O governo brasileiro, no fim de 2024, experimentou forte instabilidade financeira e cambial, em grande parte por causa da sua dependência de credores privados internos e externos, que oferecem crédito volátil, caro e de prazo curto. Os mercados se acalmaram desde janeiro deste ano, mas persiste a vulnerabilidade financeira.
O que poderia ser feito para blindar a economia? Uma alternativa seria encontrar no exterior novas fontes mais atraentes de financiamento, por exemplo, na China ou, em menor medida, em países exportadores de petróleo do Oriente Médio. São países com reservas oficiais excedentes, bem superiores às suas necessidades precaucionais. Aportes desses países poderiam constituir, em tese, uma fonte mais favorável de financiamento para o Estado brasileiro, libertando-o em parte do crédito de fontes domésticas caras, de curto prazo e instáveis. Se a nova captação externa apresentar condições vantajosas, e se for, em especial, mais estável do que a captação interna, haveria um impacto macroeconômico imediato, com revalorização cambial, menor pressão inflacionária e queda das taxas de juro internas.
Há, entretanto, algumas precondições para que essa alternativa possa funcionar. E isso nem sempre é levado na devida conta. Tento explicar sinteticamente algumas das principais precondições, remetendo a uma explicação mais completa do argumento publicado no site de CartaCapital.
Substituição de dívida interna por externa
O que se poderia pretender, em princípio, seria usar o novo crédito externo para aumentar o espaço fiscal. Isto significa, neste contexto, abrir duas opções não mutuamente excludentes: 1. A possibilidade de financiar um déficit público mais elevado. 2. A possibilidade de substituir dívida interna por externa, ampliando o poder de barganha do Estado em relação aos atuais investidores de portfólio, domésticos ou estrangeiros. Essa segunda opção parece ser a mais importante nas circunstâncias atuais.
Se o aumento da dívida externa se traduzisse em diminuição da interna (não em aumento do déficit fiscal), melhoraria a composição da dívida pública total em termos de juros e prazos. Aumentaria, também, a estabilidade do financiamento ao setor público, uma vez que os credores domésticos, ou, mais precisamente, os investidores internos e externos que compram e vendem títulos em reais no mercado doméstico, são altamente voláteis e, portanto, pouco confiáveis. O governo ficaria mais independente dos mercados de capitais locais e ocidentais, sem ter de fazer para esse fim um esforço adicional de ajustar suas contas.
Essa manobra aumentaria, porém, a exposição a variações cambiais, uma vez que ao credor externo dificilmente interessaria adquirir risco cambial em reais em grande escala. Só vale a pena seguir esse caminho se a dívida externa preexistente é pequena.
No caso brasileiro atual, a dívida externa bruta é de fato pequena, inferior às reservas internacionais do País. Essa conclusão vale mesmo se levarmos em conta a dívida pública interna indexada à taxa de câmbio e os swaps cambiais do Banco Central. Assim, há espaço para que o Estado brasileiro incorra em novas obrigações expressas em moeda estrangeira.
A mudança reduziria a pressão sobre a inflação, os juros longos e abriria espaço para o BC diminuir a taxa básica
Se o novo crédito externo é concedido em condições mais favoráveis de juros e prazo, há impacto favorável sobre o balanço de pagamentos. Ao mesmo tempo, e mais importante: admitindo-se que o governo não use, ou não use integralmente, o aporte de crédito externo para aumentar o déficit público, a mudança na composição da sua dívida, com substituição da dívida interna (com residentes e não residentes) por dívida externa, traria três vantagens: 1. Diminuiria o custo médio da dívida, supondo-se, evidentemente, que a dívida nova com a China ou outros países tivesse custo inferior à dívida interna. 2. Traria alongamento da dívida, se o empréstimo externo for mais longo do que o prazo médio da dívida interna. 3. Aumentaria a estabilidade do financiamento ao setor público, reduzindo a dependência em relação a investidores residentes e não residentes, que, aproveitando-se da conta de capitais aberta e da liquidez dos títulos brasileiros, entram e saem do País com facilidade e rapidez. Pode-se presumir que o endividamento com a China ou outros países apresenta, de fato, o potencial para trazer essas três vantagens. A substituição de dívida interna por externa implicaria, porém, como mencionado, aumento da dolarização do estoque da dívida pública, hoje limitada.
De todo modo, a entrada de empréstimos de novas fontes oficiais e a substituição de dívida interna por externa provocariam, num primeiro momento, valorização cambial, menor pressão sobre a inflação, diminuição das taxas de juro longas e espaço para o Banco Central diminuir a taxa básica, com redução do custo da dívida governamental.
Uma nova forma de dependência
Ressalte-se que o governo brasileiro estaria em certo sentido trocando seis por meia dúzia, isto é, dependência em relação à Faria Lima e a Wall Street por dependência em relação à China ou outros países. Essa nova dependência seria menor e menos custosa, mas apareceria mesmo assim e não poderia ser desprezada. Regra geral, não se deve depender demais de fontes estrangeiras. Os países não têm amigos, e sim interesses, advertia De Gaulle. Melhor é que o financiamento das contas públicas e do investimento produtivo seja feito primordialmente com capitais e poupança nacionais. O capital se faz em casa, como recomendava Barbosa Lima Sobrinho.
Resta saber, de todo modo, se existe de fato disposição de emprestar grandes somas ao governo brasileiro. O mais provável é que a China e outros credores potenciais só se dispusessem a oferecer empréstimos novos a conta-gotas, testando a temperatura da água. Isso continuaria a interessar ao Brasil, em princípio, mas não traria talvez a reviravolta macroeconômica que se poderia em tese contemplar. Mesmo assim, se os empréstimos iniciais puderem ser apresentados como parte de um programa mais amplo de substituição de dívida interna por externa, acordado com a China e outros países, haveria impacto benéfico e, provavelmente, expressivo sobre as expectativas de mercado e o desempenho da economia brasileira. •
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Empréstimos da China resolvem? ‘