministra do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (PP-MS). Já dentro do governo, o principal elo com o agronegócio — um dos setores centrais no financiamento das articulações golpistas — era o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
“‘O pessoal que colaborou com a carne está me cobrando se vai ser feito mesmo o churrasco’. Cid responde: ‘Vai sim, ponto de honra’“. A troca de mensagens fazia referência direta a esses financiadores, que não apenas custearam a alimentação dos manifestantes, mas também forneceram logística e infraestrutura para manter os acampamentos em frente aos quartéis.
“O pessoal do agro, não vendo nada acontecer, cobrava. Eles queriam, eles achavam que ia acontecer alguma coisa. Estavam naquele, ‘é hoje. Hoje vai acontecer’. Então, eles estavam nessa angústia de esperar que fosse dado o golpe, que o presidente assinasse um decreto e as Forças Armadas começassem a fazer alguma coisa. Era o que acontecia, ainda mais nesse período, que foi um período em que eles começaram a ir para frente do Alvorada, né?”.
Diante das evidências, Moraes confrontou Cid sobre o significado da mensagem:
Moraes: “Ele [Portela] pergunta: vai ser feito mesmo o churrasco? O que seria? O golpe? O que eu quero entender melhor é a sua resposta. O senhor disse: ‘vai sim, ponto de honra’. O que o senhor quis dizer com isso?”, disse Moraes, que depois reiterou a pergunta “Obviamente, não era a picanha que não estava acabada, não é, coronel?“.
Cid: “Ministro, eu acho que o contexto foi, que era que o presidente ainda mantinha a chama acesa, que pudesse acontecer alguma coisa.”
Moraes: “O senhor mantinha a chama acesa? O senhor acreditava que dava para dar o golpe até o último minuto?”
Cid: ”Não, senhor”.
Em um dos momentos que discutiam as articulações golpistas no final de 2022, no entanto, para blindar Bolsonaro, Cid afirmou que o general Walter Braga Netto ordenou que ele fosse retirado de uma reunião em que o tema ganhava contornos mais concretos.
“Não, o Cid não pode participar, tira o Cid porque ele está muito próximo a Bolsonaro”, teria dito Braga Netto.
Com a recente denúncia da PGR contra Bolsonaro e outros investigados pela Polícia Federal por tentativa de golpe, a delação de Mauro Cid reforça o papel do ex-presidente como instigador na intentona golpista, ainda que não tenha formalmente ordenado uma intervenção. “Bolsonaro não convocou, mas também nunca mandou o povo para casa”, delatou Cid.
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