Donald Trump completa um mês como presidente dos Estados Unidos nesta quinta-feira 20, e, desde a sua posse, deixou clara a sua determinação de cumprir as já radicais promessas de campanha que fazia no ano passado.
Das fronteiras dos EUA para dentro, vem sendo implacável na reformulação de estruturas básicas do Estado norte-americano: demitiu promotores da era Joe Biden, autorizou o seu chefe do Departamento de Eficiência Governamental, o empresário Elon Musk, a assumir o controle do sistema de pagamentos do Tesouro, e promoveu um verdadeiro retrocesso nas políticas de gênero.
Do lado de fora, a reviravolta foi ainda maior. Em um mês, Trump colocou as cartas na mesa contra adversários que ele considera estar em franca guerra comercial – a China, especialmente -, aplicando tarifas às importações norte-americanas, como ao aço e ao alumínio. Impôs uma espécie de ‘expulsão em massa’ de imigrantes ilegais, gerando conflitos com corpos diplomáticos do Brasil e da Colômbia, e chegou a ameaçar controlar a Groenlândia, o Canal do Panamá, o Canadá e até mesmo a Faixa de Gaza.
No seu mais contundente movimento diplomático até agora, vem liderando a negociação para o fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, confirmando a sua postura pró-Putin e desagradando europeus.
São tantas e tão importantes medidas tomadas pelo republicano que não é exagero dizer que o primeiro mês de Trump na sua segunda passagem pela Casa Branca pode ser entendido como uma mudança de era. É Trump o responsável por levar ao auge um fenômeno histórico que já vinha sendo sentido nos últimos anos: a diminuição da força de um modelo de globalização que tinha, justamente, os Estados Unidos como principal – e praticamente incontestável – líder.
Questões internas
Trump voltou ao poder prometendo aos norte-americanos a volta da ‘era de ouro’ do país. Em outros termos, venceu a eleição contra a democrata Kamala Harris porque convenceu – se, com argumentos condizentes ou não, é uma outra questão – trabalhadores norte-americanos de que conseguiria protegê-los da precarização do trabalho, da automatização e dos ‘riscos’ trazidos pelos imigrantes e pelo avanço da economia chinesa.
Mas, do ponto de vista do Estado, é preciso, segundo a gramática trumpista, organizar a casa. Para isso, ele designou Elon Musk para liderar o processo de enxugamento dos gastos públicos. No primeiro mês, a medida mais contundente nesse sentido foi o anuncio do fechamento da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional, a USAID (na sigla em inglês). Trump dispensou mais de dez mil funcionários e deixou países dependentes dos trabalhos da agência – especialmente, os mais pobres – carentes de perspectiva. Uma decisão da justiça norte-americana, porém, emperrou momentaneamente a proposta.
Mais ideólogo do que pragmático, decidiu fazer valer a sua ideia de que, nos Estados Unidos, só haveria dois gêneros: masculino e feminino. De 20 de janeiro até agora, o republicano decidiu banir pessoas trans das Forças Armadas dos EUA, cortou subsídios governamentais para escolas que permitem que estudantes trans sejam membros de equipes esportivas femininas e acabou com o financiamento governamental para cirurgias de transição de gênero em menores.
A América e os demais americanos
No campo da política externa, Trump usou o primeiro mês de governo para passar a seguinte mensagem aos países da América Central e da América do Sul: ‘vocês dependem mais do que nós do que nós de vocês’. A considerar a presença de imigrantes latinos na força de trabalho norte-americana, essa premissa pode não estar de todo correta, mas, ao menos na postura, Trump decidiu marcar posição como há muito não se via na diplomacia dos EUA.
Só em relação ao México, Trump anunciou que aplicaria um aumento de 25% nas alíquotas de importação do país vizinho, o que exigiu esforços diplomáticos dos mexicanos, que concordaram em contribuir mais para o combate ao narcotráfico, adiando a aplicação da taxa para março (em diante). Uma tarifa de importação de 25% também foi aplicada ao Canadá.
O caso mais agudo de poder diplomático aconteceu sobre o governo colombiano de Gustavo Petro. O mandatário sul-americano se recusou a receber aviões com imigrantes ilegais, até que Trump ameaçou taxar em incomuns 100% as importações colombianas. Petro teve que voltar atrás, apesar da bem-intencionada carta em que prometia resistir aos ditames trumpistas.
Guerra no leste europeu: pragmatismo anunciado
Menos de 24 horas depois de Trump ser eleito para o seu segundo mandato presidencial, em novembro do ano passado, o ucraniano Volodymyr Zelensky narrou o seu primeiro contato com o republicano recém-eleito e, entusiasmado com a promessa de Trump de acabar com a guerra mais rápido possível, disse esperar que “a América se torne mais forte”. “Este é o tipo de América que a Europa precisa. E uma Europa forte é o que a América precisa”.
Não foi preciso muito tempo se passar para Zelensky ter que lidar, a contragosto, com um Trump pouco disposto a investir em ajuda humanitária e militar à Ucrânia, e mais afeito à ideia de que a Ucrânia, invadida, teria que se contentar com a cessão de território às forças russas. Atualmente, é Trump que lidera a negociação pela paz que traz temor a Zelensky e à Europa.
Em outros termos, Trump se queixa da ajuda norte-americana – que julga excessiva – dada à Ucrânia. Segundo o Instituto Kiel para a Economia Mundial (IfW), os EUA já destinaram 119 bilhões de dólares aos ucranianos desde o início da guerra. Diferente do que diz Trump, porém, o valor é menor do que o dado pela União Europeia (UE), que já forneceu 138 bilhões de dólares.
Não bastasse uma proposta de paz amarga para Kiev, Trump quer cobrar a Ucrânia pela ajuda fornecida, deixando claro o seu interesse por minerais raros presentes no território europeu. Zelensky é abertamente contrário à ideia.
Em um mês, Trump indicou a Zelensky que não tinha mais paciência para arcar com os custos da guerra e, mirando o futuro, sinalizou à Europa que pretende colocar um freio nas ajudas militares, de uma maneira mais generalizada. O republicano passou a propor que a Otan estabeleça a meta de gasto de 5% do PIB dos seus países-membros em defesa, indicando que, nos eventuais conflitos futuros, a Europa terá que ser responsável pela sua própria defesa e que deverá parar de esperar a contribuição norte-americana.
China
Ao menos no discurso, Trump voltou ao poder prometendo proteger os Estados Unidos: seu território, o emprego dos norte-americanos e a aclamada prosperidade do país. No plano global, essa proteção se refere a um adversário comum: a China. É de Pequim que vem, segundo palavras do secretário de Estado do governo Trump, Marco Rubio, a maior ameaça a Washington.
Aqui, a disputa é comercial. Desde que voltou ao poder, Trump aumentou em 10% as alíquotas de importação de produtos chineses. A China devolveu na mesma moeda. Trump intensifica o protecionismo como forma de minar o avanço tecnológico da China, apesar da própria economia chinesa dar mostras de que não quer sair perdedora desse jogo, a exemplo do recente lançamento da plataforma de Inteligência Artificial (IA) DeepSeek, que abalou o mercado tecnológico e ampliou críticas aos custos operacionais das invenções elaboradas no Vale do Silício.