Crescimento Populacional, Fome e Desigualdade: Os Desafios da Produção de Alimentos e a Sustentabilidade Ambiental

por Isadora Cupertino de Lima

Introdução

O crescimento populacional e seus impactos sociais e ambientais têm sido objeto de alerta em debates econômicos e políticos há décadas. A teoria malthusiana, do final do século XVIII, sustentava que o aumento descontrolado da população resultaria em escassez de alimentos, gerando fome e miséria. No entanto, essa teoria foi desacreditada devido a transição demográfica associada ao desenvolvimento tecnológico, o que permitiu a expansão da produção de alimentos pela humanidade.

Atualmente, cientistas afirmam que a crise climática e ecológica está diretamente ligada ao agravamento da fome, uma vez que a degradação dos ecossistemas e as mudanças climáticas afetam a produção de alimentos e a disponibilidade de recursos naturais. Esse cenário evidencia que a fome não é resultado do aumento populacional, mas sim de desigualdades sociais, econômicas e de distribuição de recursos. Ao longo dos anos, iniciativas como a “Revolução Verde” e debates sobre o impacto ambiental das grandes indústrias, especialmente a pecuária, têm levantado questionamentos sobre como garantir a segurança alimentar sem comprometer ainda mais o equilíbrio ambiental.

Acerca do exposto anteriormente, o presente texto tem como objetivo discutir essas diferentes abordagens, destacando a complexa relação entre crescimento populacional, fome, desigualdade social e os desafios ambientais contemporâneos.

O Crescimento Populacional e a Fome

A teoria malthusiana foi desenvolvida por Thomas Robert Malthus no final do século XVIII e início do século XIX. Sendo seu principal trabalho “An Essay on the Principle of Population” (Ensaio sobre o Princípio da População), publicado pela primeira vez em 1798. Nessa obra, Malthus argumenta que como a população humana tende a crescer de forma exponencial, enquanto paralelamente os recursos alimentares cresciam de forma linear, seria inevitável uma escassez de alimentos, resultando na fome, doenças e a morte de parte da população, sendo necessário o controle do crescimento populacional a única alternativa disponível. Sendo então a principal razão para que existisse fome e pobreza na sociedade.

No entanto, com o passar dos anos, a teoria dele não se provou, uma vez que o crescimento demográfico não foi como Malthus previu e a sociedade também se desenvolveu tecnologicamente. Ainda assim, a fome não foi extinta, já que este é um problema social resultado de desigualdades no acesso à renda, à terra, à produção agrícola e à distribuição de alimentos, agravado por fatores políticos e econômicos que perpetuam a exclusão e a insegurança alimentar.

Já Condorcet, defende a ideia de que a humanidade estava em constante progresso, especialmente no que diz respeito ao conhecimento, à ciência e à razão. Para ele, os avanços do espírito humano eram inevitáveis e impulsionados por uma busca contínua por liberdade, igualdade e justiça, a sociedade poderia alcançar uma fase de perfeição em que as desigualdades e as injustiças sociais seriam superadas.

Condorcet, ao contrário de Malthus, acreditava que não seria a quantidade de pessoas que causaria a miséria, mas a falta de acesso ao conhecimento e à justiça. Ele vislumbrava um futuro de avanço contínuo, onde a educação e a ciência resolveriam os problemas sociais, com destaque para a importância das reformas políticas e sociais para alcançar uma verdadeira igualdade.

“A principal implicação da transição demográfica, do ponto de vista da polêmico entre Malthus e Condorcet, é acabar com qualquer argumento técnico ou ideológico de que o crescimento populacional é um entrave ao desenvolvimento econômico e à erradicação da fome, da pobreza e da miséria. Se o crescimento da população não é semelhante a uma bola de neve morro abaixo, deixa de fazer sentido o argumento malthusiano de que “são os pobres que geram os pobres”. Tem-se de buscar em outro lugar os motivos do atraso econômico e da injustiça social. A população deixa de ser um álibi para aqueles que querem justificar o status quo e a desigualdade. Rompe-se a justificativa do círculo vicioso da pobreza sendo gerado pelos próprios pobres.” (ALVES, José Eustáquio Diniz. A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Rio de Janeiro, 2002. p. 44.)

