Há um aspecto intrigante e alarmante da nossa história recente. O Brasil segue com defasagem de poucos anos o que acontece nos Estados Unidos! É um novo “efeito Orloff”.
O que é isso? O leitor mais velho haverá de se lembrar. Nos anos 1980, a vodca Orloff lançou uma propaganda que garantia não provocar nenhuma ressaca, acrescentando a frase que correu o País: “Eu sou você amanhã”. Naquela época, havia uma intrigante semelhança entre as trajetórias da Argentina e do Brasil. O assim chamado efeito Orloff era a nossa compulsão a repetir a experiência infeliz da nossa querida vizinha.
Pois agora temos um novo e preocupante efeito Orloff, desta vez com os EUA. Senão, vejamos.
Os EUA elegem Trump em 2016, o Brasil elege Bolsonaro em 2018. Bolsonaro, seus ministros e seguidores deixam escancarada a reverência por Trump e a sua crença na conveniência de segui-lo. Trump e Bolsonaro fazem governos tumultuados, sem estratégia discernível. Vem a pandemia em 2020 e Bolsonaro imita, sem muito disfarce, a reação de Trump, cometendo os mesmos erros palmares. Trump e Bolsonaro fracassam no enfrentamento do desafio.
Em razão disso, Trump sofre derrota, por margem apertada, ao tentar se reeleger em 2020. Em parte, pela mesma razão, Bolsonaro sofre derrota em 2022 na busca do segundo mandato, também por pequena margem. Os dois perdem para adversários com perfil até certo ponto semelhante: Biden e Lula são políticos superexperientes, em idade avançada, ambos vistos, principalmente Biden, como partes do establishment político, do sistema de poder dominante nos seus países. Lula até parece um outsider, mas a ampla aliança que fez com setores da direita tradicional confere ao seu governo, na prática, um perfil centrista.
Mas não para aí a comparação. Trump e Bolsonaro denunciaram imediatamente uma suposta fraude nas eleições e patrocinaram, com mão de gato, uma tentativa de golpe de Estado. O 6 de Janeiro de 2021 lá, o 8 de Janeiro de 2023 aqui.
E o efeito Orloff continua! Depois de derrotado, assim como ocorreria a Bolsonaro, Trump passou a ser alvo de ataques: mal escapa da prisão, é tratado com bête noire pela mídia tradicional dos EUA e por grande parte do establishment político ao longo de quatro longos anos até 2024. Mas resiste a tudo isso, candidata-se novamente a presidente, sobrevive por pouco a um atentado e acaba vencendo, com vantagem clara, Kamala Harris, a vice-presidente de um Biden visivelmente envelhecido e senil, mas agarrado até o último momento à sua candidatura inviável. Biden foi um que, não sabendo o momento de sair do palco, foi dele retirado à força, de forma constrangedora. Kamala ficou com pouco tempo de campanha, o que ajudou a vitória de Trump.
Não se deve perder de vista, por último, uma também inquietante semelhança no campo macroeconômico, onde Biden colheu sucessos. Mesmo enfrentando poderosa oposição parlamentar do Partido Republicano, Biden obteve resultados econômicos positivos, em termos de PIB, inflação, emprego e desemprego, entre outros indicadores. Mas Kamala não foi capaz de converter esses resultados em votos.
A situação de Lula, hoje, não lembra a de Biden? Os resultados macroeconômicos e os indicadores sociais nos primeiros dois anos do Lula 3 estão entre razoáveis e bons, alguns muito bons. Falta, porém, apoio da população, a julgar por pesquisas recentes de opinião.
Não é fácil explicar o que está acontecendo. Mas, de novo, a experiência dos EUA dá pistas. Questionado, logo após a eleição, o que explicava a sua vitória, Trump foi direto, como costuma ser: “The prices of groceries” (os preços dos mantimentos). Ora, uma das explicações para a falta de apoio ao governo Lula parece ser justamente o custo da cesta básica, em especial o dos alimentos, prejudicando consideravelmente a maioria da população, em especial os mais pobres que gastam proporcionalmente mais com alimentos.
Como dizia a saudosa Maria da Conceição Tavares: “O povo não come PIB, come alimentos!”
O efeito Orloff persistirá? Os nossos olhares já estão voltados para 2026 – uma eleição presidencial de altíssimo risco para o Brasil, por motivos que não preciso agora recapitular.
O que fazer para interromper esse desgraçado efeito? Se ele for infalível, estamos lascados. Mas não acredito que seja. Há muito que pode ser feito para evitar a sua recorrência. Para alguns aspectos dessa discussão prática, remeto o leitor ou a leitora para a versão mais completa deste artigo, publicada na Carta Online, e que contém, para fins de debate, algumas sugestões de como podemos nos livrar desse efeito Orloff. •
Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Donald Trump e o efeito Orloff’