Entre as dúvidas quanto ao impacto do protecionismo de Donald Trump e a certeza dos efeitos danosos das taxas de juro internas, o governo Lula aposta no aumento do crédito e do investimento para evitar que a desaceleração da economia, prevista para este ano, resulte em danos ainda maiores. O adiamento das sanções impostas ao México e outros países e o precedente da negociação com o Brasil de cotas de exportação do aço no primeiro governo Trump resultaram em uma atitude de cautela por parte da indústria e de Brasília, à espera das medidas específicas a serem tomadas pelo governo dos EUA, após a taxação das importações de aço e alumínio em 25%.

A possibilidade real de um desaquecimento e seus efeitos negativos a um ano das eleições preocupa o governo, que assumiu a dianteira na ampliação do crédito e do investimento para deter, ou ao menos moderar, a desaceleração prevista. A primeira medida foi elevar o prazo máximo para empréstimo consignado a aposentados, pensionistas e beneficiários do BPC.

O presidente disse ter ficado bem impressionado com o que ouviu na reunião com os presidentes da Caixa e do Banco do Brasil, realizada na quarta-feira 5, mas não se espera um desempenho exuberante após as restrições impostas ao sistema público de crédito nos governos Temer e Bolsonaro. Existe, porém, a possibilidade de reforçar um elenco de decisões que, em conjunto, podem contrabalançar, ao menos em parte, o impacto dos juros de dois dígitos sobre a economia. A área econômica diz ter obtido expertise na construção de uma “escadinha de crédito”.

Outro esforço para reduzir a desaceleração da economia é a encomenda de Lula à presidente da Petrobras, Magda Chambriard, para a estatal ajudar a impulsionar a atividade econômica.

A primeira medida foi esticar os prazos dos empréstimos consignados

“Não há dúvida de que a elevação já ocorrida da taxa Selic, somada àquela já contratada, vai no sentido de desacelerar o crescimento econômico, mas nem mesmo a pesquisa Focus crê em crescimento negativo”, chama atenção o economista e analista financeiro André Luiz Passos Santos. O baixo desemprego e o aumento do rendimento médio do trabalho, prossegue Santos, têm sustentado o crescimento até aqui. Não por acaso estima-se que o PIB tenha crescido entre 3,5% e 3,7% em 2024, bem acima das projeções do mercado financeiro. O crescimento da renda dos mais pobres garante uma demanda firme, visto que tendem a consumir todo acréscimo de renda.

É preciso considerar também que o BNDES mantém o financiamento a setores industriais que vêm anunciando grandes investimentos, o que anima toda a cadeia de fornecedores e tende a gerar mais empregos e de melhor qualidade, ressalta o economista. Prova disso é o aumento do investimento na economia. Em 2024, a Formação Bruta de Capital Fixo foi de 10%, o que indica um aumento da capacidade produtiva no futuro próximo.

“Se o governo vai conseguir dinamizar a oferta de crédito ao consumidor e às pequenas e médias empresas, com juros menores que a média de mercado, através dos bancos oficiais, ainda é incerto. Mas sabemos que as políticas de recuperação de dívidas baixaram a inadimplência e reabilitaram o crédito de milhares de consumidores”, destaca Santos. Além disso, a valorização do real em relação ao dólar, depois do forte estresse cambial de dezembro, tende a também valorizar os salários reais e a conter a inflação, o que é bom para a demanda.

Mesmo que o efeito do crédito sobre o consumo seja limitado, resume Santos, os efeitos combinados do crescimento do emprego e da renda e da contenção da inflação tendem a manter a demanda aquecida. Ele aposta em uma taxa de crescimento menor que a de 2024, mas ainda positiva.

Rnest. Um dos projetos com maior potencial de dinamização da indústria nacional é a expansão da refinaria em Pernambuco – Imagem: Agencia Petrobras

Segundo o analista financeiro, a reabilitação de devedores antes inadimplentes, promovida pelo governo, tende a reforçar a demanda por crédito pessoal e por financiamento de bens. O aumento do prazo do consignado atingirá apenas os trabalhadores do setor privado, uma vez que os prazos para servidores públicos já são bastante dilatados.

“Resta saber qual será o comportamento da inadimplência do consignado­ do trabalhador do setor privado, visto que a rotatividade do emprego nesse segmento é consideravelmente maior que a do setor público. É preciso também aguardar para ver como funcionará a garantia do consignado através do uso dos saldos do FGTS do trabalhador. Se bem desenhado, com garantias adequadas, pode funcionar bem”, diz Santos. A experiência nesse sentido no governo Dilma, ressalta o analista, foi seriamente afetada pela relativamente alta inadimplência das operações.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, destaca a importância dos programas de crédito à disposição dos bancos públicos e privados. Há o microcrédito produtivo orientado do Acredita no Primeiro Passo, para quem está no ­CadÚnico e já tem, ou quer iniciar, um pequeno negócio. Segundo Mello, o programa tem um excelente desempenho no Nordeste, começou a expandir-se no Norte e deve avançar para as demais regiões. Tem taxas de juro baixas, próximas a 10% ao ano. Há ainda o ProCred 360, para microempreendedores individuais e microempresas, resultado de uma parceria entre o governo federal e instituições bancárias, que incentiva o crédito para firmas com faturamento de até 360 mil reais por ano. “Está funcionando superbem, com a taxa Selic mais 5%, um pouco mais baixa que a do ­Pronamp, que é o terceiro programa”, ressalta o secretário de Política Econômica.