Alves desafia a visão Malthus e Condorcet de que o crescimento populacional é um obstáculo ao desenvolvimento econômico e à erradicação da pobreza. A transição demográfica demonstrou que a população não cresce de forma descontrolada e não é o número de indivíduos em uma sociedade que gera a miséria e a fome, como sugeria Malthus, mas sim outros fatores estruturais e sociais.

Ao refutar a ideia de Malthus de que “são os pobres que geram os pobres”, Alves argumenta que a pobreza não é uma consequência inevitável do crescimento populacional, mas de um sistema que perpetua desigualdades e exclusões.

Portanto, a população deixa de ser um álibi para justificar a fome, a desigualdade social e a pobreza, que não podem mais ser atribuída ao simples aumento do número de habitantes. Sendo assim, Alves propõe uma mudança de foco: as causas do subdesenvolvimento estão em outras áreas, como a distribuição de recursos e a falta de políticas públicas, e não no crescimento populacional.

O Agronegócio e a Produção de Alimentos

Autores como José Eustáquio Diniz Alves e Luiz Marques exploram a relação entre a distribuição de recursos e as possíveis consequências ambientais, analisando as relações entre o crescimento populacional, a distribuição de riquezas e o colapso ambiental. Alves, por exemplo, desafia a visão malthusiana ao afirmar que o problema não é o número de pessoas, mas o sistema econômico que perpetua desigualdades e promove a degradação ambiental. Da mesma forma, Marques enfatiza que grupos sociais de baixa renda, apesar de suas baixas contribuições para as emissões de CO2, são os que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas.

Em 2018, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), publicou um estudo, no qual destacou que a partir do ano de 1940, houve uma importante evolução no campo da agricultura e segurança alimentar. Especialistas, como Malthus, acreditavam que não era possível a alimentação da população mundial crescente devido às limitações de recursos agrícolas.

A “Revolução Verde”, que teve seu auge entre as décadas de 1940 e 1960, promoveu transformações significativas para a agricultura mundial, principalmente no aumento da produção de alimentos. Isso foi possível com a introdução de sementes de alto rendimento, o uso de fertilizantes químicos e pesticidas, além da mecanização e modernização no manejo do campo.

“Necessitamos de um novo paradigma para a agricultura e os sistemas alimentares com o objetivo de produzir alimentos mais nutritivos de forma mais sustentável. De fato, o problema agora não é somente a fome, mas a quantidade e a qualidade dos alimentos que comemos, e a maneira como os produzimos.” (FAO, 2018, pág 5)

Essa mudança no campo permitiu um aumento considerável na produção de alimentos, embora, em contrapartida, apresentou um custo elevado para o meio ambiente. Atualmente, a capacidade de produção alimentar é suficiente para sustentar até 10 bilhões de pessoas, entretanto, paradoxalmente, ainda existem 815 milhões de pessoas que sofrem com a fome. Esse contraste evidencia que, embora a produção tenha avançado, a distribuição desigual e outros fatores estruturais ainda impedem que todos tenham acesso ao alimento necessário para uma vida digna.

Porém, esse aumento na produção de alimentos não se perpetuou com o passar dos anos no Brasil. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que em 47 anos a plantação de feijão diminuiu mais de 45%, e nesse período a plantação de arroz diminuiu mais de 67%. A área plantada de alimentos que são a base da alimentação brasileira foi substituída por soja, milho, algodão e criação de gado, que são mais lucrativos para os donos da terra. Essa mudança reflete um ajuste no uso da terra agrícola brasileira, mas isso tem implicações para a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.

Agronegócio, Meio Ambiente e a Fome

A FAO expõe em sua publicação “[…] um alto preço para o meio ambiente […] Necessitamos de um novo paradigma para a agricultura e os sistemas alimentares com o objetivo de produzir alimentos mais nutritivos de forma mais sustentável.” (pág5). O combate à fome não deveria exaurir o planeta que alimenta tantas espécies diferentes e mantém uma fauna e flora abundante. Mesmo degradando o meio ambiente para a criação de gado e grandes monoculturas, em 2018 atingimos 815 milhões de pessoas passando fome ao redor do mundo. Isso mostra que há algo errado na forma como os alimentos são produzidos e distribuídos.

No Livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”, Luiz Marques destaca a desigualdade das emissões de CO₂ entre os diferentes grupos de renda mundial e a relação entre a concentração de riqueza e as mudanças climáticas. Segundo os dados da Oxfam, os 10% de super ricos são responsáveis por quase metade das emissões globais de CO₂, enquanto os 30% mais ricos correspondem a 79% dessas emissões. Em contraste, a metade mais pobre da população mundial contribui com apenas 10% das emissões, evidenciando uma disparidade significativa na responsabilidade pela crise climática.

Esses números ilustram não só o desequilíbrio na distribuição de emissões, mas também as desigualdades estruturais que moldam o impacto das mudanças climáticas. As pessoas mais ricas, que geram maior parte das emissões, têm maior capacidade de adaptação e mitigação dos efeitos ambientais, enquanto os mais pobres, que emitem pouco, são os mais vulneráveis.

Marques mostra que os agricultores de subsistência, são responsáveis por uma contribuição mínima para as emissões globais, mas são os mais afetados pelos eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor e inundações que se tornam comuns à medida que os gases de efeito estufa geram e intensificam a crise climática. Esses impactos afetam diretamente a vida e os meios de subsistência dessas populações, que dependem da agricultura para sobreviver.

“A contribuição [dos 3 bilhões de pessoas mais pobres do planeta para as emissões globais de CO2] é de cerca de 5%. Esses 3 bilhões compreendem sobretudo agricultores de subsistência, cujos meios de vida serão gravemente impactados, ou mesmo destruídos, com mega secas de 1 a 5 anos, ondas de calor ou grandes inundações.” (MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. pág 7. 2018. Editora Unicamp.)

A relação entre as desigualdades de renda e as mudanças climáticas aponta que a maior responsabilidade pela crise climática está nas mãos das classes mais altas, enquanto os grupos sociais de baixa renda não são apenas os menores emissores de gases, mas também já são as maiores vítimas de seus efeitos. Isso evidencia a injustiça social e ambiental gerada pelo sistema econômico global, que exacerba tanto a concentração de riqueza quanto os danos ambientais e sociais.

No Brasil, a produção de carne bovina é uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa no país, e só em 2021, a cadeia da carne bovina brasileira emitiu aproximadamente 1,4 bilhão de toneladas de CO₂, um dos principais gases causadores do aquecimento global. Marques destaca que os ruminantes, como vacas e bois, são responsáveis por cerca de 54% das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária. Além das emissões pelos animais, o uso do solo e o desmatamento também devem ser considerados, já que os produtores rurais degradam áreas verdes para virarem pastagens do gado ou alimentação para a sua criação. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a principal plataforma de monitoramento de emissões de gases de efeito estufa na América Latina, as mudanças do uso da terra no Brasil responderam pela maior parte das emissões brutas brasileiras de emissões de CO₂: 46% em 2023 e 53% em 2022.

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o país ocupa a segunda posição mundial na produção de carne bovina, com 9,7 milhões de toneladas, o que representa aproximadamente 16% da produção global. No entanto, em 2023, 14,3 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar grave, o que corresponde a 6,6% da população. Esse paradoxo evidencia uma realidade distorcida do que se diz sobre o agronegócio, que frequentemente é apresentado como responsável por “alimentar o Brasil”. Apesar de ser um dos maiores produtores de carne do mundo, o país continua lidando com a fome devido à distribuição desigual de terras e recursos, sendo que cerca de 20% do território nacional é destinado à criação de gado.

