Dengue: prevenção e tecnologias no combate ao mosquito – entrevista com Rivaldo Venâncio

por Daiane Batista

O Ministério da Saúde anunciou no início de janeiro de 2025 a retomada do trabalho do Centro de Operações de Emergência (COE), em reforço ao controle da dengue no Brasil. A decisão de antecipar as ações do COE é, segundo o secretário-adjunto da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Rivaldo Venâncio, uma medida de prevenção contra a dengue, na busca por utilizar o COE não somente como instrumento de resposta e preparação à emergência, mas como instrumento preventivo.

Rivaldo, que é médico infectologista e pesquisador da Fiocruz, explica nesta entrevista ao blog do CEE-Fiocruz, que essa antecipação foi importante para evitar uma epidemia de dengue como a que ocorreu em 2024.

Conforme lembrou, no ano passado, determinadas localidades apresentaram algumas disparidades em relação à quantidade de pessoas que adoeceram e que morreram em decorrência da dengue, observando-se maior letalidade em regiões cuja organização da rede assistencial foi tardia. “Em 2024, tivemos a maior epidemia de dengue desde que a doença passou a existir no Brasil de forma rotineira. Foram cerca de 6 milhões de casos prováveis notificados”, lembrou.

Conforme observa o infectologista, a instalação precoce do COE tem sido uma estratégia fundamental para organização de uma rede assistencial ágil e efetiva, na tentativa de “evitar uma situação de desarranjo da estrutura assistencial de tal monta que seja necessário declarar a emergência”, alertou.

Rivaldo explicou que o “crescimento gigantesco” no número de casos de dengue em 2024 se deu também “por um somatório de fatores”, um deles, a pandemia de Covid-19. Conforme destaca o infectologista, durante a pandemia do coronavírus, tivemos o afastamento forçado dos agentes comunitários de saúde das ruas, a fim de evitar a circulação e contaminação pelo vírus, e uma das consequências foi a epidemia de dengue em 2024. “Sentimos o reflexo da paralisação das atividades cotidianas de controle do Aedes aegypti durante o período da pandemia. Em algumas localidades a retomada do trabalho cotidiano pelos agentes foi muito lenta, de tal forma que, no final de 2023, havia localidades no Brasil com índice de infestação domiciliar pelo mosquito elevadíssimo”, pontuou Rivaldo. Somado a isso, “temos o aquecimento global, e consequentemente as mudanças climáticas, incluindo o aumento e o volume das chuvas, o aumento da temperatura média anual como nunca se viu antes e a circulação simultânea de mais de um sorotipo do vírus da dengue”, completou.

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Rivaldo ressalta, ainda, a preocupação com o retorno da circulação do sorotipo 3, responsável por uma grande epidemia no Brasil no final da década de 2000. Conforme explica o secretário, temos uma geração de jovens que estão entre 17 e 18 anos de idade e que nunca tiveram contato com esse sorotipo 3, o que os deixa “completamente vulneráveis”.

O infectologista alerta que onde o sorotipo 3 chegar, a quantidade de pessoas sem anticorpos contra ele será infinitamente maior do que a de pessoas sem anticorpos contra a dengue 2 ou 1, que já vem ocorrendo de forma ininterrupta todos esses anos. “Alguns pesquisadores relatam há algum tempo o potencial de casos mais graves de dengue causado pelo sorotipo 3, formulando uma hipótese de que ele seria mais agressivo que os demais. Logo, o potencial para causar epidemia pelo tipo 3 é maior neste momento, principalmente, na região noroeste do estado de São Paulo”, chamou atenção. 

Para o secretário, prever cenários e incorporar ações que antecipem a prevenção é uma das estratégias do Ministério da Saúde com o novo Plano de Contingência Nacional para Dengue, juntamente com as ações de vacinação já incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), desde 2023.

Fazemos o apelo para que os familiares levem suas crianças e adolescentes para completarem o seu esquema vacinal

Vacina contra dengue, conquista da ciência mundial

“Foram quase 80 anos de pesquisas de vários laboratórios e grupos de pesquisadores, tentando obter uma vacina contra dengue. Ter a vacina disponível é uma das grandes conquistas da ciência mundial”, celebra Rivaldo. “Estamos confiantes de que a Anvisa irá aprovar o registro da vacina do Butantan, que poderá, junto com parcerias nacionais ou internacionais, fornecer uma vacina de dose única para o Sistema Único de Saúde, no maior quantitativo possível o quanto antes”, espera.

O secretário salienta que, embora já tenhamos uma vacina sendo aplicada no Brasil desde 2023, fruto de um acordo entre o Ministério da Saúde do Brasil e o laboratório japonês Takeda, infelizmente, o número de doses distribuídas ainda é muito limitado. Rivaldo destaca também sua preocupação com o atual cenário de hesitação vacinal e a pouca procura da vacina por parte da sociedade.

Conforme explica, nesse primeiro momento, seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde recomenda a vacinação para grupos mais vulneráveis à doença, como crianças e adolescentes na faixa de 10 a 14 anos de idade, mas a procura ainda tem sido muito baixa. “Estamos muito preocupados porque há um percentual razoável de crianças e adolescentes que receberam a primeira dose da vacina e já deveriam ter retornado para tomar a segunda, mas não o fizeram. Fazemos o apelo para que os familiares levem suas crianças e adolescentes para completarem o seu esquema vacinal”, conclama.

Foram quase 80 anos de pesquisas de vários laboratórios e grupos de pesquisadores, tentando obter uma vacina contra dengue. Ter a vacina disponível é uma das grandes conquistas da ciência mundial

Novas tecnologias: um aliado no combate ao mosquito

“Estamos durante 40 anos fazendo exatamente a mesma coisa no combate à dengue, mas isso não está dando certo”, criticou Rivaldo, apontando importantes iniciativas de enfrentamento ao mosquito que o Ministério da Saúde vem tomando. 

Pensando na incorporação de novas tecnologias que sejam aliadas no combate ao mosquito, ele destaca as tecnologias que o Ministério da Saúde irá implementar para contribuir com a redução do número de casos de dengue em 2025.  “São tecnologias já comprovadas, na prática, como o método wolbáchia – que será expandida para 40 municípios em 2025; as estações disseminadoras de larvicida, que reduz o desenvolvimento de larvas de novos mosquitos; o inseto estéril, em que o macho do Aedes é esterilizado; e a borrifação residual interdomiciliar, que consiste na aplicação de inseticida nas paredes, repelindo os mosquitos e evitando que eles permaneçam no interior do imóvel”, enumerou.

Tais metodologias não substituem a urgência por políticas públicas, destaca Rivaldo, ao lembrar a importância que tem o poder público na limpeza das praças e no fornecimento regular da água e da coleta de lixo, entre outras iniciativas.  “Nunca é demais dizer que 80% dos focos de dengue estão dentro de casa, no quintal ou no peridomicílio, e que temos determinantes sociais que influenciam o processo de saúde e doença e que estão fora da governabilidade do setor Saúde”, pontuou.

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Last Update: 10/02/2025