No meio da crise gerada pela normativa de rastreio do Pix não declarado no imposto de renda, o governo Lula, convencido de que seu problema é enfrentar as mentiras do adversário político na internet, indicou para a Secretaria de Comunicação um publicitário especializado em marketing político. Aparentemente, além de ações como responder ao boné dos bolsonaristas com outro boné, o marqueteiro recomendou ao presidente uma viagem pelo país para apresentar obras e feitos da gestão.

Na Bahia, Lula concedeu uma entrevista a rádios, na qual recomendou à população que ajudasse o governo no controle dos preços dos alimentos, evitando comprar o produto caro. Ele explicou que, se a mercadoria encalhar na gôndola do supermercado, o estabelecimento vai ter de reduzir os preços. A coisa lembrou um pouco o apelo de Sarney na época da hiperinflação, quando as donas de casa viraram fiscais de preços. A diferença é que, na época, havia tabelamento; hoje as donas de casa teriam de aprender a jogar com o mercado. Lula até falou em “processo educacional”.

Na prática, quem vai ao supermercado já faz isso por absoluta necessidade. Se o dinheiro é insuficiente, a pessoa simplesmente não consome. Quem tem dinheiro de sobra, no entanto, não vai deixar de comprar os produtos. É o mercado, certo? Como se vê, as coisas não são tão simples. O fato é que Lula, apoiado por uma instável frente ampla, teme desagradar à burguesia. É a política.

Enquanto o governo passa o pente-fino nos programas sociais, como o BPC e o Bolsa Família, em busca de fraudes cuja contenção se reverta em aumento de arrecadação, quem pode mais chora menos.

Os Tribunais de Justiça, por exemplo, pagam a seus servidores um vale-refeição de até R$ 3.000. O auxílio concedido a magistrados e servidores acabou de passar de R$ 1.900 para R$ 2.500, acima do salário mínimo regional, que hoje é de R$ 1.800 por mês. A justificativa da decisão é a “necessidade de manter o poder de compra do auxílio-alimentação”. Segundo matéria da Band News, no ano passado, o Tribunal de Justiça do Paraná gastou, pelo menos, R$ 20 milhões em vale-alimentação só com juízes e desembargadores, sem contar os funcionários. Agora, essa despesa deve aumentar quase 30% (cerca de R$ 6 milhões).

Outro caso noticiado nestes dias foi o do “vale-peru”. Servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acionaram o STF para não devolver um auxílio-alimentação de R$ 8.000, um “penduricalho” apelidado de “vale-peru” por ser pago em dezembro. O benefício pago mensalmente é de R$ 2.000, mas o valor pago no fim do ano foi “turbinado”. Como a história vazou e gerou repercussão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mandou os funcionários devolverem o dinheiro. Aguardemos.

Membros das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, têm direito a um “auxílio saúde suplementar” no valor mensal de R$ 3.000 para funcionários ativos e de R$ 3.500 para aposentados. Recentemente, o Ministério Público pediu suspensão do benefício, o que será julgado pelo Tribunal de Contas.

O problema em questão não é que os magistrados devessem pagar plano de saúde com seus próprios salários ou coisa do gênero, mas, sim, o fato de que esse valor fará que os membros da AGU ultrapassem o teto salarial (hoje em R$ 44.008, 52, valor equivalente ao do salário de ministro do STF).

Uma resolução infralegal concede o benefício a advogados da União, procurador da Fazenda, procurador federal e procurador do Banco Central. O Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, entidade que administra os honorários de sucumbência desses funcionários, argumenta que o auxílio para custear plano de saúde vem de recursos privados, não públicos. Há controvérsias, porém. O dinheiro desses honorários vem, naturalmente, de entes privados que perdem ações para o Estado. Os honorários pagos aos advogados do Estado são dinheiro privado ou dinheiro público? O TCU, em entendimento de 2021, declarou serem públicos.

Os jornais também noticiam que o Ministério Público de São Paulo autorizou o pagamento de um novo “penduricalho” aos salários dos promotores de Justiça paulistas, que, para alguns, representará um extra de cerca de R$ 1 milhão. O gasto total com essa despesa deve ultrapassar R$ 1 bilhão (entre R$ 400 mil e R$ 1 milhão por promotor). Os magistrados fariam jus a esse extra por terem analisado uma quantidade de processos maior que a estipulada por pessoa. Os critérios que determinam o número de processos por magistrado, aparentemente, são pouco claros. O curioso é que dois em cada três vão ter o direito a receber o valor, que é uma espécie de hora extra muito bem remunerada.

Chama a atenção que os casos sejam todos relativos ao Poder Judiciário, que, ao que tudo indica, é muito competente em garantir os próprios proventos. Mais competente que o aparato judicial só mesmo os bancos. Jornais de hoje noticiam, mais uma vez, o lucro recorde do Banco Itaú, o maior da história: mais de R$ 40 bilhões de lucro líquido em 2024.

Será mesmo que o problema do governo é só a comunicação? Infelizmente, não parece.

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Last Update: 11/02/2025