Vídeos de supostas “confissões” de crimes realizados por um pai e filho palestinos são desmentidos por uma matéria investigativa do jornal The Grayzone. Os vídeos – extremamente editados – mostram as “confissões” dos palestinos para os crimes de estupro coletivo, assassinato e sequestros de civis israelenses durante o 7 de outubro no Kibutz Nir Oz.

Os vídeos, entregues pelo governo israelense com exclusividade ao jornal britânico Daily Mail, apontam a dupla como “o desavergonhado Jamal Hussein Ahmad Radi, 47 anos, e seu filho Abdallah, 18 anos” e os retratam como:

“Um pai e um filho malignos revelaram… como mataram e estupraram civis inocentes (…). Essas confissões provam ainda mais que qualquer tentativa de negar os horrores de 7 de outubro… é parte de uma campanha… para promover a justificativa do terrorismo.”

As acusações feitas pelo jornal e apontadas no vídeo são sustentadas apenas pelas falas dos dois, sequestrados por “Israel”. Nenhuma documentação do governo israelense corrobora as “confissões” e são desmentidas por uma farta documentação das mortes no Kibutz Nir Oz no dia 7 de outubro. Para além disto, os próprios vídeos contêm incongruências entre os relatos, apontando para uma coação de “confissão” sob tortura.

Autora do Daily Mail e sua ligação com o sionismo

O primeiro ponto analisado na matéria investigativa do The Grayzone foi a ligação da autora da capciosa matéria do Daily Mail – Natalie Lisbona – com “Israel” e o sionismo. Natalie Lisbona tornou-se uma das mais importantes propagandistas de “Israel” após o 7 de outubro. Lisbona possui uma vasta gama de declarações antipalestinas e já foi vista em festas com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netaniahu.

Natalie Lisbona com Benjamin Netanyahu (8 de junho de 2022)

Não possuindo experiência no campo do jornalismo investigativo, Lisbona atuava como escritora de matérias de curiosidades. Duas semanas antes do 7 de outubro, a jornalista escrevia reportagens sobre gomas de mascar cheias de proteína feitas de gafanhotos para a BBC. Logo após a Operação Dilúvio de Al-Aqsa, Lisbona decide tornar-se uma intensa ativista do movimento sionista, atacando jornalistas que desmentem os supostos crimes do Hamas – como a notícia falsa de que o grupo de resistência teria decapitado e queimado bebês israelenses. Mesmo com veículos israelenses desmentindo tais fatos, Lisbona continua a propagá-los.

"
“RELATÓRIO DA ONU. Eu disse isso desde as primeiras semanas, mas eles levaram 5 meses – onde estão as feministas? Organizações antipedófilas? Grupos de crianças? Silêncio. Desgraça O Hamas e as gangues de GAZA estupraram CORPOS. CRIANÇAS ESTUPRADAS”

Falsos Crimes

A investigação realizada pelo The Grayzone demonstra claramente que nenhum dos supostos crimes apresentados nos vídeos se alinham com qualquer detalhe conhecido das reais vítimas do 7 de outubro. Há também as expressivas contradições entre os relatos que, por falta de explicações e provas de “Israel”, colocam as “confissões” como falsas.

Estas são as descobertas mais significativas apresentadas pela investigação do The Grayzone:

As ‘vítimas de homicídio duplo’

No vídeo, Jamal, o pai, confessa ter assassinado uma mulher e seu marido após ter se encontrado com seu filho, Abdallah, e seu irmão. Segundo a “confissão” de Jamal, o casal estaria na faixa dos 40 anos e teriam sido assassinados após o trio palestino ter entrado na casa do casal.

Analisando os dados das autoridades israelenses, os jornalistas do The Grayzone não encontraram nenhuma vítima de assassinato ou sequestro que batesse com a descrição da mulher. Apenas duas mulheres entre 30 e 60 anos foram mortas ou feitas como prisioneiras no Kibutz Nir Oz durante o 7 de outubro: Tamar Kedem Siman Tov (35) e Maya Goren (56).

Goren, diferente do relato de Jamal, não estava em casa durante o 7 de outubro, ela se encontrava no berçário do kibutz. Já Tov foi encontrada morta junto de seu marido, três filhos e sua sogra em sua casa. Ambas não encaixam na descrição de Jamal e Abdallah, apontando para uma “confissão” sob tortura do exército israelense.

