“Alvarito” Noboa, bilionário equatoriano, realizou por meio do filho, Daniel, o sonho de poder absoluto. Rejeitado cinco vezes nas urnas pelos compatriotas, o empresário vive a expectativa de ver o rebento conquistar um novo mandato presidencial de quatro anos, após o período-tampão de 24 meses no comando do país, na esteira das eleições antecipadas. As pesquisas indicam uma disputa reeditada e acirrada entre o atual mandatário e a principal oponente, a advogada Luisa González, herdeira da frente de esquerda organizada por Rafael Correa, a quem Daniel derrotou em 2023. A maior diferença foi captada pelo instituto Ipsos em 24 de janeiro. Noboa teria 45,5% das intenções de voto, contra 31,3% de González. Os inúmeros demais candidatos disputam as migalhas. Para dispensar o segundo turno, um postulante precisa alcançar 50% mais um ou chegar a 40%, mas obter uma diferença de 10 pontos porcentuais em relação ao segundo colocado.
Os Noboa encarnam a típica oligarquia sul-americana, entronada desde os tempos coloniais. Inicialmente, a família fez fortuna com a exportação de bananas. “Alvarito”, com tino para os negócios e excelentes relações no Estado, ampliou os tentáculos do império. Dois veneráveis do clã foram presidentes da República: Diego, interino entre 1850 e 1851, e Gustavo, de 2000 a 2003. O filho Daniel nasceu em Miami, fez um master em Business na Kellogg, prestigiosa faculdade de Administração dos Estados Unidos, por um tempo apostou em uma empresa de eventos antes de enveredar pela política e foi flagrado no Pandora Papers, o vazamento de contas de plutocratas mundiais em paraísos fiscais. Era um azarão nas eleições de dois anos atrás, precipitadas por uma crise política que levou o então titular, Guilherme Lasso, a usar o mecanismo chamado de “morte cruzada”. Lasso renunciou e dissolveu o Parlamento horas antes da votação de seu impeachment. O jovem Noboa, com 35 anos à altura, fez acenos na campanha à comunidade LGBT e autodeclarou-se de “centro-esquerda”. Venceu González no segundo turno por 51,8% a 48,2%.
Ao tomar assento na principal cadeira do Palácio de Carondelet, Noboa mostrou a verdadeira face. Tornou-se uma cópia de Nayib Bukele, o influencer presidente de El Salvador. Em nome do combate às gangues que infernizam as periferias, atropelou direitos fundamentais básicos. Em maio do ano passado, a ONG Human Rights Watch denunciou execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e torturas cometidas por agentes de segurança e militares. “Muitas pessoas parecem ter sido detidas por curtos períodos fora do processo legal e submetidas a represálias, espancamentos ou outros tratamentos degradantes por parte de soldados e policiais”, declarou à época Juanita Goebertus, diretora para as Américas da HRW. A queda de 18% nos assassinatos em 2024 parece, no entanto, ser um trunfo eleitoral do presidente, depois de um aumento de 674% entre 2018 e 2023. Também ao estilo Bukele, Noboa anunciou a construção de um presídio para 800 detentos “perigosos” em uma área de 16 hectares, em tempo recorde, 300 dias, ao custo de 52 milhões de dólares.
O país vive uma combinação de crises: na segurança, na energia e na economia
O presidente elegeu ainda um inimigo externo para apelar ao voto nacionalista: o México. As relações entre os dois países estão rompidas desde a invasão, no ano passado, da embaixada mexicana em Quito por policiais equatorianos, em claro desrespeito ao direito internacional. Os agentes equatorianos foram à caça do ex-vice-presidente Jorge Glas, condenado por corrupção e refugiado na embaixada. A uma semana das eleições, Noboa decidiu provocar novamente o espantalho. Anunciou uma tarifa de 27% sobre os produtos mexicanos, sob a justificativa de conter “abusos” e proteger a indústria local.
O patriotismo não é só o último reduto dos canalhas, como dizia Samuel Johnson, mas uma boa tática para desviar a atenção dos eleitores. Sob Noboa, o Equador convive com apagões constantes e um gargalo complexo no setor de energia. Os racionamentos são uma das causas do pífio crescimento do PIB no ano passado, 0,9%, segundo as projeções. No intervalo de 18 meses, a popularidade do presidente despencou de 85% para 42%. O país “vive uma crise multidensional que se expressa em termos econômicos, elétricos e políticos”, afirmou Fernando Carrion, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, à Agência France Presse.
Explorar a insatisfação popular é a aposta de González para levar a disputa ao segundo turno e, quem sabe, virar o jogo. Correa, presidente entre 2007 e 2017 e líder da corrente política da advogada, assim como parte da esquerda, foi vítima do “lavajatismo” equatoriano. O ex-presidente refugiou-se na Bélgica para escapar do lawfare – Glas não teve a mesma sorte – e de lá organiza a oposição à esquerda, na esperança de os equatorianos reconheceram os resultados da administração da Revolução Cidadã, quando a economia cresceu, em média, 4,3%. Mas só colhe fracassos. Lenín Moreno, pupilo que governou o país de 2017 a 2021, traiu a “causa”. Na sucessão de Moreno, o direitista Lasso derrotou a outra promessa da frente progressista, o economista Andrés Arauz. E Noboa venceu González.
A advogada centra a campanha nos abusos policiais e na insegurança energética. Suas principais promessas incluem a reformulação do Ministério da Justiça e maior controle dos agentes de segurança, a estatização de boa parte do sistema elétrico, um plano de transição para uma economia sustentável e a oferta de saúde e educação públicas e gratuitas. Caso vença, González será a primeira mulher a governar o Equador. Em um modelo sui generis, o último debate televisivo separou os candidatos por blocos, o que impediu um confronto direto entre a advogada e o atual presidente. •
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tira-teima’