O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou 2025 no modo sobrevivência: acuado por indiciamentos em série, à espera de uma (quase certa) denúncia da Procuradoria-Geral da República e inelegível até 2030, lança todas as suas fichas em uma reabilitação política para manter o controle da extrema-direita, em meio a um cenário de pulverização de candidatos a lideranças.

A mais nova aposta é um projeto de lei que reduz de oito para dois anos o período de inelegibilidade, por meio de um enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa — que a direita, ao longo dos últimos 15 anos, dizia em peso defender.

A tramitação da proposta, de autoria do deputado bolsonarista Bibo Nunes (PL-RS), é repleta de truques. Em tese, ele não altera a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de junho de 2010), mas a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64, de maio de 1990).

Na prática, contudo, dá uma nova redação a um dispositivo da Lei das Inelegibilidades alterado pela Ficha Limpa — esta é o alvo final.

Para tentar negar que o projeto é sob medida para ele próprio, Bolsonaro tem calibrado o discurso. O argumento central, agora, é que a Ficha Limpa virou uma lei para perseguir a direita. O ex-capitão foi taxativo nesta sexta-feira 7: “Eu sou até radical. O ideal seria revogar essa lei, que assim não vai perseguir mais ninguém e quem decide se vai eleger ou não o candidato é você”.

Poderia surpreender o fato de se tratar do mesmo político que atacou o Supremo Tribunal Federal por ter anulado as condenações do presidente Lula (PT) devido às ilegalidades da Lava Jato e, com isso, reabilitado o petista ao jogo eleitoral.

Tornar-se elegível novamente é o eixo jurídico central do plano de Bolsonaro neste momento, ao menos enquanto o procurador-geral da República, Paulo Gonet, não se pronuncia sobre os indiciamentos nos casos das joiasda falsificação de cartões de vacina e da tentativa de golpe de Estado.

Mudar a Ficha Limpa pode não resolver a situação de Bolsonaro

O restabelecimento de sua elegibilidade, avaliam bolsonaristas, poderia fortalecer Bolsonaro em um eventual julgamento sobre a conspiração golpista de 2022. A projeção atual é que Gonet ofereça a denúncia nas próximas semanas e que o STF conclua a análise da acusação e, posteriormente, da ação penal até o fim deste ano. É improvável que a Corte se debruce sobre um caso tão impactante em ano de disputa presidencial.

Para o especialista em Direito Eleitoral Alexandre Rollo, doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP, a tendência é que o Supremo não declare inconstitucional uma eventual mudança no período de inelegibilidade, ainda que se considere o casuísmo da discussão.

O argumento é que se o Congresso pôde ampliar esse prazo por meio da Ficha Limpa ao alterar a Lei das Inelegibilidades, também tem o direito de reduzi-lo mediante a aprovação de um novo projeto.

Mesmo que o Legislativo chancele a proposta desenhada para livrar Bolsonaro, porém, há uma chance real de a boia furar rapidamente em mar revolto: uma condenação no STF por envolvimento na trama golpista de 2022 retiraria novamente o ex-presidente das urnas. E possivelmente por muito mais tempo.

A Polícia Federal indiciou Bolsonaro no inquérito do golpe por três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos de prisão), golpe de Estado (4 a 12 anos) e organização criminosa (3 a 8 anos).

Caso a PGR de fato apresente uma denúncia, o primeiro passo será o STF recebê-la ou rejeitá-la, o que deve ocorrer na Primeira Turma, formada por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. Se o colegiado aceitar a acusação, haverá a abertura de uma ação penal e, ao fim dela, os ministros decidirão se condenam ou absolvem os réus. Será nesse momento, em caso de condenação, que eles definirão a pena.

Desde já, a situação de Bolsonaro não é boa. Entre os condenados pelo STF por participação nos atos golpistas de 8 de Janeiro, por exemplo, mais de 200 entram na categoria considerada grave, com penas que variam de três a 17 anos de prisão.

Se ele for condenado a 20 anos, ficará 20 anos com os direitos políticos suspensos. Além dos 20 anos, seriam mais dois anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena [caso o Congresso mude a Ficha Limpa]”, explica Alexandre Rollo.

A suspensão de direitos políticos após se esgotar a possibilidade de recursos implica, entre outras limitações, a impossibilidade de votar e ser votado. Ou seja, Bolsonaro permaneceria longe das urnas ao longo de todo esse período, salvo alguma reviravolta em outra conjuntura política e jurídica.

O papel de Bolsonaro na conspiração golpista, segundo o inquérito do golpe

Segundo a PF, o ex-capitão planejou e exerceu um domínio direto sobre os atos de uma organização criminosa que buscava executar um golpe de Estado no Brasil em 2022.

A corporação sustentou, em relatório enviado ao STF, que a ruptura “não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”.

Leia a conclusão da Polícia Federal sobre o papel de Bolsonaro na trama:

“Os dados descritos corroboram todo o arcabouço probatório, demonstrando que o então presidente da República JAIR BOLSONARO efetivamente planejou, dirigiu e executou, de forma coordenada com os demais integrantes do grupo desde [pelo menos] o ano de 2019, atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito, com a sua permanência no cargo de presidente da República Federativa do Brasil, fato que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, dentre as quais, destaca-se a resistência dos comandantes da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JUNIOR, e do Exército, General FREIRE GOMES e da maioria do Alto Comando que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado”.

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Last Update: 07/02/2025