O Tribunal do Júri de Curitiba condenou, na sexta-feira 14, o policial penal Jorge Guaranho a 20 anos de prisão pelo assassinato do guarda municipal e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo Arruda. Após a decisão dos jurados, a juíza Mychelle Pacheco Cintra Stadler determinou o recolhimento do condenado a uma unidade prisional para o “início imediato do cumprimento da pena”. A família da vítima parecia aliviada com o resultado do julgamento, que havia sido adiado três vezes devido a manobras protelatórias da defesa, mas essa sensação durou pouco. No dia seguinte, o desembargador Gamaliel Seme Scaff concedeu ao apenado o benefício da prisão domiciliar. Menos de 24 horas depois, Guaranho voltou para casa.
A defesa havia ingressado com um habeas corpus preventivo, solicitando que o réu permanecesse em prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica, como ocorria desde setembro de 2024. Em seu despacho, Scaff acatou o pedido por “razões humanitárias”. Segundo o desembargador, Guaranho “continua muito debilitado” devido às lesões sofridas quando a vítima revidou os disparos de arma de fogo. O Complexo Médico Penal de Pinhais, para onde o condenado deveria ter sido recolhido, “não tem condições de mantê-lo sob custódia”, acrescentou o magistrado.
A decisão não é definitiva, o mérito precisa ser analisado pelo plenário do Tribunal de Justiça do Paraná. Familiares e amigos de Arruda acreditam que Scaff tenha sido influenciado por convicções políticas pessoais. Nas redes sociais, o magistrado segue diversos políticos de extrema-direita e tem postado publicações elogiosas a figuras como Jair Bolsonaro. Durante a pandemia, por exemplo, chegou a compartilhar uma imagem do então presidente segurando duas caixas de medicamentos – uma de cloroquina e outra de ivermectina – que foram promovidos como soluções para a Covid-19, apesar de estudos científicos atestarem sua ineficácia. “Melhor isso do que ‘o nada’ que a OMS oferece em seu lugar”, escreveu na ocasião.
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Em casa. Scaff diz ter concedido o benefício a Guaranho por “razões humanitárias” – Imagem: Redes sociais
No ano passado, o magistrado também compartilhou uma fake news divulgada pelo governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, durante as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul. A publicação alegava que caminhões com ajuda humanitária estavam sendo impedidos de seguir viagem ao estado vizinho devido à falta de recolhimento de impostos. Mais recentemente, Scaff elogiou a “determinação de Elon Musk” e celebrou a vitória de Donald Trump nos EUA: “Congratulations to all our north-american friends. The true democracy won (Parabéns a todos os nossos amigos norte-americanos. A verdadeira democracia venceu)”.
Diante da repercussão negativa de sua decisão, o desembargador pediu uma reavaliação médica de Guaranho na segunda-feira 17 e afirmou, no despacho, que não é bolsonarista. “Houve um tempestuoso clamor público de parcela da militância das esquerdas, ao pressuposto de que o réu condenado no dia anterior teria sido posto ‘em liberdade’ porque o juiz seria bolsonarista e estaria ‘protegendo’ o assassino da vítima Marcelo, em absoluto desrespeito à viúva, familiares e companheiros. Isto nunca foi verdade. Não sou bolsonarista! Não importa o que digam ou achem”, escreveu. Por meio de nota, o magistrado acrescentou: “Faço questão de dizer que tal acontecimento (o assassinato de Arruda) também a mim causou e ainda causa enorme repugnância, seja pela estupidez de um crime absolutamente sem sentido, seja pelos resultados tão trágicos e de consequências tão avassaladoras para toda a família, para os companheiros de militância da vítima e para todas as pessoas de bem”.
O crime ocorreu em 9 de julho de 2022, durante a festa de aniversário de 50 anos de Arruda, uma celebração temática com as cores e emblemas do PT. Na ocasião, Guaranho passou de carro em frente ao salão, aos gritos de “aqui é Bolsonaro” e “Lula ladrão”. Eles discutiram e, mais tarde, o ex-policial penal voltou ao local e atirou contra o petista. Ferido no chão, Arruda revidou os disparos com sua arma funcional. “A intolerância política, ou seja, o não aceitar que o outro tenha preferências políticas diversas das suas, revela um traço intolerante da personalidade do acusado, além de egoísta e egocêntrico, desrespeitoso com a opinião e posição do outro”, diz trecho da sentença proferida pela juíza Mychelle Stadler, que considerou o crime como homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e por expor outras pessoas presentes na festa ao perigo de serem atingidas pelos tiros.
O magistrado se esquiva: “Não sou bolsonarista! Não importa o que pensem ou achem”
O Ministério Público do Paraná recorreu da decisão de Scaff e solicitou ao Tribunal de Justiça que seja negada a prisão domiciliar ao policial penal. A Promotoria destaca o “alto grau de belicosidade latente do paciente, externada de forma iniludível ante a gravidade do crime praticado”. Não caberia, portanto, um regime mais brando para cumprir a pena. Além disso, é evocada a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal, a estabelecer que “a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados”. O MP também observa que Guaranho não aparenta estar tão debilitado, “como se pode observar em vídeos veiculados na mídia, que captaram sua entrada e saída do fórum, bem como nas imagens de seu interrogatório em plenário”.
Daniel Godoy Júnior, advogado da família de Marcelo Arruda, apresentou uma apelação contra a decisão do desembargador. “Nós não podemos transformar uma dificuldade episódica, momentânea, que até agora não está bem esclarecida, em uma sensação de impunidade. Essa perícia médica, somada às condições do complexo penal, é que vai permitir que o Tribunal de Justiça adote uma decisão equilibrada e lastreada em provas.” Já a viúva, Pâmela Silva, preferiu não comentar a decisão de Scaff. •
Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Justiça incompleta’