A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos colocou novamente no noticiário o ataque a imigrantes e a xenofobia no país, o que acaba por tornar O Brutalista ainda mais atual do que o diretor norte-americano Brady Corbet poderia prever.

É claro que a história de um húngaro que busca recomeçar a vida na América depois de sobreviver ao Holocausto espelha os movimentos geopolíticos mundiais contemporâneos, mas, quando o filme teve a primeira exibição pública, no Festival de Veneza, em setembro de 2024, faltavam dois meses para o que viria a ser a reeleição de Trump. Em sua estreia no Brasil, na quinta-feira 20, o filme chega atualizado.

Frases como “eles não nos querem aqui” ou o desdém de alguns personagens diante de estrangeiros presentes em solo estadunidense extrapolam a abordagem historiográfica de Corbet. Se ele já queria refletir sobre o estado do mundo no século XXI a partir de um dos grandes traumas do século XX, o retorno de Trump ao poder faz com que o filme pareça, efetivamente, falar sobre agora a partir do horror de outros tempos.

A imagem da Estátua da Liberdade de ponta-cabeça, estampada no cartaz do filme, é uma referência explícita a um ­país que diz prezar a liberdade, mas que, na prática, não funciona bem assim. O longa-metragem de Corbet dialoga, num certo sentido, com Era Uma Vez em Nova York, drama de James Gray de 2014 também sobre imigração.

Corbet é um cineasta de apenas 36 anos, natural do Arizona. O Brutalista é o terceiro longa-metragem que dirige no período de uma década. O novo filme tocou fundo as plateias de Veneza, de onde ele saiu com troféu de melhor direção para tornar-se, dali em diante, o campeão de premiações na temporada.

Segundo levantamento do site VHS Cut, o trabalho de Corbet conta até o momento com 112 prêmios, somando quatro Baftas ganhos na semana passada: direção, fotografia, trilha sonora e ator, para Adrien Brody. O Brutalista concorre ao Oscar 2025 em 10 categorias, incluindo filme, direção e todo o elenco principal.

É um feito admirável para uma obra de 3h40 (contando intervalo de 15 minutos, inserido numa cartela regressiva na tela) que narra a saga de László Tóth, um arquiteto judeu que, sob o trauma dos campos de concentração, se muda para a Pensilvânia e é contratado por um empresário para projetar um conjunto de prédios numa área descampada e remota.

Brody interpreta Tóth com austeridade e dor. Convergem, para esse personagem, uma série de dramas: as dificuldades de recomeçar num país que não o deseja; a aflição pela ausência da esposa; e a desconfiança diante daqueles que o rodeiam para sugar seu talento, reconhecido na Europa antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Tóth é adepto do Brutalismo, estilo arquitetônico modernista caracterizado pelo uso ostensivo de concreto aparente, formas geométricas maciças e “brutas” e construções que valorizam menos a estética e mais a funcionalidade.

Mas o filme não trata explicitamente de arquitetura. A principal ideia de Corbet parece ser fazer do Brutalismo a metáfora do reerguimento duro do personagem, como se ele carregasse consigo as cascas do sofrimento vivido nos campos, da ruptura familiar e da inadequação geográfica.

As tensões são apresentadas com certa distensão temporal. É com vagar que a primeira parte de O Brutalista vai, a cada drama, a cada encontro, conquistando o espectador. É especialmente envolvente o desenvolvimento da intimidade entre László Tóth e o industrial Lee van ­Buren (Guy Pearce), que adota afetivamente o imigrante.

A segunda parte do filme, no entanto, provoca quebras no ritmo ao acelerar os acontecimentos, tornando-os mais melodramáticos e mergulhando o protagonista numa derrocada a galope. É nesse segmento que somos introduzidos à mulher de Tóth, Erzsébet (Felicity Jones).

O roteiro de O Brutalista foi escrito por Corbet, em parceria com Mona Fastvold, sua esposa, e o projeto levou sete anos para ser colocado de pé. O orçamento de 10 milhões de dólares é relativamente baixo num cenário de produções gigantescas em Hollywood.

Além da ambição de retomar a tradição do grande épico americano contemporâneo, à semelhança de Sangue Negro, lançado por Paul Thomas Anderson em 2007, Corbet filmou em VistaVision, com registro em alta resolução da película de 35 milímetros. Criado pela Paramount nos anos 1950, esse formato foi muito utilizado no século passado para dar mais detalhamento e profundidade de campo às imagens.

Pouco ou nada do VistaVision original será visto no Brasil, uma vez que a projeção se dará em salas digitais. Mas, mesmo assim, é possível perceber as nuances, sobretudo, dos registros de obras arquitetônicas ou paisagens ampliadas.

Ironicamente, um filme tão cioso dos detalhes técnicos teve sua cota de controvérsias por usar recursos de Inteligência Artificial para aprimorar os sotaques húngaros de Adrien Brody e ­Felicity Jones em algumas cenas. Além disso, determinadas construções arquitetônicas mais amplas foram geradas também por IA. Mas a polêmica não parece ter contaminado a campanha para o Oscar de O Brutalista, até porque, nessa sea­ra, ­Emilia Pérez mostrou-se imbatível. •

Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Arquitetura da perseguição’

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Last Update: 20/02/2025