O Pronamp, prossegue Mello, é um programa de incentivo para pequenas e médias empresas, com juros de Selic mais 6%, muito abaixo do que se pagaria a qualquer banco, assegurado pelo Fundo de Garantia de Operações do Governo Federal (FGO), assim como o Procred. Essa garantia é que possibilita oferecer o crédito a uma taxa mais baixa para empresas pequenas e médias. Por fim, há o FGI PEAC, operado pelo BNDES, que abrange pequenas, médias e grandes empresas, com muito boa aceitação.

“Estamos pisando no acelerador”, disse Chambriard, após Lula pedir para a Petrobras reforçar seus investimentos

Para projetos maiores ligados à transformação ecológica, há o Fundo Clima, também com taxas de juro abaixo das taxas de mercado. Para o setor rural, há o Plano Safra, com taxas de juro bastante atrativas principalmente para a agricultura familiar e que, para a produção de alimentos, chega a 3% ao ano. Para inovação e tecnologia há tanto recursos da Finep quanto do FAT, para o BNDES, com custo de TR, isto é, de 1% a 2% ao ano mais as margens dos bancos, para operações de crédito que também têm funcionado muito bem. “Há, portanto, uma variedade muito grande de instrumentos de crédito à disposição de bancos públicos e privados e que forma uma ‘escadinha de crédito’, com opções mais atraentes que a Selic.”

O funcionamento desses programas, segundo Mello, permitiu o crescimento do crédito, no ano passado, em mais de 10%, também impulsionado pelos programas Desenrola para pessoas físicas, pequenos negócios e, neste ano, pequenos produtores rurais renegociarem suas dívidas. Para 2025, estima Mello, o crédito deverá crescer “um pouco menos que 10%”, o que não representa uma queda do ritmo de concessões.

O principal esforço de investimento, além daqueles envolvidos no programa Nova Indústria Brasil e no Novo PAC, deverá envolver a Petrobras. Lula encomendou à presidente da empresa, Magda­ Chambriard, empenho nessa direção. “Estejam preparados, porque estamos pisando no acelerador”, declarou Chambriard, em declaração dirigida à indústria, uma das principais beneficiadas pelo dinamismo da petroleira.

“Desde o início do governo, há um esforço de redirecionamento da Petrobras para o seu papel histórico de vetor da indústria energética nacional. No entanto, é notório que o plano de negócios da Petrobras segue em disputa, tanto no plano interno de sua governança quanto de seu papel na geopolítica energética global”, pondera Mahatma Ramos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Queda de braço. É notório que o plano de negócios da empresa de energia segue em disputa e isso dificulta o atendimento do pedido do presidente – Imagem: Agencia Petrobras

O atual plano de negócios da empresa mantém o foco dos investimentos em exploração e produção de petróleo e gás, com ampliação no segmento do refino, transporte e comercialização, sobretudo com as retomadas previstas das atividades no setor de fertilizantes e petroquímico, além de avanços no de bioprodutos, em especial etanol, biorrefino, biodiesel e biometano. “Esses investimentos seguem constrangidos e limitados, entretanto, pelos compromissos financeiros e de rentabilidade da companhia no curto prazo, que podem ser uma barreira à realização da “encomenda” de Lula”, alerta o diretor técnico do Ineep.

Um exemplo foi a redução da projeção de fluxo de investimentos (Capex) para o próximo quinquênio no atual Plano de Negócios, já na gestão de Magda Chambriard, apesar da elevação prevista da geração de caixa operacional da empresa. Dos investimentos projetados e na carteira de projetos em implementação há, em comparação com o plano de negócios anterior, divulgado em 2023, a manutenção do volume de investimentos previstos para 2025 e redução para 2026, sublinha Santos.

Dentre os projetos previstos nos próximos dois anos, os com maior potencial de dinamização de setores da indústria nacional são a expansão da Rnest, de Pernambuco, a modernização de outras cinco refinarias, a reabertura da fábrica de fertilizantes Ansa, no Paraná, e o início das operações do Complexo de Energias Boa Ventura, em Itaboraí, no Rio de Janeiro. O diretor técnico do Ineep destaca ainda o potencial dos investimentos já realizados nos segmentos de biocombustíveis, diesel renovável e biobunker, que mesmo em fase inicial podem adensar a presença da companhia nesses segmentos.

Entre novos investimentos que a Petrobras poderia fazer, ou retomar, destacam-se a possibilidade de ampliar e diversificar a participação nos segmentos de baixo carbono, em especial do biorrefino e biocombustíveis, assim como no biometano e biobunker, SAF, hidrogênio. “A Petrobras pode construir hoje as bases para uma economia futura de baixo carbono”, diz Santos. •

Publicado na edição n° 1349 de CartaCapital, em 19 de fevereiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ações de estímulo’

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Last Update: 13/02/2025