O governo Lula vem comemorando a divulgação, nesta terça-feira, 11, da inflação do mês de janeiro, de 0,16%, supostamente o menor índice para o período desde a adoção do Plano Real. Tal otimismo, porém, não resiste a uma rápida ida ao supermercado.
O grupo de alimentos e bebidas continua subindo, registrando alta de 0,96%, num momento em que já estavam com os preços na estratosfera. A carne, por exemplo, que subiu 0,36% agora, acumula uma alta de 21,17% nos últimos 12 meses. Já o café escalou 8,56% no preço nas gôndolas só no mês passado, tendo subido já 39,6% no ano passado. O tomate, o azeite e o óleo de soja seguem a mesma tendência.
A alta no preço do café fez viralizar o que vem sendo chamado de “cafake”, uma mistura de café com galhos e detritos da produção vendido nos mercados como uma “bebida à base de café”. Fenômeno parecido à alta dos alimentos durante o governo Bolsonaro, em que se tornaram comuns leite condensado, creme de leite, ou até mesmo leite “fakes”.
Isso mostra a enganação que é o índice de referência utilizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para medir a real inflação dos preços, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Ele mede a variação de preços de produtos, serviços (incluindo serviços públicos), nas maiores regiões metropolitanas do país. Qual é o problema disso? Tendo como referência os rendimentos de famílias de 1 a 40 salários mínimos, ele “espraia” o efeito da inflação de serviços e produtos básicos, que pesam muito mais para as famílias mais pobres.
Para se ter uma ideia, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que considera as famílias com renda de até cinco salários mínimos, expressiva maioria da população, fechou 2024 com uma inflação para alimentação em domicílio em 8,02%. Ou seja, quase o dobro do índice geral oficial.
Enquanto falta a picanha, o agro enche os bolsos
Enquanto falta carne na mesa das famílias brasileiras, e até mesmo o tradicional substituto, o ovo, que aumentou 40% só na segunda quinzena de janeiro, o setor agropecuário teve recorde na exportação da carne bovina no ano passado. Com a alta do dólar, as exportações disparam, pois fica mais lucrativo vender lá fora do que no país. A mesma tendência que ocorre com o café. O que é produzido aqui vai para abastecer o mercado externo, e o que fica para os brasileiros são, literalmente, os restos.
Para além do câmbio, outro fator que ajudou a disparar o preço da carne foi uma manipulação dos produtores a fim de reduzir a oferta e jogar os preços para cima novamente. Em 2023, com a queda do preço da carne, os grandes produtores aumentaram o abate de vacas. Se num primeiro momento isso aumenta a oferta de carne bovina no mercado, logo depois a falta de bezerros reduz a produção, e pressiona os preços para cima.
De qualquer maneira, isso mostra como o preço dos alimentos, e a inflação, está completamente à mercê do agronegócio e do mercado externo. O grande capital estrangeiro ganha duas vezes: na especulação das commodities, e no próprio aumento dos preços, já que o agro hoje está, em grande parte, nas mãos de grandes investidores e fundos internacionais. Seja exportando, seja vendendo mais caro o que resta no mercado interno, o agronegócio associado ao capital estrangeiro lucra tornando a carne e o café artigos de luxo para as famílias brasileiras.
A crise climática, com períodos de estiagem ou excesso de chuvas, por sua vez, afetou a produção de alguns itens, como o tomate. O que também é culpa do agronegócio, já que os desmatamentos contribuem em grande parte para isso, e quem desmata nesse país são os latifundiários, destruindo o meio ambiente, contaminando o solo e exterminando os povos originários.
A hipocrisia do governo Lula e da extrema direita
Diante da alta dos alimentos e do desgaste do governo Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou à imprensa no início de fevereiro que aposta na safra deste ano e na queda do dólar para conter essa disparada. Ou seja, Haddad confia nos próprios setores que causam a inflação para lucrar para resolver o problema. É como confiar no ladrão para deixar de ser roubado. Mais do que isso, Haddad reafirmou a necessidade de se avançar no ajuste fiscal, a fim de conter a alta do dólar e dos juros.
Já Lula resolveu culpar a própria população pela inflação. “Uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Se você vai no supermercado e você desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver a consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender, porque, senão, vai estragar”, afirmou.
A declaração desastrosa e cínica de Lula serviu de combustível para a extrema direita, cujos parlamentares tiveram a cara de pau de confeccionarem bonés com a inscrição “Comida barata novamente, Bolsonaro 2026”. Isso sendo que a alta dos alimentos em 2020, com a economia sob comando de Bolsonaro e Paulo Guedes, foi de 14%. E mesmo em 2022, com o fim da pandemia, registrou 12%.
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Hipocrisia da extrema direita: alimentos dispararam sob o governo Bolsonaro
Levantamento da consultoria LCA revela que o salário mínimo comprava 2,07 cestas básicas em São Paulo entre 2010 e 2019. Com a pandemia, o mínimo comprava só uma cesta básica e meia. Em novembro passado, essa relação aumentou um pouco, para 1,7, ainda muito abaixo da década passada.
A realidade é que, ao invés de enfrentar o agronegócio, o governo Lula atua com e para ele. Como o Plano Safra, que presenteou o setor com nada menos que R$ 400 bilhões entre o ano passado e 2025. Ao contrário do que afirma a extrema direita, o governo Lula não é inimigo do agro, pelo contrário, financia o setor para que produzam como nunca, exportem e encham os bolsos. Observe a loucura: estamos pagando para que a carne e o café fiquem mais caros.
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Lula e Alckmin no lançamento do Plano Safra: R$ 400 bi ao agronegócio Foto Vice-Presidência da República
E qual a alternativa da extrema direita? Ainda mais capitalismo, ou seja, benefícios ao agro, e uma política ainda mais avassaladora contra o meio ambiente e os povos originários. Não foi por menos que um setor do agronegócio financiou e organizou diretamente a tentativa de golpe do bolsonarismo.
Expropriar o grande agronegócio e produzir para alimentar o povo
Se a inflação é causada pelo modelo agroexportador ligado ao capital estrangeiro, a única solução para garantir comida barata, e segurança alimentar, é romper com esse modelo, nacionalizando e expropriando o grande agronegócio, sob o controle dos trabalhadores. Isso garantiria a produção para alimentar o povo brasileiro, e não enriquecer fundos financeiros que ganham com a especulação e a exportação, assim como uma ampla e radical reforma agrária, por sua vez, impulsionaria a produção dos alimentos que não são commodities, como verduras e hortaliças.
A crise dos alimentos é resultado da tentativa de governar o capitalismo em crise, com o Brasil cada vez mais rebaixado à condição de mera exportadora de commodities. O governo Lula conduz essa política com a mão na embreagem, enquanto a extrema direita quer pisar no acelerador. A direção, porém, é a mesma.