Sendo assim, se o agronegócio realmente cumprisse sua função de garantir alimentos para todos, a fome persistente não seria uma realidade. Ao invés de garantir a alimentação da população, o setor beneficia uma minoria, gerando lucros exorbitantes para poucos enquanto a maioria da população ainda enfrenta desafios alimentares. O Brasil continua a ser marcado por um sistema que não distribui os recursos de forma justa, deixando uma grande parte da população em situação de fome e insegurança alimentar grave. Diante do exposto, observa-se que o agronegócio não está focado em produzir alimentos para todos, mas sim em gerar riqueza e com altos danos ambientais na conta.

Conclusão

 A teoria malthusiana perdeu força com a evolução da transição demográfica, que mostrou que o crescimento populacional não é um obstáculo para o desenvolvimento econômico, nem para a erradicação da fome e da pobreza. Ao contrário do que Malthus sugeria, a pobreza não é um produto exclusivo do crescimento populacional, mas sim resultado de outras questões estruturais.

E com o tempo, ficou evidente que o modelo agropecuário tem causado danos tanto ao meio ambiente e ao equilíbrio climático quanto à população, como é demonstrado pela recente alta nos preços dos alimentos no Brasil, resultando em uma ineficácia em abastecer o mercado interno de alimentos além das concentrações de terra e renda que dificultam a qualidade de vida do pequeno produtor no campo.

Considerando o grande potencial produtivo do território brasileiro, faria mais sentido fazer um melhor uso dessas terras, de maneira mais sustentável tanto socialmente, como ecologicamente. O Brasil possui vastas áreas destinadas à criação de gado bovino, principalmente na Amazônia e no Cerrado, que poderiam ser transformadas em terras agrícolas para o cultivo de alimentos destinados ao consumo humano, aumentando a oferta de alimentos no país.

A regeneração e uso de áreas já desmatadas, ou áreas em que o uso agrícola é menos prejudicial, como áreas de pastagem degradadas, seria uma alternativa mais viável para aumentar a produção de alimentos sem causar mais danos ao meio ambiente e diversificar a economia brasileira, para que deixe de ser dependente do agronegócio. Além disso, técnicas de agricultura sustentável, como o cultivo de agroflorestas, poderiam ser aplicadas para maximizar o uso da terra e aumentar a produção sem exaurir os recursos naturais.

Essas medidas de uso sustentável do solo precisam estar alinhadas com políticas de reforma agrária, além de incentivos aos pequenos produtores rurais. Essa mudança deve ser planejada para equilibrar a necessidade de aumentar a oferta de alimentos para o mercado interno brasileiro, a preservação ambiental e a produção sustentável de alimentos a longo prazo.

Isadora Cupertino de Lima, Cientista Social, São Paulo, 2025

Bibliografia

  1. MALTHUS, Thomas Robert. Ensaio sobre o princípio da população. 1798.
  2. ALVES, José Eustáquio Diniz. A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Rio de Janeiro, 2002. p. 44.
  3. MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Editora Unicamp, 2018.
  4. FAO. A caminho do fome zero 1945-2030. 2018. Disponível em: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/51ebff40-ada7-4194-96e0-c9e01b2906f9/content. Acesso em: 5 fev. 2025.
  5. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Carne bovina é um dos principais produtos pecuários nas exportações brasileiras. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/carne-bovina-e-um-dos-principais-produtos-pecuarios-nas-exportacoes-brasileiras?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 5 fev. 2025.
  6. CANAL RURAL. Área dedicada ao feijão diminui 45,5% em menos de cinco décadas. Disponível em: https://www.canalrural.com.br/agricultura/area-dedicada-ao-feijao-diminui-455-em-menos-de-cinco-decadas/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 10 fev. 2025.
  7. AGÊNCIA GOVERNO DO BRASIL. Mapa da Fome da ONU: insegurança alimentar severa cai 85% no Brasil em 2023. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202407/mapa-da-fome-da-onu-inseguranca-alimentar-severa-cai-85-no-brasil-em-2023-1?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 5 fev. 2025.
  8. PROJETO COLABORA. Cadeia de produção de carne bovina responde por quase 60% das emissões do Brasil. 2023. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods13/cadeia-de-producao-de-carne-bovina-responde-por-quase-60-das-emissoes-do-brasil/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 5 fev. 2025.

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Last Update: 12/02/2025