O sequestro de uma misteriosa mãe e filha

Após o suposto assassinato, Jamal teria entrado em outra casa e capturado uma mãe e uma filha e as entregue às Brigadas Al-Qassam. Porém, os dados do governo israelense sobre pessoas mortas ou sequestradas no kibutz durante o 7 de outubro não batem com a descrição de Jamal. Não há nenhum dado que corrobore uma mãe e uma filha sendo levadas sozinhas de uma mesma casa.

Alegações de estupro

Ambos Jamal e Abdallah disseram que haviam cometido estupro conjunto de uma mulher. Segundo o pai, eles haviam avistado “uma mulher de bermuda na sala de estar com alguns outros homens” em uma casa. Jamal afirmou que estes homens eram palestinos de Gaza e que ele havia levado a mulher para outro comodo e a estuprou enquanto apontava uma arma para ela.

Jamal conta que era o único que havia participado do estupro, porém o interrogador o pressiona dizendo que o filho “havia confessado”, imediatamente Jamal muda sua história e diz que ele, seu filho e seu irmão haviam estuprado a mulher. Continua dizendo que cada um dos três passou entre 10 e 15 minutos com a mulher antes de saírem e voltarem para Gaza. Ao final do relato, Jamal diz “não sei o que aconteceu com ela, fiquei lá por 15 minutos e depois fui embora”.

Contradizendo o relato do pai, Abdallah diz que a mulher foi morta por seu pai: “meu pai matou a mulher depois que terminamos”. Não há razão para Jamal omitir tal informação após ter “confessado” dezenas de crimes. Para além disto, Abdallah descreve um homem israelense que também teria sido assassinado por seu pai após o estupro, porém Jamal diz que haviam “3 ou 4 homens de Gaza” na casa.

Abdallah descreve a mulher como tendo “cerca de 30 anos” ou “30 e poucos anos”. Esta faixa etária limitou a investigação do The Grayzone a três possíveis vítimas: Tamar Kedem Siman Tov (35), Arbel Yehud (28) e Shiri Bibas (32). Tov já foi citada, não batendo com a descrição da dupla; Yehud está mantida prisioneira em Gaza e sua família já relatou prova de vida, também não batendo com o relato da dupla; Bibas e sua família também foram capturados e estão vivos em Gaza, mais uma vez não encaixando com o relato.

Portanto, conclui-se que Jamal não poderia ter matado nenhuma mulher de “30 e poucos anos” durante o 7 de outubro.

O sequestro de Matan

A única “confissão” dos palestinos que abordava uma “vítima” específica era a captura de Matan Zangauker, o qual se encontra ainda sob poder do Hamas. A confissão veio do filho, Abdallah, que afirmou que a dupla participou da captura de Matan. Abdallah disse aos seus interrogadores que “pegou” Matan após encontrá-lo escondido entre as árvores do kibutz e que tentou protejê-lo de maus-tratos de outros palestinos que se encontravam no local.

Entretanto, a mãe de Matan revelou em dezembro de 2023 que seu “filho, Matan, e sua namorada, Ilana, foram sequestrados juntos do Kibutz Nir Oz, do quarto dentro da sala segura onde dormiam na véspera do Shabat”. Contradizendo a história de Abdallah, que afirmava ter encontrado Matan sozinho atrás de árvores.

Uma troca de mensagens entre Matan e sua mãe contradiz o relato de Abdallah.

Às 9h45, Matan responde: “espere. Há pessoas aqui. Estou segurando a porta. Não consigo escrever”. Seus pais pedem que ele passe o número de telefone de sua namorada, que está com ele na sala de segurança. 23 minutos depois, às 10:08, Matan escreve sua última mensagem: “eles estão tentando entrar”.

Abdallah afirmou aos interrogadores sobre o tempo que ele e seu pai permaneceram no kibutz: “chegamos por volta das 10h, [ou] algo assim” e “saímos às 12h30”. Entretanto, o que deveria ser o “último crime” da dupla ocorreu às 10h08. Seria necessário que Jamal e Abdallah fizessem tudo que haviam confessado entre as 10h e 10h08, tornando toda a situação impossível.

Seria necessário que o suposto “estupro coletivo” – o qual teria durado por volta de 30 minutos

Categorizado em:

Governo Lula,

Última Atualização: 01/07/2024