A guerra na Ucrânia perto do fim: um balanço preliminar

por Luciano Fazio

Com a chegada de Trump à presidência dos Estados Unidos, parece que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia está prestes a chegar a uma conclusão. É, portanto, o momento de um balanço preliminar do conflito, enquanto aguardamos os termos do acordo de paz ou do cessar-fogo entre os beligerantes para uma avaliação mais completa.

A análise requer uma revisão dos objetivos e interesses iniciais das partes envolvidas no início de 2022, quando os russos atacaram a Ucrânia. Além dos países diretamente em guerra, há outros atores importantes: a União Europeia (UE) e os Estados Unidos, que juntos garantiram a resistência ucraniana.

  • Ucrânia: O país buscava maior proximidade com a Europa Ocidental e tentava “pacificar” à força as regiões orientais (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporíjia), onde a maioria da população fala russo, pedia autonomia e que fossem priorizados os laços políticos e econômicos com a Rússia.

Essas políticas de Kiev se consolidaram a partir de 2014, após a renúncia do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, forçado a deixar o cargo devido a intensas manifestações populações do oeste e do sul do país contrárias ao cancelamento de acordos entre a Ucrânia e a União Europeia. Em resposta, a Rússia anexou a Crimeia, região de maioria russa, e áreas orientais do país foram tomadas por movimentos separatistas apoiados por Moscou. No leste da Ucrânia, iniciou-se um conflito de baixa intensidade entre separatistas e as tropas de Kiev, com várias tentativas de cessar-fogo frequentemente violadas por ambas as partes.

Na falta de negociações satisfatórias, a situação escalou. A Ucrânia optou por intensificar o confronto militar com os separatistas e declarou sua intenção de aderir à OTAN como resposta à interferência russa.

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Em resumo, Kiev queria impedir a secessão das regiões orientais e integrar o país à União Europeia, desafiando Moscou com o apoio da Europa e da OTAN (aliança militar filo-americana do hemisfério norte).

  • Rússia: O governo russo pretendia garantir a autonomia das regiões orientais da Ucrânia e impedir que o país vizinho se aproximasse política, econômica e militarmente da União Europeia e da OTAN. Para Moscou, era fundamental restabelecer sua influência sobre os países vizinhos, especialmente a Ucrânia. Além disso, não queria um país membro da aliança militar adversária tão próximo de suas fronteiras.

O objetivo mais ambicioso dos russos era a derrota militar da Ucrânia e a imposição de um governo aliado em Kiev. Como objetivo mínimo, Moscou visava à criação de repúblicas pró-Rússia separadas da Ucrânia, com a possibilidade de futura anexação à Rússia e um acordo de paz que sancionasse a renúncia de Kiev aderir à OTAN.

  • União Europeia: A UE buscava continuar sua expansão para o leste, iniciada após o fim da União Soviética. Também queria enfraquecer os planos russos, vistos como uma ameaça para os países membros do bloco. No entanto, não previa que o conflito de baixa intensidade no leste da Ucrânia se transformasse em uma guerra aberta com a Rússia e não tinha um plano claro para lidar com essa possibilidade.
  • Estados Unidos: O governo americano pretendia ampliar sua influência política e militar no leste europeu em detrimento de Moscou, contrariando as promessas feitas à Rússia na época do colapso da União Soviética. Para Washington, o conflito na Ucrânia era uma oportunidade para desgastar e humilhar a Rússia no cenário internacional, além para intimidar e isolar a China. Por isso, a administração Biden estava disposta a apoiar a luta “até o último ucraniano”.

Nenhuma das partes conseguiu alcançar 100% de seus objetivos iniciais, mas alguns se aproximaram mais do que outros.

I – A Rússia. Não conseguiu subjugar rapidamente a Ucrânia, como planejado, nem derrubar o governo de Zelensky. Assim, por ora, não logrou o objetivo de integrar a Ucrânia à sua área de influência.

