Começa nesta segunda-feira 10 no Tribunal Especial de Paris o julgamento do tunisiano suposto autor do ataque à basílica de Notre-Dame-de-l’Assoption, de Nice, que deixou três mortos, em outubro de 2020, entre eles a brasileira Simone Barreto Silva. O réu Brahim Aouissaoui, de 25 anos, responde por homicídio e tentativa de homicídio em conexão com organização terrorista e pode pegar prisão perpétua.
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Brasileira foi uma das três vítimas de atentado – Foto: Reprodução/Redes Sociais
Além de Simone Barreto, de 44 anos, Aouissaoui é acusado de ter matado a facadas, Nadine Devillers, de 60 anos e o sacristão Vincent Loquès, de 55 anos.
Gravemente ferido pela polícia durante o ataque, o tunisiano se recuperou, mas afirma não se lembrar do que aconteceu. No entanto, segundo médicos que o examinaram, os ferimentos que sofreu não poderiam ter causado uma amnésia.
Pouco antes do começo da audiência desta segunda-feira, a RFI conversou com a irmã de Simone Barreto, Solange Barreto. Ela disse que espera que seja feita justiça para as famílias das vítimas. Simone deixou dois filhos de 4 e 14 anos na época do atentado.
Antecedentes
Segundo a família do acusado, interrogada pela polícia, Aouissaoui já havia passado por um centro de reeducação para menores na Tunísia entre 2015 e 2016, depois de ter cometido uma agressão com faca sob efeito de drogas e álcool. Após trabalhar realizando bicos, o jovem ganhava a vida vendendo combustível contrabandeado, na cidade de Sfax, no leste da Tunísia.
Ainda segundo sua família, Aouissaoui mudou de comportamento no final de 2018, adotando uma prática religiosa rigorosa e se isolando. De acordo com documentos da Justiça francesa, na época, ele se associa a salafistas, alguns dos quais envolvidos em casos de terrorismo.
Ele deixou a cidade de Sfax em 19 de setembro de 2020, a bordo de um barco com outras dez pessoas, sem avisar sua família. Aouissaoui desembarcou em Lampedusa, na Itália, em meio à crise da Covid-19, e foi transferido para cumprir quarentena em um centro de detenção para migrantes. Ele permaneceu detido na ilha até 9 de outubro, seguindo depois para Bari e Sicília, onde trabalhou colhendo uvas.
Nessa época, Brahim Aouissaoui começou a enviar a seus contatos nas redes sociais, vídeos de Khaled al-Rached, um pregador muçulmano saudita que pedia o fechamento da embaixada dinamarquesa para protestar contra a publicação de caricaturas de Maomé.
Os investigadores franceses também encontraram em seu telefone uma foto do terrorista checheno Abdoullakh Anzorov, assassino do professor Samuel Paty, publicada em 22 de outubro pela Al-Naba, um meio de comunicação do grupo Estado Islâmico, incitando jovens muçulmanos a matar franceses.
Preparação do atentado
Depois de passar por Roma, Gênova e Ventimiglia, Brahim Aouissaoui chegou à estação de Nice em 27 de outubro. Sua estadia na cidade pôde ser quase totalmente reconstituída através das imagens de câmeras de vigilância instaladas na cidade.
Os investigadores conseguiram estabelecer, por exemplo, que Brahim Aouissaoui passou em frente à basílica de Notre-Dame-de-l’Assomption cinco vezes antes do ataque. Na noite anterior, em uma mensagem de áudio, ele explicou a um compatriota que mora na região de Paris que não poderia ir à capital por falta de dinheiro e acrescentou: “Tenho outro programa na cabeça. Que Deus o torne mais fácil.”
Depois de duas noites dormindo no saguão de um prédio na Rue d’Angleterre, Brahim Aouissaoui entrou na basílica às 8h29 do dia 29 de outubro, armado com uma faca de cozinha com uma lâmina de 17 cm. De acordo com os policiais que o prenderam no prédio após o ataque, Aouissaoui gritou “Allah Akbar” enquanto os ameaçava com sua faca. Atingido por oito balas e eletrocutado por um taser, uma arma não letal, ele foi algemado antes de ser hospitalizado.
Embora a escolha final do alvo pareça ter sido feita apenas um dia antes dos eventos, os juízes acreditam que o acusado estava planejando o atentado há várias semanas, em resposta a pedidos para cometer ataques na França.
Amnésia
O jovem foi indiciado em 7 de dezembro de 2020. Interrogado cinco vezes durante a investigação, ele afirma que não se lembra de sua partida da Tunísia e do ataque. Quando confrontado com as imagens das câmeras de vigilância dele na Itália ou na França, alegou não se reconhecer nas imagens e concluiu que não era o homem que entrou na basílica de Nice.
“Sua amnésia não sobreviverá ao processo”, afirmou Philippe Soussi, advogado da Associação Francesa de Vítimas do Terrorismo.
Durante os anos de detenção, Aouissaoui passou por cinco penitenciárias que apresentaram relatórios sobre seu comportamento sob custódia. Os guardas descreveram uma personalidade “perturbadora”, com “uma atitude provocadora, exigente e desafiadora” em relação a eles.
Dedicado a uma prática religiosa rigorosa, segundo a administração de uma das prisões, ele foi transferido diversas vezes com urgência, após se aproximar de outros presos encarcerados por terrorismo.
Durante sua prisão no centro penitenciário de Meaux, distante 55 km a leste de Paris, Aouissaoui convenceu os detentos e os funcionários de que estava preparando um novo ataque, de acordo com os juízes de instrução do caso.
Para seus advogados, “após mais de quatro anos de detenção em isolamento total, a questão que se colocará na abertura da audiência será sobre seu atual estado de saúde mental, sua capacidade de compreender as acusações contra ele e, portanto, sua capacidade de se defender como qualquer acusado tem o direito de fazer”.
Já para as famílias das vítimas, a audiência é acima de tudo “um passo crucial” na sua reconstrução psicológica. O julgamento deve durar até 26 de fevereiro.