No entanto, aos poucos, os russos conquistaram quase todo o território das regiões separatistas do leste ucraniano. Apesar das elevadas perdas humanas, os russos estão vencendo o conflito no campo de batalha e é provável que um futuro acordo de paz (ou cessar-fogo) sancione a anexação desses territórios à Rússia. Também é possível que Moscou obtenha o compromisso de Kiev em permanecer neutra, não aderindo à OTAN.

Para além das batalhas na Ucrânia, a guerra mostrou a forte capacidade de Moscou de resistir às sanções econômicas do Ocidente, também graças ao bloco dos BRICS. Contudo, o conflito provocou também um realinhamento de forças na Europa em seu desfavor, principalmente com o rearmamento dos países da UE e a adesão de Suécia e Finlândia à OTAN, países estrategicamente importantes no tabuleiro europeu.

II – A Ucrânia. É o país envolvido que mais se aproxima da posição de perdedor. Apesar de ter demonstrado uma resistência inesperada à agressão russa, os ucranianos vêm sendo expulsos de todos os territórios em disputa, sofrendo uma destruição imensa em seu país e contabilizando centenas de milhares de mortos. No final, ao que parece, terão de aceitar perdas territoriais significativas. Também descobriram que o apoio da UE e da OTAN é limitado, já que o Ocidente não quer arriscar uma guerra direta com a Rússia. Não está claro quais garantias Kiev obterá do Ocidente para desencorajar eventuais ataques futuros da Rússia. De qualquer forma, a tendência é que perca mais do que teria cedido caso tivesse buscado uma solução negociada antes do conflito direto com Moscou.

III – A União Europeia. A guerra demonstrou que o bloco não tem um projeto sustentável para a paz na região. Como resposta à guerra, cortou as relações econômicas com a Rússia (a quem, inclusive, impôs pesadas sanções econômicas) e partiu para uma escalada armamentista, diminuindo a integração e a interdependência regional, elementos fundamentais para uma conivência pacífica no continente. Assim, a Europa Ocidental torna-se cada vez mais dependente política e militarmente dos Estados Unidos.

Esse cenário contribui para o seu declínio, agravado pela baixa participação nos setores mais dinâmicos da economia, como as Big Techs e a inteligência artificial, dominados por EUA e China, bem como pela bem-sucedida concorrência dos países emergentes nos setores manufatureiros tradicionais.

IV – Os Estados Unidos. Talvez os EUA sejam quem mais se aproxima da posição de vencedor. Sem se envolver diretamente no conflito, isolaram a Rússia na Europa, onde aumentaram sua influência. Também se mostram como o país que pode resolver as crises internacionais.

a) Diferente das últimas guerras em que participaram (Vietnã, Afeganistão e Iraque), desta vez os Estados Unidos não se envolveram com o envio de tropas. Assim, além de evitar o risco de uma guerra mundial, se pouparam dos custos humanos e políticos de uma intervenção direta.

b) Não conseguiram humilhar a Rússia, mas a enfraqueceram. De fato, apesar dos ganhos nos campos de batalha, Moscou precisou empregar enormes recursos na guerra e, do ponto de vista geopolítico, sofre com o fortalecimento da OTAN na Europa, causado em boa medida do medo que a agressão à Ucrânia tem provocado.

c) Fortaleceram seu domínio sobre os aliados europeus, cada vez menos independentes em política externa. Além disso, conseguiram convencê-los a aumentar significativamente seus gastos militares, o que, além de aliviar as finanças americanas, amplia o mercado para o complexo militar-industrial dos EUA.

d) Nenhuma mediação internacional, nem mesmo a da ONU, conseguiu encontrar uma solução para o conflito. Essa situação enfraquece o multilateralismo como método de resolver crises internacionais e reafirma a supremacia imperial de Washington.

Luciano Fazio – Matemático pela Università degli Studi de Milão (Itália) e pós-graduado em Previdência pela FGV.

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Last Update: 13/02/2025